Por Paula Amorim Schiavo
Resumo:
O médico veterinário é um agente essencial para a saúde pública, contribuindo para a prevenção e controle de zoonoses, segurança alimentar e promoção do bem-estar animal. Com o avanço de tecnologias emergentes, o profissional veterinário amplia seu impacto ao adotar ferramentas atuais como genômica, inteligência artificial e monitoramento remoto. Este artigo destaca as múltiplas funções desempenhadas pelo médico veterinário na integração de tecnologias, com ênfase em sua importância no Brasil, dada a diversidade microbiológica do país e os desafios relacionados às doenças transmitidas por artrópodes.
Introdução
A saúde pública moderna exige uma abordagem multicritérios que considere a interdependência entre saúde humana, animal e ambiental – o conceito de “Saúde Única” (One Health). No Brasil, essa abordagem é especialmente relevante devido à sua rica biodiversidade, que inclui uma vasta gama de patógenos emergentes e reemergentes. O médico veterinário, atuando na interface entre saúde animal e pública, tem papel crucial na sensibilização e monitoramento de doenças transmitidas por artrópodes, como leishmaniose e febre maculosa, além do controle e da segurança alimentar. A integração de tecnologias mais recentes capacita o profissional a otimizar diagnósticos, tratamentos e medidas preventivas em contextos desafiadores no ambiente ótimo para patógenos e seus vetores proporcionado pelos aspectos climáticos e riquezas ambientais do Brasil.
Tecnologias em Saúde e Suas Aplicações
A medicina veterinária de precisão permite abordagens individualizadas e específicas, trazendo avanços significativos na prática clínica e na saúde coletiva. A Genômica e a Biotecnologia Aplicada, como as ferramentas que o médico veterinário usa em reprodução e melhoramento animal, podem ser úteis em saúde única para identificar predisposições genéticas e desenvolver estratégias de controle adaptadas à realidade brasileira. No contexto das doenças transmitidas por artrópodes, sua atuação inclui, por exemplo, a identificação de variantes genéticas de vetores que podem influenciar a transmissão de arbovírus e o desenvolvimento de imunobiológicos – não apenas vacinas, como também anticorpos monoclonais – para zoonoses relevantes no Brasil, como a leishmaniose visceral.
Em Epidemiologia Participativa, o Médico Veterinário pode usar ferramentas de Inteligência Artificial e Gestão de Dados para aplicar modelagens preditivas para surtos de zoonoses em ecossistemas tropicais e subtropicais e integrar dados ambientais, climáticos e epidemiológicos para prever ciclos de doenças transmitidas por vetores.
Neste país de dimensões continentais e ecossistemas variados, poderia aplicar tecnologias de monitoramento remoto, como drones para vigilância de áreas endêmicas e dispersão de biocontroladores, como mosquitos geneticamente modificados. O uso de imunoterapias e vacinas de RNA desenvolveu-se de forma acelerada graças às aplicações veterinárias.
A Atuação do Médico Veterinário na Saúde Pública no Brasil
A diversidade ambiental, a vasta extensão territorial e a complexidade epidemiológica do Brasil demandam do médico veterinário uma atuação amplamente estratégica:
1. Vigilância Epidemiológica e Controle de Vetores
O veterinário é indispensável no monitoramento de doenças transmitidas por vetores, como carrapatos e mosquitos, que afetam tanto animais quanto humanos.
Sua expertise é fundamental para implementar programas de controle integrados, como a redução das infestações de Amblyomma spp. vetores de febre maculosa no Brasil (Ricketsiaricketsii), endêmica em regiões como o Sudeste, especialmente São Paulo e Minas Gerais, onde a presença do carrapato-estrela (Amblyomma sculptum) tem sido associada a casos fatais em humanos. Em Campinas (SP), surtos recorrentes levaram à adoção de medidas integradas de controle, como manejo ambiental e educação comunitária.
Na Leishmaniose Visceral Canina, altamente prevalente no Nordeste e Centro-Oeste, dados do Ministério da Saúde mostram que cerca de 4.500 casos humanos são registrados anualmente, com os cães sendo reservatórios primários. Médicos veterinários têm educado, com pouco sucesso ainda por ter as causas-raiz explicadas, os tutores de cães quanto às estratégias de prevenção do contato com mosquitos e diminuição da exposição dos animais e pessoas.
2. Segurança Alimentar e Saúde Animal
No Brasil, como um dos maiores exportadores de produtos agropecuários, o médico veterinário é responsável por garantir a qualidade sanitária de rebanhos e a segurança alimentar da população.
Estudos no Paraná e em Minas Gerais mostram prevalências regionais de brucelose variando de 1% a 4%, exigindo estratégias de vacinação estritas e controle em rebanhos leiteiros. A tuberculose bovina é um desafio em sistemas intensivos de produção de carne e o médico veterinário tem papel decisivo da mitigação destas zoonoses de máxima importância – e algo negligenciadas – em saúde pública.
De outro lado, o Brasil alcançou o grande feito de tornar-se país livre de febre aftosa sem vacinação, demonstrando a eficácia da vigilância veterinária integrada e da gestão de dados e estudos epidemiológicos.
3. Educação e Capacitação Regional
O veterinário educa comunidades sobre a prevenção de doenças relacionadas ao ambiente, como a leishmaniose e outras zoonoses negligenciadas.
Capacita produtores rurais e gestores públicos em práticas sustentáveis e tecnologias de precisão para maximizar a saúde animal e o controle de doenças.
4. Políticas Públicas em Saúde Única
No contexto brasileiro, o médico veterinário colabora diretamente na formulação de políticas públicas voltadas à saúde única, articulando estratégias que considerem as especificidades regionais e a riqueza microbiológica do país.
Desafios e Perspectivas
A diversidade biológica do Brasil representa um desafio único para o médico veterinário, que deve adaptar tecnologias globais à realidade local. Investimentos em infraestrutura, pesquisa científica e capacitação técnica são essenciais para superar barreiras e promover a atuação plena do profissional.
A conservação e saúde da Fauna Silvestre, surtos esporádicos de raiva dos herbívoros relacionados à interação entre morcegos e rebanhos e os desafios da interação entre aves silvestres e aves domésticas são ainda pontos de atenção.
Conclusão
O médico veterinário desempenha um papel indispensável na saúde pública brasileira, especialmente em um país com alta biodiversidade e complexidade epidemiológica. Sua capacidade de integrar tecnologias de precisão com o conhecimento das peculiaridades locais o posiciona como um agente transformador na prevenção e controle de zoonoses, garantindo não apenas a saúde animal, mas também a segurança da população humana e ambiental. Por meio de uma atuação técnica, científica e educativa, o profissional reafirma sua importância como líder estratégico no enfrentamento de desafios globais e regionais no contexto da Saúde Única.