Autores: Letícia Alves Lins, Letícia Ribeiro de Sousa, Liris Raphaella Turin de Morais, Maiara da Silva Quirino, Thalita Debora Hibner Silva Bureli e Tiago Lima Nogueira -Discentes do curso de Medicina Veterinária da UFRRJ
Sob a supervisão de Prof. Clayton Bernardinelli Gitti – Docente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Introdução

O mormo é uma enfermidade de equídeos com potencial zoonótico, ou seja, que pode acometer também o ser humano e levar, inclusive, ao óbito. Causada pela bactéria Burkholderia mallei, a infecção nos animais se dá principalmente por ingestão de alimentos contaminados com secreções nasais e orais, mas também pode ocorrer por vias respiratórias ou genitais. Como grande parte dos animais são portadores assintomáticos da bactéria, há dificuldade no controle e prevenção da doença. Nos animais a enfermidade pode se apresentar na forma pulmonar, nasal e cutânea. Já no homem os sintomas característicos são febre, apatia, dores musculares, dor no peito, entre outros.

Uma das formas de prevenção é a fiscalização do trânsito interestadual de animais, evitando que animais não testados para a doença possam trafegar pelo país. Porém, pela dificuldade de realização de uma fiscalização satisfatória, o mormo representa um grave problema sanitário, à medida que a equinocultura possui importância econômica no Brasil. O país possui o maior rebanho de equídeos da América Latina, ocupando o lugar de terceiro maior do mundo. Anualmente, essa atividade econômica movimenta aproximadamente 7,3 bilhões de reais.

Os equinos foram introduzidos na Região Nordeste do Brasil no século XVI, trazidos da Europa com finalidade de trabalho, alimentação e esporte. O mormo foi descrito pela primeira vez em 1811, tendo sua possível chegada através de animais infectados importados da Europa. Em 1968, entretanto, foi diagnosticada erroneamente em Pernambuco. O mormo foi identificado no final da década de 90 nos estados de Alagoas e Pernambuco em um surto que causou mais de 400 mortes de equídeos e, a partir de então, se disseminou por todo o território brasileiro. Apesar de ser uma doença de notificação obrigatória, ainda é subnotificada, comprometendo o agronegócio equino nacional e o comércio internacional.

Agente etiológico

A bactéria Burkholderia mallei infecta exclusivamente mamíferos. É Gram-negativa, não móvel, não esporulada e intracelular facultativa, não depende exclusivamente do hospedeiro para sobreviver. Desse modo, esse agente sobrevive em condições úmidas ou sombreadas por até 6 semanas. É pouco resistente no meio ambiente, podendo ser inativada pelo calor, luz solar direta e desinfetantes comumente usados, incluindo o hipoclorito.

Devido ao seu alto potencial de disseminação, sua capacidade de causar doença e mortes humanas, foi utilizada como arma biológica potencial na Primeira e Segunda Guerra Mundiais e na Guerra Soviético-Afegã.

Epidemiologia e distribuição geográfica

A epidemiologia do mormo está relacionada ao manejo, principalmente a utilização de estábulos coletivos, o que, com a aglomeração dos animais, aumenta os focos de disseminação da infecção.

Por ser uma doença com transmissão respiratória, acreditava-se haver uma sazonalidade para aumento de casos nas épocas mais frias do ano. No Nordeste do país, contudo, a incidência de mormo acontece o ano todo, o que descredibiliza que esta doença poderia estar relacionada com as estações do ano.

Já nos Estados Unidos, sua ocorrência está atrelada a infecção acidental por manipulação laboratorial, o que enfatiza a importância de se estabelecer medidas de prevenção eficazes. Mundialmente o mormo está mais localizado na Ásia, África e Oriente Médio, além de ser considerada uma doença reemergente devido ao avanço no número de casos. Recentemente tem recuperado atenção mundial por casos confirmados no continente europeu.

Patogenia

A infecção ocorre através da penetração do agente etiológico nas mucosas do sistema respiratório, sistema digestório ou através de feridas na pele. Inicialmente surgem lesões na área de entrada, especialmente na faringe e nos septos nasais até o sistema linfático, comprometendo órgãos como baço, fígado e pulmões, causando edema no mesmo. Desse modo, acarreta alta resposta inflamatória, cursando com posterior formação de nódulos firmes pela presença de intensa infiltração de neutrófilos, fibrina e hemácias. Estes nódulos granulomatosos são característicos da infecção.

