Luiz Octavio Pires Leal – Editor
Entrevista a virologista Leda Kimura

Nossa entrevistada é a Médica Veterinária, Leda Maria Silva Kimura, pesquisadora cientifica e Atual Chefe do Centro Estadual de Pesquisa em Sanidade Animal Geraldo Manhães Carneiro (CEPGM ) da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro ( PESAGRO-RIO ). O CEPGM localiza-se na Alameda São Boaventura 770, Niterói, Rio de Janeiro e foi fundada em 1976 com a missão de viabilizar soluções tecnológicas e subsidiar políticas públicas para o desenvolvimento rural do Estado do Rio de Janeiro, em benefício da sociedade.

Mas a Raiva – que é uma doença fatal-não é exclusiva dos cães , mas também ocorre com gatos e outros animais, como bovinos e equinos, não é ? E- pior- também na espécie humana.

Leda: Sim, a Raiva é uma zoonose (doença dos animais transmitida para o Homem). É uma doença transmitida pela inoculação do vírus da Raiva (contido na saliva de animais infectados), principalmente por meio de mordeduras em mamíferos. Sendo assim, o Homem também esta incluído. A Raiva é considerada uma das mais importantes zoonoses entre as numerosas conhecidas devido ao seu desenlace geralmente fatal.O diagnóstico laboratorial da Raiva é essencial para a definição do foco e consequente tomada de medidas de profilaxia e controle, tanto em humanos , como em animais. A PESAGRO RIO, através de seu Centro estadual de Pesquisa em Sanidade Animal Geraldo Manhães Carneiro (CEPGM ) conta com o único laboratório do estado do Rio de Janeiro credenciado atualmente para realização dos exames de Raiva dos herbívoros.

Quais são as medidas mais importantes para evitar a ocorrência da Raiva? As vacinas são de uso exclusivo dos animais ou a nossa espécie também pode ser vacinada E se pode, quando se justifica?

Leda: Em animais, a vacina contra Raiva é realizada preventivamente , anualmente, constando no calendário de rotina. Em humanos, ela é recomendada para Médicos Veterinários e outros profissionais da área de saúde, e encontra-se disponível em alguns postos de saúde do governo, onde é prescrito o tratamento pré- exposição e/ ou o tratamento pós-exposição, dependendo do caso. Para o público em geral ela somente é aplicada no caso de pós exposição (mordeduras e arranhões e outros contactos diretos). É importante ressaltar que em casos de agressões próximo à cabeça, principalmente em primo vacinados e em agressões por morcegos , faz-se necessário a aplicação do soro antirrabico , uma vez que a produção de anticorpos pode ser tardia, podendo o vírus atingir o Sistema Nervoso Central (SNC), causando ao óbito. Nestes casos, o soro, que já contem anticorpos vai neutralizar a ação do vírus. A maior ou menor duração do período de incubação pode depender da dose de vírus injetada pela mordedura, do lugar desta e da gravidade da lesão, sendo mais longo o período quanto mais distante do SNC localizar-se a lesão. Assim, mordidas na cabeça representam 40 a 80% dos óbitos, no membro superior, 15 a 40 % e nos membros inferiores, 10 %.

Lâmina com impressão de córtex de bovino infectado naturalmente pelo vírus da Raiva, corado com conjugado antirrábico fluorescente.

Lâmina com impressão de córtex de bovino infectado naturalmente pelo vírus da Raiva, corado com conjugado antirrábico fluorescente.

E o soro?

Leda: O soro é utilizado principalmente, em primo-vacinados que sofreram agressão por animais com Raiva ou com suspeita da doença ou em indivíduos agredidos por morcegos. Quanto mais próximo à cabeça for o ferimento, maior a necessidade da prescrição do soro. Após a instalação da doença, o soro não mais terá ação. Relatos de humanos que sobreviveram à doença são poucos no mundo. A Raiva geralmente é fatal.

Como é a manifestação clínica da Raiva nos diversos animais, e no homem?

Leda: Os sinais em cães e gatos são bastante semelhantes. Vamos ter a fase prodrômica, onde podemos observar excitabilidade reflexa exaltada, anorexia, irritação no local da mordedura e estimulação das vias genito-urinárias. Pode o animal, então, apresentar a Raiva do tipo furiosa ou a Raiva do tipo muda. A Raiva furiosa caracteriza-se pela presença da agressividade, com apresentação de sialorréia, paralisia parcial das cordas vocais, convulsões generalizadas, incoordenação motora, paralisia dos músculos do tronco e das extremidades. Já na Raiva muda, a fase de excitação pode ser curta ou ausente e vamos observar paralisia dos músculos da cabeça e pescoço, dificuldade de deglutição ( podendo o proprietário suspeitar de engasgo e ao tentar ajudar o animal, expor-se à infecção ), paralisia das extremidades, paralisia geral e morte . Em gatos, a Raiva geralmente apresenta-se clinicamente na forma furiosa.

Em bovinos e eqüinos, a forma clinica mais freqüente é a forma paralitica. Observa-se ranger dos dentes, sialorreia, apetite e deglutição ausentes ou diminuídos, retenção de fezes e urina , diminuição dos reflexos centrais e periféricos, diminuição da sensibilidade cutânea, andar cambaleante, evoluindo para decúbito e morte de 6 a 8 dias após o inicio do quadro.

