A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) prevê que até o ano de 2050 a população mundial chegue a 9 bilhões de pessoas e que a haverá uma menor disponibilidade de alimentos. Esta previsão tem demandado fortes discussões não somente sobre os desperdícios de alimentos em todas as fases de produção do campo a mesa, como também seus melhores aproveitamentos. Fontes alternativas como o consumo de insetos, hábito alimentar tradicional em alguns países principalmente asiáticos, tem sido tentado em outras regiões encontrando barreiras culturais e de ordem higiênica.

Os insetos são fontes de alimentos altamente nutritivos e saudáveis, com alto teor de gordura, proteína, vitamina, fibra e minerais com valores nutricionais altamente variáveis em função da espécie, do estágio metamórfico dentro da mesma espécie e do habitat em que vive.

Os insetos estão entre os organismos mais disseminados e abundantes no planeta, com cerca de 30 milhões de espécies que podem sobreviver em diferentes locais, de desertos a montanhas e que juntas acumulam o maior volume de biomassa entre todos os seres vivos.  Estima-se haver mais de 200 milhões de insetos para cada ser humano, o que significa 140 quilos de insetos para cada quilo que cada humano acumula. Espécies como os grilos precisam relativamente de seis vezes menos alimento que bovinos e duas vezes menos que suínos e frangos de corte, para produzirem a mesma quantidade de proteína, emitindo menos gases de efeito estufa e outros poluentes.

Comer ou não comer insetos

Citação da FAO da conta da existência de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo que suplementam suas dietas com insetos já havendo produção comercial destes animais com a finalidade de consumo humano, como em granjas de grilos no Laos, Vietnã e Tailândia. No caso específico do Laos a FAO vem desenvolvendo um projeto de criação de insetos, que aproveita os conhecimentos de 15 mil agricultores familiares que cultivam gafanhotos há décadas.

No trabalho intitulado ‘Insetos como fontes de alimentos para o homem: valoração de recursos considerados repugnantes’ o autor, Eraldo Medeiros Costa Netto descreve que maioria dos seres humanos considera o consumo de insetos como prática de “gente primitiva” e que por razões estéticas e psicológicas eles são considerados animais nocivos, sujos, transmissores de doenças e vistos como pragas, exceção para as abelhas melífera, Apis mellifera L. Esta associação com repugnância muitas vezes é alimentada pelos comerciais de televisão que convidam ao uso indiscriminado de inseticidas, fazendo com que uma quantidade considerável de proteína animal torne-se indisponível a parcela da população mundial que sofre com a fome e a desnutrição. “comer ou não comer insetos depende da variabilidade das escolhas individuais, de uma norma aceita ou da acessibilidade ao animal”

Segundo o Dr. Claudio J. Von Zuben do Departamento. de Zoologia do Instituto de Biociências da UNESP Rio Claro, é importante destacar que os hábitos alimentares são normalmente influenciados por circunstâncias pessoais, culturais e econômicas, além muitas vezes, de fatores políticos internos e externos. Normalmente observa-se que povos que passaram em algum momento por algum tipo de privação alimentar, são os com maior espectro de alimentos em potencial que podem ser ingeridos. Ou seja, são povos que tiveram maior necessidade de provar novas fontes de alimento.

Em 2013 no trabalho intitulado Edible insects: Future prospects for food and feed security, ou em tradução livre Insetos Comestíveis: Perspectivas Futuras para Segurança Alimentar, a FAO cita que pessoas em todo o mundo têm comido insetos e outros animais como aranhas, lagartos e pássaros como parte regular de suas dietas por milênios, sendo a prática de comer insetos conhecida como entomofagia humana e os insetos comestíveis denominados de entomófagos. Entretanto comer insetos ainda é tabu em muitas sociedades ocidentalizadas significando que a produção de insetos para alimentação humana e animal tem estado amplamente ausente das grandes inovações agrícolas e pecuárias que surgiram nos últimos séculos, com algumas exceções como abelhas, bichos-da-seda e cochonilhas (dos quais um vermelho corante é derivado) deixando também de figurar nas agendas das agências de pesquisa e desenvolvimento agrícola em todo o mundo, inclusive na própria FAO.

Ainda segundo a FAO globalmente, os insetos mais comumente consumidos são besouros (Coleoptera) nas formas de larvas ou adultos, 31%, por constituírem em cerca de 40% de todas as espécies de insetos conhecidas. O consumo de lagartas (lepidópteros), especialmente populares na África subsaariana é estimado em 18%, abelhas, vespas e formigas (Hymenoptera) mais comuns na América Latina e consumidas em seus estágios de larva e pupa vêm em terceiro, com 14%, seguido de gafanhotos e grilos (Orthoptera) com 13%, cigarras, cigarrinhas, cochonilhas e percevejos verdadeiros (Hemiptera) 10%, térmitas (Isoptera) 3%, libélulas (Odonata) 3%, moscas (dípteros) 2% e outros 5%.

