Profissionais da pecuária de corte e pesquisadores da área descobriram que o bem-estar de animais de produção é economicamente interessante e viável, mesmo que envolva custos iniciais para mudar o manejo em toda a cadeia da carne.
Bem-estar não é sentimentalismo ou dó do animal. É um fator econômico que deve ser agregado à empresa rural. O pecuarista precisa entender que a implantação das boas práticas de manejo é sempre acompanhada de adequação nas instalações, especialmente no curral. Também é vital melhorar as condições de trabalho da fazenda, para que o funcionário seja estimulado a colaborar com a produção, seja diminuindo as perdas ou melhorando o rendimento de carcaça.
Segundo um estudo realizado pelo Etco (Grupo de Estudos em Etologia e Ecologia Animal, da Universidade Estadual de São Paulo, em Jaboticabal – SP), coordenado pelo professor Mateus Paranhos, animais contundidos – cerca de 40% do que chega ao frigorífico – representam um prejuízo de, no mínimo, 12 milhões de quilos de carne em um ano, ao Brasil.
As lesões são provocadas por pancadas, estresse (rompimento dos vasos sanguíneos), choque elétrico, mistura de lotes, entre outros. Já os abscessos, também desclassificados, ocorrem em virtude de vacinas mal aplicadas (higiene, local aplicado e manejo inadequado). Além disso, o estresse provocado pelo manejo pré-abate aumenta o pH da carne, tornando-a mais escura e dura.
Segundo o estudo, cerca de 40% das lesões ocorrem nos pastos e currais. Em currais tradicionais, é praticamente inútil o esforço para evitar o estresse, especialmente no embarque, o que tem reflexos até os corredores do frigorífico. É um problema que provoca prejuízos em toda a cadeia.
Por isso, a responsabilidade da fazenda é ainda maior que os 40%, já que o problema só pode ser resolvido quando os animais chegam ao frigorífico com baixa reatividade, em função de um manejo adequado na fazenda. Esse trabalho reduz drasticamente contusões, fibroses, abscessos vacinais, estresse, entre outros também no transporte e no manejo pré-abate.
Treinamento e faturamento
Para resolver a questão dentro da fazenda, os funcionários devem ser convocados a trabalhar de forma menos agressiva, calma, respeitando os animais. A participação do proprietário no processo muitas vezes ainda está aquém do necessário, visto que são poucas as fazendas que oferecem benefícios aos tratadores pela melhoria do produto carne. Por vezes, até evitam que tenham acesso a informações que lhes permitam entender a mudança.
Pesquisa da consultoria Flor de Leles, de Goiás, realizada em uma fazenda com 5.000 animais durante um ano, comprovou que treinamento e manejo adequado geram resultado. Após a mão de obra ser treinada para o manejo racional, os animais tiveram ganho extra médio de uma arroba no peso. O rendimento de carcaça também aumentou, passando de 53,4% para 56%.
As pesquisas comprovam que rebanho bem cuidado paga mais. Ou melhor: reses maltratadas fazem o produtor perder dinheiro.
O primeiro cálculo é simples e objetivo. Se a estrutura da fazenda for mal feita, o gado pode sofrer contusões, pancadas, escoriações, entre outros. A lesão faz o animal alimentar-se mal e emagrecer, ou engordar menos do que a maioria. O criador, então, se vê obrigado a reformar as instalações, e no fim acaba gastando mais do que se tivesse investido de modo correto anteriormente. Mas é preciso que a mão de obra esteja treinada para utilizar a estrutura do curral com o mínimo de estresse possível para o animal.
Apesar das possíveis falhas no curral, o manejo é o grande responsável pelo prejuízo oriundo do descarte de carne no frigorífico. Não é raro encontrar fazendas com infraestrutura excelente, mas cujos resultados não são tão bons quanto o esperado. As práticas errôneas na lida com o gado acabam provocando mais lesões do que o próprio curral.
Grito e choque dão prejuízo
O uso indiscriminado de gritos, choques e laços, além de pancadas, bastões e até pedras só resulta em ferimentos que, mais tarde, serão descartados no frigorífico. É comum a indústria pagar menos pela carcaça justamente por causa dos descartes decorrentes do manejo incorreto.
É comum a indústria pagar menos pela carcaça por causa dos descartes decorrentes do manejo incorreto
A lida convencional, presente ainda em boa parte das fazendas, é um dos fatores que mais prejudicam a qualidade final da carcaça. Em contrapartida, é o ponto mais barato de se resolver, afinal, mudança de atitude não custa nada.
No entanto, o treinamento precisa ser constante para que antigos erros não voltem à tona. Depoimentos de pecuaristas que investiram em treinamento da mão de obra para a implantação do manejo racional mostram os reflexos reais da mudança de atitude no rendimento da atividade.
Recorrer a treinamentos e conhecer fazendas que aplicam o bem-estar animal é gratificante a quem planeja deixar de gastar mais e receber menos em virtude dos métodos aplicados em sua fazenda. Uma visita a fazendas que já usam as boas práticas pode mostrar ao vaqueiro como o gado responde sem o uso de violência.
Ganhando dos dois lados
Com manejo adequado, o produtor pode ganhar dos dois lados. Da porteira para dentro, consegue produzir com mais eficiência, diminuir gastos, engordar o gado mais rapidamente e produzir uma carcaça com rendimento melhor, além de melhorar a qualidade do trabalho de quem está na lida. Da porteira para fora, pode negociar melhores condições com o frigorífico, já que está entregando um produto com qualidade acima da média.
Os conceitos de bem-estar animal chegam a pesquisadores, universitários, técnicos e pecuaristas com muita facilidade. Mas, como não são eles que trabalham o gado no dia a dia, esse conhecimento pode não passar da teoria. É da mão de obra que dependem os resultados, e é por isso que sua capacitação não pode ser falha.
Profissionalização dá lucro
Medidas que levam à profissionalização para dentro da fazenda produzem resultado. O que pode inicialmente ser visto como gasto, na verdade é investimento que permitirá que o produtor tenha um ganho extra – e muitas vezes, esse ganho vem em um curto espaço de tempo, apenas com a adoção de medidas simples, mas eficazes, como o uso do tronco de contenção para vacinação. Ou o uso de uma bandeirola para manejar o gado, sem a necessidade de ferrão ou outros tipos de agressão.
Os produtores mais modernos estão descobrindo as vantagens que as boas práticas produzem para o negócio da carne. O tempo de deixar o gado crescendo sozinho no pasto para, quatro anos depois, colocá-lo à força no caminhão já ficou para trás. Fazendas terminam o rebanho em menor tempo apenas com a adoção do manejo racional e com menos mão de obra, já que um rebanho bem manejado exige menos trabalho.
O mercado oferece ferramentas de gestão e manejo que ajudam o pecuarista a melhorar seu negócio. Entretanto, para que essas ferramentas deem o resultado esperado, é necessário que aqueles que estão na lida direta – ou seja, os vaqueiros – saibam usá-las. Sem treinar seu pessoal, as aquisições feitas para melhorar o negócio acabam tornando-se gastos, e não investimentos.
Renato dos Santos, médico veterinário e responsável pela área de Manejo Racional da Beckhauser.