Pesquisadora realizou levantamento da produção agroindustrial da ovinocultura leiteira, destacando os derivados lácteos

A produção de derivados de leite de ovelha no Brasil ainda é muito pequena se comparada com a pecuária leiteira nacional ou mesmo com países europeus. Mas trata-se de um mercado em expansão e que já possui muitos consumidores no país. Entretanto, ainda há poucos estudos científicos que forneçam um mapeamento completo do setor.

Para suprir a lacuna, a médica veterinária Fernanda Ferreira Santos defendeu tese de mestrado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), no campus de Pirassununga. O objetivo foi caracterizar o sistema agroindustrial da ovinocultura, mostrar quem são e onde estão os produtores e levantar as principais características da produção de derivados lácteos de ovelha.

A pesquisadora fez um levantamento com todos os produtores brasileiros de leite de ovelha a partir de dados da Associação Brasileira de Ovinocultura Leiteira e da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos. Fernanda encontrou 18 produtores, sendo seis no Sudeste (três em Minas Gerais, dois no Rio de Janeiro e um em São Paulo); um no Centro-Oeste (Brasília, no Distrito Federal); e 11 no Sul (sete no Rio Grande do Sul, três em Santa Catarina e um no Paraná). A principal raça utilizada é a Lacaune, originária da região homônima na França e ideal para produção leiteira, mas também há criação de ovelhas East Friesian.

“Percebemos que se trata de uma cadeia curta, ou seja, produtor e consumidor estão muito próximos”, explica Fernanda. Segundo ela, o leite de ovelha não é consumido in natura pois é bem mais gorduroso que o de vaca. O foco é a produção de derivados lácteos, como iogurtes e queijos variados, sendo que os produtores analisados têm marcas próprias. “Já os sete produtores do Rio Grande do Sul vendem para uma cooperativa com marca própria”, esclarece.

Concorrência

Fernanda entrou em contato com os 18 produtores e aplicou um questionário buscando compreender como era o funcionamento da produção, chegando a visitar alguns dos produtores.

Os dados obtidos foram analisados a partir das chamadas “Cinco Forças de Porter”, um modelo utilizado na área de administração e economia desenvolvido pelo professor Michael Porter, da Harvard Business School, que leva em conta: a rivalidade entre concorrentes; o poder de barganha dos fornecedores; o poder de barganha dos clientes; a ameaça de produtos substitutos e a ameaça de novos entrantes no mercado. “O quão forte ou a quão fraca é cada uma dessas forças vai indicar se um mercado é forte ou não, e se está apto ou não a receber investimentos”, explica.

A partir da análise dos dados, a pesquisadora constatou que, sobre a rivalidade entre os concorrentes, há poucos produtores e cada um tem sua própria marca. Eles não concorrem entre eles. “Por este motivo, consideramos esta força fraca.”

Principal desafio dos produtores é a concorrência com substitutos,  como os queijos de cabra. Foto: Seb Schäfer, Wikimedia Commons

Sobre o poder de barganha dos fornecedores, ela lembra que são os próprios produtores de leite que fabricam os derivados lácteos. “Então para analisar essa força de Porter, preferimos estudar especificamente os sete produtores que fornecem para a cooperativa. Neste caso, se eles quiserem, podem parar de fornecer leite para a cooperativa. Por isso, consideramos essa força forte”, explica.

Quanto ao poder de barganha dos clientes, Fernanda considerou esta força como fraca. “O consumidor compra o que tem para vender e não tem muito poder para influenciar nos produtos oferecidos”, diz a veterinária.

Quanto a novos entrantes no mercado, ou seja, novos produtores que possam querer entrar nesse ramo, a pesquisadora explica que não considerou esta força nem forte nem fraca, e sim neutra. Isso porque seria necessário investir um alto valor tanto na produção do leite como na de derivados.

A respeito da ameaça dos produtos substitutos, Fernanda cita os derivados de leite de cabra como um fator preocupante. “São produtos com alto valor agregado. O queijo de cabra está mais estabilizado no mercado e o consumidor está mais familiarizado. E a relação custo-benefício para o consumidor é mais vantajosa, além de os canais de distribuição serem melhores. Essa força, portanto, é bastante forte”, explica.

“Diante de um quadro com duas forças fortes, duas fracas e uma neutra, consideramos que o setor está em equilíbrio, é sustentável e estável”, esclarece a veterinária. O principal desafio é quanto aos produtos substitutos, neste caso, os queijos de cabra. “Eles estão mais consolidados no mercado e o consumidor, além de estar mais familiarizado, tem uma melhor relação custo-benefício”, diz. Outro aspecto que precisa ser levado em conta é quanto à distribuição dos produtos lácteos de ovelha: se for melhorada, pode haver uma desestabilização no sistema, devido ao aumento da demanda. 

Vacas, cabras e ovelhas

Para Fernanda, é essencial desvincular a produção de derivados lácteos de cabra da produção vinda de ovelhas. “Os produtos de leite de cabra costumam ter um gosto e um aroma muito fortes. Mas, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, isso não ocorre com os lácteos de ovelha. Eles são bastante agradáveis ao paladar”, diz. Quanto ao público-alvo, o consumidor principal é de alta renda e busca este tipo de produto diretamente em lojas especializadas.

Apesar de o mercado da pecuária leiteira estar totalmente consolidado, Fernanda aponta as inúmeras vantagens da ovinocultura. Em termos comparativos, a produção desta última é muito mais lucrativa que a da primeira, visto que o lucro final dos laticínios de ovelha é bem superior aos de vaca (ver infográfico).

Arte: Moisés Dorado, Jornal da USP

O Sul do Brasil é o principal produtor e consumidor, mas há demanda em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os 18 produtores que participaram do estudo também obtêm lucro com a venda dos cordeiros machos, que são abatidos e abastecem o mercado de carne de ovinos. A produção dos queijos é semelhante à da pecuária: desde muçarela, ricota, queijos frescos, gouda,  até os mais maturados, como o pecorino de 30 e 60 dias de maturação, entre outros.

Na Europa, os queijos de ovelha são muito mais consumidos do que no Brasil e a ovinocultura é basicamente para produção leiteira. A região do mar Mediterrâneo é uma das principais regiões produtoras. “Entretanto, durante a realização da pesquisa, descobri que a China ocupa, atualmente, o primeiro lugar na produção de derivados lácteos de ovelha”, finaliza a pesquisadora.

A dissertação de mestrado Sistema Agroindustrial do leite de ovelha no Brasil: proposta metodológica para estudo de cadeias curtas foi apresentada em junho de 2016, sob a orientação do professor Augusto Hauber Gameiro, do Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal (LAE) da FMVZ.

Mais informações: email fernanda3.santos@usp.br, com Fernanda Santos.

Fonte: Jornal da USP, Valéria Dias.
Imagem de abertura: Myrabella, Wikimedia Commons.