Em humanos, na fase prodrômica vamos observar sensação de angustia, cefaléia, febre, mal – estar, anorexia , náuseas . A fase neurológica vem acompanhada de irritabilidade, alterações sensoriais imprecisas, hiperestesia e parestesia no local da mordida, extrema sensibilidade à luz, ao som e ao vento, midríase, sialorréia, espasmos dos músculos da deglutição e dos músculos respiratórios. Observa-se, ainda, ansiedade, delírios e convulsões generalizadas. Os sintomas de hiperatividade podem ser predominantes até a morte ou podem ser substituídos por uma fase de paralisia generalizada. A enfermidade dura de 2 a 6 dias e de modo invariável termina com a morte.

E a ocorrência de casos de Raiva , nos animais e na espécie humana , como está , atualmente no estado do Rio de Janeiro e no Brasil?

Leda: Cães e gatos representavam os principais transmissores da Raiva para o Homem devido ao estreito contato desses animais no convívio humano. Em virtude da implantação, em 1973, do Programa Nacional de Profilaxia da Raiva ( Ministério da Saúde ), baseado principalmente na vacinação antirrábica, nestas espécies, pode-se verificar que a Raiva, como zoonose, no Brasil, tem declinado em incidência no que refere-se ao seu ciclo urbano/canino.Como reflexo destas campanhas de vacinação, com cobertura vacinal de quase 100%, há mais de duas décadas não são detectados, no estado do Rio de Janeiro, casos de Raiva em caninos e felinos, pela variante 2, podendo caracterizar controle desta variante (variante do cão). No entanto exames realizados em herbívoros, confirmam a circulação da variante 3 no Estado do Rio de Janeiro (variante do morcego hematófago ). No Laboratório de Virologia do Centro Estadual de Pesquisa em Sanidade Animal Geraldo Manhães Carneiro (CEPGM) da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (PESAGRO-RIO), aproximadamente 40% das amostras enviadas anualmente com suspeita de síndrome neurológica apresentam resultado positivo para essa zoonose, caracterizando a presença de variante 3.

Importante frisar que essa variante além de infectar herbívoros também infecta outros animais domésticos (incluindo cães e gatos) e o Homem. Na área rural é constante a presença de morcegos hematófagos devido a presença de grande fonte de alimentação para essa espécie, representada principalmente pelos bovinos. A presença de morcegos em áreas urbanas deve-se principalmente às macromodificações ambientais, como desmatamentos e construções que alteram os ecossistemas ocasionando procura de novas fontes de alimentos. Importante ressaltar que morcegos insetívoros, frugivoros e outros, também podem ser transmissores da doença em questão, desde que contaminados.

No estado do Rio de Janeiro, desde 1985, não havia registro de casos de Raiva humana. Em 2006, houve óbito de um humano por Raiva, morador de São Jose do Vale do Rio Preto, que apresentou evidência de sinais neurológicos, (hemiplegia em membro superior direito), sialorréia e insuficiência respiratória, 20 dias após ter espantado um morcego com as mãos e consequentemente sido agredido pelo animal . Em janeiro de 2020, um adolescente, no meio rural de Angra dos Reis, chutou um morcego sendo mordido também. O rapaz recebeu soro antirrábico e a prescrição de vacinação , a qual não realizou, vindo a óbito.

Esse óbitos nos alertam para o papel cada vez mais relevante dos quirópteros na cadeia de transmissão da Raiva, representando um perigo que pode e deve ser controlado. No Brasil, nos últimos 5 anos foram reportados 22 casos de Raiva humana, sendo 10 no Pará , 4 em Minas Gerais, 1 no Paraná, e um no Rio de Janeiro. Em todos esses óbitos tivemos o morcego com animal agressor.

O felino doméstico foi o agressor nos casos de Santa Catarina e Brasília. A raposa foi responsável pelos casos no Maranhão e na Paraiba, enquanto o mico foi o agressor no Ceará e o bovino contaminou um humano em Minas Gerais. O esforço conjunto de médicos veterinários, médicos humanos, órgãos oficiais de pesquisa, secretarias de agricultura, saúde e meio ambiente, certamente são essenciais para a execução imediata de medidas de controle e profilaxia, impedindo que óbitos como esses continuem a acontecer.

A detecção da circulação da variante 3 (variante do morcego) em áreas urbanas, apresenta o risco e a possibilidade de que cães e gatos sejam infectados por esta variante através de morcegos, exigindo a continuidade da vacinação contra a Raiva, em cães e gatos, e demais espécies. Ressalta-se que em 2021,foi diagnosticado um cão com Raiva em Belford Roxo , RJ pela variante 3.

Existem paises onde não existe a ocorrência da Raiva em humanos e nos animais?

Leda: Atualmente, esta zoonose encontra-se erradicada em algumas ilhas tais como Japão, Reino Unido, Havaí e algumas ilhas do Pacífico.

OBSERVAÇÃO:
Amostras de morcego ou de qualquer outra espécie animal podem ser encaminhadas para o CEPGM – Alameda São Boaventura 770 , Fonseca – Niterói e poderão ser enviados através dos Órgãos de Defesa Agropecuária da Secretaria de Agricultura, da Secretaria de Saúde ou particularmente.