Como um jovem empreendedor fez do Grupo Mantiqueira o maior produtor de ovos da América do Sul

Onze milhões e quinhentas mil poedeiras, plantel que representa cerca de 6% da população total de galinhas do Brasil, e produção média de 6,3 milhões de ovos por dia, distribuídos em quatro unidades de negócios. Esses números colocam o Grupo Mantiqueira como o maior produtor de proteína do ovo da América do Sul.

Quem vê esses números não faz ideia de que o “Império Mantiqueira”, com sede em Itanhandu, MG, teve origem em uma empresa falida, com perspectiva zero e muita desconfiança. Porém, todas essas adversidades não foram suficientes para desencorajar um jovem empresário cheio de sonhos, garra e competência, qualidades que fizeram das dificuldades um trampolim para escrever uma história cheia de boas ideias, empreendedorismo e inovação.

“Sempre gostei mais de trabalhar do que de estudar”. Essa é uma das frases que definem o perfil profissional do CEO do Grupo Mantiqueira, Leandro Pinto, que aos 11 anos de idade já estava na labuta, apesar da resistência dos pais. Bem cedo ele colocou a mão na massa, horas como engraxate, outras como limpador de vidros, vendedor de jornais de jornais e garrafas, entre outras atividades.

Empreendedorismo

Desde o início, ele demonstrava ter tino empreendedor e, após uma passagem por um banco, onde começou como office boy e chegou a ajudante de mesa de captações de clientes e recursos, decidiu que seu negócio era, de fato, empreender.“Eu precisava trabalhar, eu queria produzir. Não achava certo que o meu pai me mandasse dinheiro para eu ser reprovado na escola”, conta.

Autodidata por natureza, após deixar o banco, Leandro deu start à sua vertente empreendedora. Como primeiro negócio, em 1984, escolheu uma fábrica de carroças, na cidade de Itanhandu, no interior mineiro. “Eu as via nas ruas e as achava muito frágeis. Daí veio a ideia de montá-las mais reforçadas, inclusive com chassis. O fato de meu pai ter uma fábrica de máquinas agrícolas, à época, ajudou bastante. Foi um sucesso de vendas no País e meu pai acabou ficando com o negócio, enquanto eu fui para o comércio, comprando e revendendo”, lembra.

As coisas iam de vento em popa, porém, a inclusão do Plano Cruzado fez com que, em 1987, as vendas caíssem vertiginosamente e, a fábrica de carroças, aquilo que até então era a galinha dos ovos de ouro, faliu.“Quebrei; não tinha dinheiro para pagar as contas, mas talvez isso tenha sido a melhor coisa que aconteceu, profissionalmente, em minha carreira, pois foi aí que surgiu a produção de ovos em minha vida”, relata CEO da Mantiqueira.

Sem se dar por vencido, o jovem empreendedor resolveu arrendar uma pequena granja, também na cidade mineira de Itanhandu, com um plantel de 30 mil galinhas. “Eu não entendia nada de criação de galinhas, mas tinha um business plan. Galinha bota ovos todos os dias, então, eu terei receita todos os dias, com isso, conseguirei acalmar os credores até pagar as minhas contas”, conta. “Além disso, sempre acreditei que, se você produzir alguma coisa do setor de alimentação em escala, a chance de dar errado é muito pequena.”

Segundo ele, na época, ainda havia um outro desafio, além da falta de expertise na parte de criação de galinhas em na produção de ovos. Tinha também o fato de o ovo não ser considerado um alimento saudável. Ele costuma dizer, em tom de brincadeira, que o ovo era condenado em todos os tribunais e que vender ovos 30 anos atrás, mesmo sendo uma proteína animal muito barata e de alto valor nutritivo, não era tão fácil como atualmente. “A gente apanhava muito. Mas, hoje, o ovo foi absolvido, por unanimidade, por todos os tribunais que o condenaram no passado”, brinca.

Evolução

O grande salto no setor de ovos em solo brasileiro, de acordo com o empresário, foi quando ele trouxe a inovação já existente nos países da Europa para o Brasil, tornando-se, em 1997, a primeira granja automatizada no País. “Para quem não sabe, uma granja automatizada é aquela em que o consumidor final é a primeira pessoa a tocar no produto”, explica o presidente da Mantiqueira, acrescentando que desde quando o ovo sai da galinha, todo processo, até a embalagem é feito, mecanicamente, por esteiras e máquinas classificadoras que depositam o ovo direto na embalagem.

“Quando visitei o continente europeu, em 1996, vi o quanto nossa avicultura estava ultrapassada, pois o sistema que usávamos aqui estava em desuso há mais de 40 anos na Europa”, diz. “Como sempre fui muito inquieto, e por querer fazer diferente do que todo mundo fazia, percebi que era preciso investir em tecnologia para inovar o sistema de produção do negócio.”

Resolveu procurar o dono de umas fábricas que ele havia visitado, um espanhol, e disse que precisava de dois galpões, mas tinha dinheiro apenas para um. “O convenci a me vender um a crédito e propus que, ao terminar de pagar o segundo, ele me mandaria o terceiro e, assim por diante, até o último galpão”, lembra. “Enfim, foi um cheque especial de galpão”, compara.

