O consumo de carne de cavalo é pouco conhecido no Brasil, apesar deste já ter desempenhado importante papel no comércio internacional durante muitos anos. O desconhecimento do mercado ocorre em quase todo o mundo e a longa data. Em 1983 o International Trade Centre UNCTAD/GATT, sediado em Genebra, lançou uma publicação sobre o tema com o argumento que havia pouca publicação e estatística sobre carne de cavalo, mas, desde então, pouco se alterou esse cenário de informações escassas. Este artigo apresenta um panorama desse mercado.

Histórico

A carne de cavalo já era consumida em período anterior à domesticação dos equídeos, sendo que os mais antigos registros arqueológicos datam de 9 mil anos (ALSHARIF, 2011; GILL, 2005). Acredita-se que no período paleolítico o homem já consumia carne de cavalo (STANCIU, 2015). Em momentos de escassez de proteína, como durante os períodos de guerras, a carne de cavalo apresentava-se como importante alternativa alimentar (LIMA & VETTORAZZI, 2016). O primeiro açougue especializado em carne de cavalo data de 1866, em Paris, logo após a legislação francesa regulamentar o consumo de carne equina (STANCIU, 2015). O consumo mundial declinou substancialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a substituição de animais por máquinas e motores na agricultura, transporte e nas forças armadas (ITC, 1983). A recomendação do uso de equídeos como fonte para industrialização de carne ganhou apoio após os casos de doença da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina) ocorridos na Europa no século passado(STANCIU, 2015).

É importante destacar que no caso dos cavalos, o “paradoxo da carne” está mais evidente. O conceito de “paradoxo da carne” está associado à dificuldade do ser humano lidar com o fato de ser averso a matar animais (por os amarem) mas gostar de consumir carne. O paradoxo, explica muitos hábitos de consumo, como o fato de normalmente partes dos animais que remetem mais diretamente à imagem do animal vivo (como cabeças, pernas e rabos, não serem a mais expostas aos consumidores). Quanto mais perto do convívio com humanos (animais de companhia), mais difícil é a aceitação para consumo da carne do animal (JASKARI et al. 2015).

Características da carne

A carne de cavalo é mais nutritiva que as demais carnes vermelhas, com aparência muito semelhante à carne bovina: embora pouco mais avermelhada e mais adocicada, pode confundir o consumidor desatento. Os cortes são parecidos com os da carne bovina , conforme lustrado na Figura 1.

Figura 1: Cortes selecionados de carne equina

A carne de cavalo, comparada à carne bovina, apresenta maior percentual de vitaminas, nível moderado de colesterol (52 mg/100 g) e maior quantidade de ômega-3 (360 mg/100 g). As qualidades nutricionais da carne de cavalo (Tabela 1) recomendam seu uso para pessoas com anemia (STANCIU, 2015). O trabalho de LORENZO et al. (2014) apresenta uma relação mais completa da composição nutricional da carne equina. Nesse trabalho, os autores verificaram que a carne equina é uma alternativa como substituto de carnes vermelhas tradicionais, com elevado valor nutricional.

Tabela 1: Principais componentes e valor energético de diferentes tipos de carnes vermelhas
Fonte: Stanciu (2015)

O rendimento de carcaça, em equídeos, é de aproximadamente 50%, dividindo-se 55% em dianteiro e 45% em traseiro, sendo que animais machos, jovens e mais pesados são os que apresentam, maior rendimento (GASPARINO & NANNI, 2010). Em média os equinos possuem 70% de músculo  e 17% de ossos na composição de suas carcaças, o que resulta na relação músculo: osso de aproximadamente 4 (LORENZO et al., 2014).