Como consumir insetos

Há várias formas de consumo de insetos sejam crus, assados, cozidos, fritos ou desidratados. Em algumas regiões do Brasil, conforme citação das autoras, Edenilze Teles Romeiro, Israella Dias de Oliveira, Ester Fernandes Carvalho na Revista de Comportamento, Cultura e Sociedade, o consumo de insetos se faz presente em pratos tradicionais, como no caso da formiga popularmente conhecida como Tanajura ou íça em Minas Gerais, Amazonas e em todo o nordeste, como um dos ingredientes de farofa. Larva do besouro Pachymerus nucleorum, bicho do coco, gongo, coró ou morotó, também é consumida por moradores da zona rural de Minas Gerais, da mesma forma que a formiga saúva na região norte que possui mais proteínas (42,59%) do que a carne de frango (23%) ou a bovina (20%) . Desidratados e transformados em farinha, os grilos apresentam-se como alternativa a alimentos e suplementos como o whey protein, a proteína de soro do leite, bastante consumida por praticantes de atividades físicas.

Na Colômbia, tosta-se o traseiro de formigas cortadeiras, que têm sabor de pipoca, os tailandeses consomem as formigas vermelhas e suas larvas salteadas ou em saladas. Larvas de vespa ou vespas adultas são consumidas no Japão cozidas no molho de soja e açúcar até ficarem crocantes.

No México ovos da formiga negra gigante Liometopum  são cozidos ou fritos e consumidos nos tacos e tortilhas com sabor é amanteigado lembrando o do queijo cottage. É chamado de caviar dos insetos

Uma iguaria para cambojanos e venezuelanos, a tarântula é tradicionalmente frita no óleo quente, com sal, açúcar, alho e pimenta antes de ser vendida inteira com sabor lembrando a caranguejo.

No Oeste africano, Austrália e partes da América do Sul, os cupins são consumidos crus, fritos ou assados. Crus tem o sabor salgado e próximo da madeira que consumia e assado tem sabor adocicado.

Diversos tipos de lagartas são consumidas em todo o mundo, mas as tipo de mandruvá, também existentes no Brasil, são consideradas iguarias em países como Botsuana, África do Sul e Zimbábue devido ao seu tamanho e o aspecto colorido do corpo. São prensadas, secas ao sol ou defumadas e servidas com molhos e ensopados. O sabor é amanteigado.

Grilo tostados e crocantes, são consumidos no México com limão como se fossem salgadinhos devido ao seu sabor salgado e apimentado. O escritor Monteiro Lobato tinha o hábito de comer grilos que apelidava de camarões do céu.

Escorpiões, cigarras e libélulas: são consumidos cozidos ou fritos e muito apreciados em países como Japão, Indonésia, Vietnam, Tailândia e China.

Percepção sobre a introdução de insetos na dieta

Os autores I.S. Schardong, J.A. Freiberg e N.S.P.S. Richards da Universidade Federal de Santa Maria no Rio Grande do Sul analisaram, através de um questionário passado a 251 pessoas da comunidade acadêmica, a percepção sobre a introdução de insetos na dieta. Destas apenas 23 pessoas, 17 homens e 6 mulheres na faixa de 26 a 35 anos, relataram já terem consumido por curiosidade em viagem ao exterior, em treinamentos militares ou em acampamento de escoteiros.

Questionados pela forma como os insetos poderiam ser consumidos a maioria teve preferência na forma de farinha (46%), seguido da opção inteiro assado/cozido/frito (25%) caracterizando que o consumidor prefere experimentar insetos geralmente quando sua visibilidade é reduzida, incorporando-o em algum produto como farinha. Em relação à escolaridade, observaram que grupos de acadêmicos com formação em pós-graduação consumiram insetos, seguido da graduação incompleta, sugerindo a tendência das pessoas com maior nível de especialização e formação profissional demonstrarem maior interesse na pesquisa com insetos em relação às pessoas com menor nível de escolaridade. Entretanto, apesar dos participantes reconhecerem os benefícios do consumo de insetos como fonte de nutrientes e proteínas, alguns obstáculos impediram que eles fossem convencidos a consumi-los, sendo a preferência por refeições convencionais e a oferta de carne a baixo custo na região, quando comparadas aos países orientais os principais motivos fazendo com que fontes alternativas de proteína fossem desvalorizadas.

É certo que as considerações sobre os fatores favoráveis e desfavoráveis ao consumo de insetos passam pelos alicerces culturais, sua disponibilidade e principalmente pela necessidade pontual ou habitual de alimentos. Entretanto como para todos os alimentos, principalmente os de origem animal, as condições sanitárias da matéria prima devem ser consideradas e que no caso especial dos insetos, como não é comum a produção industrial de animais vivos, sua captura na natureza para fins alimentícios pode representar perigo a saúde humana pela transmissão de agentes causadores de doenças muitos deles possivelmente ainda desconhecidos.