Foto: Pixnio.com

Ações de Prevenção e Controle

Devido à sua importância em saúde animal, o mormo se encaixa na categoria 2 da Instrução Normativa Nº 50, de 24 de setembro de 2013 e requer notificação imediata de qualquer caso suspeito ao Serviço Veterinário Oficial.

Seu diagnóstico e controle devem ser determinados pelos órgãos oficiais de defesa sanitária. Além do mais, a doença faz parte do Programa Nacional de Sanidade de Equídeos (PNSE) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O PNSE visa a vigilância epidemiológica e sanitária das principais doenças de equídeos, buscando sua erradicação e controle.

Segundo a Portaria do MAPA Nº 593, de 30 de junho de 2023, só será permitida o trânsito interestadual de equídeos e a sua participação em aglomerações e eventos mediante a apresentação de documento oficial de trânsito animal aprovado pelo MAPA e demais exigências sanitárias. A mesma portaria elucida que para serem considerados casos confirmados para mormo deve-se seguir critérios como isolamento e identificação da bactéria em amostra de um equídeo com sinais clínicos compatíveis à infecção, como também detecção de anticorpos específicos em amostra de equídeos com sinais clínicos aparentes.

Caso uma propriedade apresente um caso confirmado, passa a ser considerada um foco da doença e imediatamente deve ser interditada e submetida a regime de saneamento. Sendo assim, todos os equídeos presentes nesta propriedade devem passar por exames sorológicos e, caso se apresentem positivos, devem ser eutanasiados, com prazo de no máximo 15 dias a contar desde a notificação ao proprietário. Suas carcaças devem ser queimadas e enterradas e todos os materiais descartados. Somente após análise técnica do Serviço Veterinário Oficial, a desinterdição da unidade onde se apresentou casos confirmados poderá ocorrer.

Saúde Pública

Os humanos são hospedeiros acidentais da infecção por B.mallei, seja por inalação ou inoculação cutânea, mas geralmente por contato direto com animais infectados, carcaças ou exposição em laboratório. No grupo de risco contam os médicos veterinários, tratadores de equinos, funcionários de abatedouros e laboratoristas. Os sintomas clínicos são inespecíficos: o paciente pode apresentar febre, cefaleia, letargia e até mesmo evoluir para complicações graves e fatais.

Como medidas de controle para os profissionais que estão em contato com possíveis animais positivos, o PNSE sugere o uso de EPIs, como máscara, avental, luva, óculos de proteção e botas, para prevenção de transmissão via contato direto e por aerossóis.

Diagnóstico

O diagnóstico de mormo em equídeos ainda se dá pelo histórico do animal e com base em dados epidemiológicos da propriedade e região. Entretanto, existem alguns testes laboratoriais que o MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) estabeleceu como métodos oficiais para detecção desta bactéria, como: O Teste de Fixação do Complemento e o ELISA (Ensaio de Imunoabsorção Enzimática), sendo estes testes de triagem realizados por laboratórios credenciados. Já o Western Blotting é um teste confirmatório e definitivo que pode ser realizado somente pelo Serviço Veterinário Oficial.

O diagnóstico em humanos pode ser realizado com ELISA indireto, utilizado para identificar e quantificar anticorpos em amostras de soro, se tratando de uma interação antígeno e anticorpo, ou seja, não depende de aglutinação ou fixação do complemento.

Tratamento e prevenção

O MAPA recomenda a eutanásia dos animais positivos para mormo, pois, por se tratar de uma zoonose, é uma excelente medida de controle da doença, tendo em vista que o tratamento com antibiótico é de longa duração, podendo não haver cura, e requer um cuidado rigoroso com o paciente, onde muitas vezes estas medidas são pouco viáveis no meio rural. Em humanos, o tratamento ainda é longo, entretanto se mostra mais eficaz. A bactéria é sensível a antibióticos como aminoglicosídeos, quinolonas, cloranfenicol, carbapenêmicos, sulfonamidas e cefalosporinas. Contudo, mesmo quando tratada, a mortalidade é de cerca de 50%.

Não existe vacina para o mormo, sendo a profilaxia o sacrifício dos animais confirmados, utilizando a cremação, isolamento da área e dos suspeitos para a investigação epidemiológica e, por fim, o controle de trânsito dos animais.

Considerações Finais

O mormo é uma zoonose que acomete principalmente equinos. É fundamental que a saúde animal e humana, como também os órgãos de fiscalização atuem em conjunto para uma maior conscientização sobre prevenção e controle dessa doença.

 

Referências:

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MATOS, C.C. et al. Pesquisa de mormo em humanos no estado de Alagoas – Brasil. In: Reunião Anual da SBPC, 70°, 2018, Maceió

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