O mercado mundial

Durante as décadas de 1960 e 1970, as exportações de carne de cavalo experimentaram um crescimento, mas em seguida se estabilizaram (LIMA & VETTORAZZI, 2015). Entretanto, neste século XXI voltaram a crescer, superando a marca de US$ 500 milhões anuais (Figura 2)

Figura 2: Exportações mundiais de carne de cavalo, em milhões de dólares, no período de 1961 a 2013.
Fonte: FAO (2018)

Os maiores exportadores de carne de cavalo são a Bélgica, Canadá, Argentina e México, respondendo, juntos, por 58,5% das exportações mundiais (Figura 3). As exportações brasileiras representam apenas 1,1%, ocupando a modesta 14ª colocação. No passado, o Brasil chegou a ser o maior exportador mundial e por muitos anos figurou entre os três maiores.

Figura 3: Principais países exportadores de carne de cavalo em 2013.
Fonte: FAO (2018)

Importantes exportadores também figuram como principais importadores. Itália, Bélgica e França respondem por 58% das importações (Figura 4)

Figura 4: Principais países importadores de carne de cavalo em 2013.
Fonte: FAO (2018)

As exportações brasileiras

O Brasil já foi um dos principais exportadores mundiais da carne de cavalo, tendo ocupado as primeiras colocações entre os maiores exportadores até o início dos anos 1980 (Figura 5).

Figura 5. Brasil: evolução do ranking do Brasil nas exportações de carne de cavalo, de 1961 a 2013.

O maior controle referente á rastreabilidade, aliado a problemas ocorridos no Estado de Minas Gerais, fizeram com que a exportações brasileiras declinassem para valores inferiores a US$ 10 milhões nos últimos anos (Figura 6).

Figura 6: Volume, em milhões de dólares, das exportações brasileiras de carne de cavalo, período de 1989 a 2017.
Fonte: MDIC (2018)

O Principal destino das exportações brasileiras tem sido a Bélgica, respondendo por mais da metade das compras de carne de cavalo produzida no Brasil (Figura 7).

Figura 7: Volume das exportações brasileiras de carne de cavalo, por destino, no período de 2013 a 2017.
Fonte: MDIC (2018)

Considerações finais

Apesar do “paradoxo da carne”, o mercado mundial de carne de cavalo tem se mostrado favorável neste século, com oportunidades para o Brasil recuperar posições perdidas nos últimos anos, com potencial a voltar ser protagonista nesse mercado. Para tanto, é necessário buscar soluções para o problema da rastreabilidade, principal entrave para o crescimento da produção nacional.

Referências

ALSHARIF, A. (2011) Saudi Arabia discovers 9,000 year-old civilization. Disponível em: http://www.reuters.com/article/2011/08/24/us-saudi-archaeology-idUSTRE77N5TL20110824 (acesso em 24 jun 2013)

FAO.Food and Agriculture Organization of the United Nations.Dados do site http://faostat.fao.org (acesso em 20Fev. 2018)

GASPARINO, E.; NANNI, M.R. (2010) Influence of body whwight, age and sex on characteristics of carcasses of equines. Revista Brasileira de Zootecnia, 39, 12, 2683-2686

GILL, C.O. (2005) Safety and storage stability of horse meat for human consumption. Meat Science 71, 506–513

ITC – INTERNATIONAL TRADE CENTRE UNCTAD/GATT (1983) The world market for horsemeat. Genebra: International trade Centre, 120p.

JASKARI, M.M.; LEIPÄMAA-LESKINEN.H.; SYRJÄLÄ, H.(2015) Revealing the aradoxes of horsemeat: the challenges of marketing horsemeat in Finland. Nordic Journal of Business, 64,2, 86-102

LIMA, R.A.S.; VETTORAZZI, A.C. (2015) Mercado de carne equina. Revista Brasileira de Medicina Equina, 11, 32-33.

LORENZO, J.M; SARRIÉS, M.V.; TATEO, A.; POLIDORI, P.; FRNCO, D.; LANZA, M.(2014) Carcass characteistics, meat quality and nutritional value of horsemeat: a review. Meat Science, 96, 1478-1488

MDIC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Dados do site: http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br (acesso em 20Fev. 2018)

STANCIOU, S. (2015) Horse Meat Consumption – Between scandal and reality. Procedia Economics and Finance, 23, 697-703