A Encefalitozoonose é uma doença ocasionada pelo Encephalitozoon cuniculi, um fungo intracelular obrigatório, pertencente ao Filo Microsporidia, que tem como característica principal a penetração na membrana plasmática celular do seu hospedeiro.
O principal hospedeiro do E. cuniculi é o coelho, contudo, pode infectar outras espécies, como roedores, cães, peixes, répteis, aves, incluindo o homem. Ocorre, raramente, a infecção oportunista em humanos, possuindo manifestações clínicas leves, principalmente por quadros de diarreia, febre e perda de peso. Entretanto, a infecção pode ser perigosa para pessoas imunossuprimidas, isto é, quando o sistema imunológico não é capaz de combater infecções de forma adequada. Um estudo recente demonstrou uma prevalência de 52% da doença na população de coelhos domésticos no Reino Unido, comprovando que se trata de uma condição frequente, no entanto, apenas 6% dos animais manifestam sinais clínicos.
Foram identificadas três cepas diferentes de E. cuniculi, que apresentam hospedeiros preferenciais e possuem diversas distribuições geográficas, sendo a cepa I documentada em coelhos, ratos e humanos, identificada na América, Austrália e Europa, a cepa II em raposas, ratos e gatos, identificada apenas na Europa e a cepa III em cães e humanos, considerada potencialmente zoonótica, identificada na América e África do Sul.

Coelho com infecção ocular causada por Encephalitozoon cuniculi. Fonte: Wikimedia Commons
A transmissão de E. cuniculi pode ocorrer tanto de forma horizontal, através da ingestão ou inalação de esporos excretados por hospedeiros infectados, em até 2 meses e meio do primeiro contato, que podem viver no ambiente por até 6 semanas, como de forma vertical, por meio de transmissão transplacentária, isto é, em casos de prenhez.
Os sinais clínicos variam de caso para caso, a depender do quadro imunológico do paciente. Apesar da forma crônica subclínica, isto é, sem manifestação de sintomas, ser a mais prevalente, também é possível a ocorrência de doença grave, podendo evoluir para a morte súbita. Quando imunossuprimido, o animal pode expressar algumas alterações, principalmente de caráter neurológico, renal e ocular, sendo a apresentação do quadro neurológico o mais frequente. Os quadros clínicos tendem a aparecer isoladamente, embora seja possível ocorrerem em conjunto, com a presença de “head tilt” (cabeça inclinada), dificuldade de coordenar os movimentos, “circling” (deslocação em círculos), movimento involuntário e incontrolável dos olhos, convulsões, insuficiência renal crônica, ausência de apetite, perda de peso, incontinência urinária, poliúria (produção excessiva de urina), polidipsia (ingestão abundante de água), desidratação, uveíte facoclástica (inflamação nos olhos que pode provocar a ruptura da cápsula da lente), catarata, e, alterações comportamentais, como a agressividade. A gravidade e evolução dos sinais clínicos expressos pelo animal determinarão o prognóstico da infecção.
O diagnóstico ante mortem de E. cuniculi é difícil e, para isso, pode ser atrelado a mais de um teste para plena investigação. Como teste de triagem, o teste de ELISA é priorizado. Em seguida, faz-se a PCR como teste confirmatório para detecção do agente em si. É possível também realizar exames utilizando a urina ou as fezes para detecção direta e, para isso, é recomendado utilizar amostras de diferentes dias. (COX et al., 1980).
Atualmente não existe um protocolo terapêutico específico para o tratamento da infecção por E. cuniculi. Contudo, para controle da doença, preconiza-se um tratamento parasitológico e sintomático, a depender das manifestações clínicas do animal (antinflamatórios, benzodiazepínicos, fluidoterapia, colírios). O Fembendazol vem sendo, atualmente, o fármaco antiparasitário de eleição em coelhos e Albendazol em humanos. É preciso avaliar o sucesso do tratamento baseado na reversão dos sinais clínicos, visto que o tratamento não mata diretamente o parasita, apenas evita sua duplicação nas células e retarda seu crescimento, fazendo com que o fungo permaneça em um estado latente.
Como prevenção tem-se, principalmente, que evitar contato de animais sadios com animais doentes, evitar o contato direto com fezes e urina, realizar a desinfecção com álcool 70% e manutenção sanitária dos estabelecimentos, principalmente bebedouros e comedouros, além de evitar o estresse do animal, mantendo-o em um ambiente calmo.
REFERÊNCIAS:
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