 

 

Outro fator que contribuiu para a evolução dos negócios aconteceu nos anos 2000, quando Carlos Cunha, ex-dono de uma rede de supermercados com forte tradição no Rio de Janeiro, tornou-se sócio do Grupo Mantiqueira. “Essa fusão influenciou, e muito, não só no crescimento da empresa, mas também na abertura de novos mercados e de outras frentes de negócios”, comenta.

De acordo com o empresário, outro grande salto para expansão dos seus negócios ocorreu em 2008, quando ele e o seu sócio decidiram construir uma unidade na cidade de Primavera do Leste, no Mato Grosso, que, atualmente, aloja 6 milhões de galinhas e é considerada a maior granja do País. “Somos responsáveis pela maior parte da produção de ovos da América do Sul, com 11,5 milhões de galinhas, divididas quatro unidades: duas em Minas Gerais, uma no Mato Grosso e uma no Rio de Janeiro, onde são produzidos os Happy Eggs®, ovos de galinhas criadas livres de gaiolas”, informa.

O Grupo, que conta, atualmente, com 2.300 colaboradores, atua com tecnologia de ponta para garantir a mais alta qualidade e limpeza dos ovos. Além disso, com o crescimento da produção de ovos, a empresa expandiu suas operações em outros segmentos como a agricultura, pecuária, armazenagem e na produção do condicionador de solos Solobom.

Cenário

Na visão do presidente da empresa, atualmente, o Brasil está em um estágio bem avançado em relação à tecnificação do sistema produtivo, se comparado aos produtores americanos e europeus. “A Mantiqueira foi pioneira no Brasil e, hoje, é uma empresa 100% automatizada”, diz. “Acredito que cerca de 40% da avicultura brasileira também já esteja totalmente automatizada”, estima,

Devido seu plantel avantajado e com um processo produtivo totalmente automatizado, o Grupo Mantiqueira produz, atualmente, cerca de 2 bilhões de ovos por ano, que são distribuídos para o mercado de forma estratégica. “Trabalhamos em todos os segmentos; costumo dizer que temos uma cadeira de quatro pés: exportação, atacado, varejo e indústria”, afirma. “Nossa filosofia é a seguinte:  onde tem ovo, tem que ser Mantiqueira.”

Novidades

Sempre antenado às necessidades e às novas tendências do setor de ovos, o CEO do grupo Mantiqueira percebeu que o mercado tem sido cada vez mais exigente no quesito sustentabilidade, tanto no processo produtivo quanto no valor agregado. Os consumidores aderiram à essa nova tendência do produto do “bem”, em que o bem-estar animal influencia diretamente na decisão de compra. Segundo Leandro, as aves que ficam em confinamento, são tratadas 20 vezes ao dia, em galpões 100% climatizados, sem maus tratos. Além disso, cerca de 500 mil galinhas são criadas no sistema livres de gaiolas e produzem os chamados Happy Eggs. “Mesmo diante desse apelo sustentável, ainda não há demanda para consumo desse produto, pelo fato de o preço não estar adequado à realidade brasileira, pois o custo de produção, por enquanto, ainda é muito alto”, avalia.

Recentemente, a empresa lançou o chamado “ovo não ovo”, ou seja, um “ovo” que não tem pai nem mãe.O N.Ovo, sintetizado em laboratório, é uma versão plant based, cuja essência não tem nada de origem animal. “É uma linha desenvolvida para atender consumidores alérgicos ao ovo de galinha e, em especial, à demanda crescente por produtos veganos”, explica o empresário.

O produto, que vem em pó e tem como ingrediente principal o amido de ervilha, é acondicionado em uma embalagem que imita uma caixa de ovos. “O N.Ovo chegou porque, mesmo onde não se pode ou não se quer ter ovo, como em dietas restritivas ou para atender os consumidores preocupados com o bem estar-animal, também tem que ser Mantiqueira”, enfatiza, acrescentando que o potencial do mercado de alimentos de origem vegetal cresce 40% ao ano, ou seja, já são cerca 7 milhões de veganos no mundo.

Quanto ao sabor do produto, o empresário conta que, ao fazer um teste cego, é quase impossível afirmar qual é o ovo normal e qual é o N. Ovo. Porém, faz uma ressalva. “Não sei se vamos conseguir todos os valores nutritivos existentes no ovo que, como se sabe, perde apenas para o leite materno nesse quesito, porém o leite materno não está disponível nas gôndolas dos supermercados”, brinca empresário. Ele lembra ainda que “o ovo é o alimento mais democrático do mundo, pois alimenta o homem mais rico e o mais pobre com a mesma eficiência”.

 

Futuro

Quanto aos planos de crescimento e investimentos, o empresário afirma que aposta no que percebe no dia a dia. “Viajo muito e a única fila que vejo em qualquer restaurante, principalmente no café da manhã de hotel, é a fila do ovo, ou seja, é uma demanda crescente”, avalia. “Por isso, o plano é produzir 10 milhões de ovos por dia, dentro de 5 anos. É um plano ambicioso, mas, para quem começou com 30 mil galinhas e chegou até aqui, o caminho fica mais fácil.”

Para os jovens empreendedores, Leandro destaca que a persistência ou teimosia são fundamentais para construir uma trajetória segura e consistente. “Quando a vida disser não, é preciso saber que é você quem manda e não desistir no primeiro obstáculo que aparecer no caminho”, recomenda o CEO da Mantiqueira. “É preciso acreditar que um trabalho bem estruturado, com dedicação, empenho e vontade de vencer, tem grande chance de prosperar.”