Como já dizia Francisco Bezerra Siqueira, em seu livro “Rumo Reverso”: “As histórias, para serem verdadeiras, não precisam, necessariamente, ter acontecido!”

Esta é uma delas!

Era um daqueles cavalos duros e feios, raça incerta, dita como mistura de Piquira com Crioulo do Sul. Tinha pelagem “Gateado-Pangaré”! Entretanto, reunia virtudes que devem ser lembradas: temperamento manso, musculatura troncuda, corajoso no salto aos obstáculos, especialmente muros, além de rápido no galope. Nome engraçado: Bigorrilho!

No início da vida, o pobrezinho, deu azar! Pegou como montador um sujeito alto e gordão. A dupla não formava bom par, mesmo assim desejava pular obstáculos, ainda que o feito custasse bons trambolhões…, aos dois!

Uma hípica, como se sabe, é uma espécie de clube grã-fino, para endinheirados montarem cavalos caríssimos, cheios de pedigrees; bem tratados, de sangue “nobre”, fazem boa figura nas competições e fotografias. Era por lá que Bigorrilho andava!

Considerado velho para o esporte

Com 20 anos, considerado velho para o esporte, foi descartado pelo dono. Não abandonado! Acabou entregue à escolinha de equitação. Lá poderia servir ao aprendizado de ginetes “futuros” campeões! Naquela época, a garotada ouvia falar do Nélson Pessoa Filho, o Néco, e o filho Rodrigo Pessoa, como os melhores “cavaleiros” brasileiros, fama internacional nas pistas, destaques nas olimpíadas.

Dentre aquelas crianças, destacava-se uma pequena aluna. Melhor dizendo, era quase uma amazona! Aos seis aninhos de idade, não passava de uma bobinha, completamente apaixonada por cavalos.

A boa sorte permitiu à menina encontrar, logo no primeiro dia, aquele com quem formaria dupla quase perfeita. Logo ela ficou moça. Alguns problemas surgiram. Naquela altura dos acontecimentos, Bigorrilho, aos 26 anos, pedia merecida aposentadoria das pistas.

A dupla se desfez!

O tempo passou!

Incentivada pelos pais, ainda menina-moça, decidiu que iria cursar a faculdade de artes plásticas, sua alternativa de profissionalização. A paixão pelos equinos levou-a a pintar centenas de telas. Aos 16 anos, ela foi aprovada no vestibular.

Durante o curso, a saudade bateu forte. Lembrando do companheiro dos tempos de escolinha de equitação, ela procurou fotografias daquele cavalinho sem graça. Nada encontrou nas antigas imagens.

Decidida a pintar um quadro épico

Ela estava decidida a pintar um quadro épico, como homenagem ao velho companheiro de infância. Resolveu visitar a hípica, mas não mais encontrou Bigorrilho!

Apelou à memória dos cavalariços. Pediu-lhes ajuda! Na estrebaria, comentaram, “…foi para uma fazenda, faz um tempão!”. E completaram: “Certamente, pela idade, já morreu!”. As descrições não eram elogiosas; davam mais espaço às satíricas versões de um pangaré crioulo, barrigudo, ancas grandes, dorso selado! Alguns o descreviam como um cavalinho estropiado, ideal para tomar tombos. E todos davam gargalhadas! Ao final, o perfil apontava para um típico cavalo de pracinha! Sim! Daqueles que ficam parados, cheios de moscas, esperando as crianças montarem pela primeira vez.

Ela não podia aceitar aquela imagem! Como? Jamais comporia o heroico quadro, com aquela figura reles de quadrúpede esfolado! Passados algum tempo, no ateliê, terminou a elaboração da pintura. Finalmente! Ali estava, o retrato idealizado do nobre e formoso Bigorrilho, agora imortalizado no quadro “Cavalo Árabe”, ano de 2012, óleo sobre tela, medindo 180cm x 120cm.