Resíduos do equipamento encontrados no oceano podem levar ao emalhe dessas aves, causando infecções, doenças e até mesmo a morte
Suspensas por meio de balões inflados com gás hélio ou hidrogênio capazes de atingir até 35 km de altura, as radiossondas meteorológicas são um conjunto de equipamentos e sensores projetados para medir temperatura, umidade, pressão, velocidade e direção do vento na atmosfera, que possibilitam a coleta de dados sobre condições meteorológicas em um determinado local.
Elas, geralmente, são recuperadas por empresas de meteorologia ou órgãos públicos. Apesar de úteis para prever condições climáticas, sua interação com aves oceânicas, como os albatrozes, por exemplo, pode ser fatal. É o que mostra um estudo recente publicado por pesquisadores do Projeto Albatroz, patrocinado pela Petrobras, e instituições parceiras que atuam no Projeto de Monitoramento de Praias (PMP), no Marine Pollution Bulletin.
O estudo, que teve como foco as regiões Sul e Sudeste do país, região com maior abundância e diversidade de albatrozes no Brasil, avaliou os efeitos adversos de balões meteorológicos nessas aves analisando sete casos de emaranhamento de equipamentos de radiossonda, levando a ferimentos graves e até mesmo à morte.
Motivação do estudo
O pontapé inicial para a pesquisa foi a notícia de que um albatroz-de-nariz-amarelo (Thalassarche chlororhynchos) ainda jovem tinha sido encontrado por monitores do Projeto de Monitoramento de Praias das Bacias de Campos e Espírito Santo (PMP-BC/ES) na Praia Grande, em Arraial do Cabo (RJ), Região dos Lagos.
Fraco, cansado e sofrendo de hipotermia, foi levado até o Centro de Reabilitação de Despetrolização de Animais Marinhos (CRDA) de Araruama, onde a primeira autora do estudo e médica veterinária do Projeto Albatroz, Daphne Wrobel Goldberg, fez o atendimento da ave e constatou que ela havia ficado presa em um balão meteorológico.
A corda do balão, que ainda estava presa à radiossonda, se encontrava enrolada nas patas do albatroz, impedindo a circulação sanguínea. Preso demais para conseguir espalhar o óleo de sua glândula uropigial (localizada na cauda) para a impermeabilizar as penas, ficou encharcado, dificultando sua movimentação e o levando à exaustão.
Embora passem a maior parte do tempo sobrevoando o oceano, os albatrozes precisam das patas para estabilizar o voo e remar quando pousados na água. “Infelizmente, tivemos que realizar a eutanásia desse albatroz. Ele não sobreviveria no oceano com múltiplas fraturas e perda das membranas interdigitais”, explica Daphne.
Outros casos
Esse, porém, não foi um caso isolado. O estudo lista outros seis casos de albatrozes encontrados mortos emaranhados em fragmentos de balões meteorológicos encontrados no estado de Santa Catarina. Em Laguna, entre janeiro de 2022 e dezembro de 2023, três albatrozes-de-sobrancelha-negra (Thalassarche melanophris) e um albatroz-de-nariz-amarelo (T. chlororhynchos) foram encontrados mortos, em avançado estado de decomposição, com radiossondas meteorológicas idênticas, presas em um ou ambos os pés e restos de um balão meteorológico preso à asa esquerda.
“Outros dois casos foram documentados nas praias de São Francisco do Sul (SC). Um albatroz-de-nariz-amarelo e um albatroz-de-sobrancelha-negra foram encontrados em datas distintas, nos anos de 2021 e 2023, já mortos e em estado avançado de decomposição, com dispositivos de radiossonda presos à região pélvica” comenta a especialista.
Perigo invisível
Globalmente, centenas de milhares de balões meteorológicos são lançados ao céu todos os anos, e grande parte não é recuperada. Segundo dados obtidos pelos pesquisadores, a atual rede global de radiossondas consiste em aproximadamente 1.300 estações aéreas superiores, distribuídas em todo o mundo, que utilizam milhares de balões de monitoramento todos os dias. Deste total, entre 65% e 70% dos balões pousam no oceano, onde correntes e ventos podem levá-los ao mar aberto ou às praias, interferindo na vida de animais marinhos.
“Os resíduos de plástico, látex e outros materiais não biodegradáveis desses balões permanecem em ecossistemas marinhos por centenas de anos. E como apenas uma pequena porcentagem de animais mortos chega à costa, o impacto provavelmente é maior do que os números sugerem”, analisa a médica veterinária.
Para o coautor do estudo e coordenador do Projeto de Monitoramento de Praias das Bacias de Campos e do Espírito Santo (PMP-BC/ES) executado pelo Instituto Albatroz na Região dos Lagos, Caio Azevedo Marques, os lixos encontrados no mar, principalmente os materiais plásticos e sintéticos, representam uma ameaça crescente não só aos albatrozes, mas também a outras aves marinhas.
“Esses rejeitos podem ser ingeridos acidentalmente, confundidos com alimento, levando à obstrução do trato digestivo”, explica. “Os animais também podem ficar presos aos materiais descartados, como linhas e redes de pesca, garrafas plásticas e sacolas, obrigando-os a lutar para se libertar. Esse esforço pode apertar ainda mais esses materiais ao redor de seus corpos, tornando-os mais suscetíveis a predadores e a complicações, como infecções severas, exaustão e morte por afogamento.”
Implicações e soluções
Ao analisar somente os albatrozes, que fazem parte do grupo de aves mais ameaçadas do planeta, o lixo plástico é um dos principais perigos em alto-mar, além da captura incidental em pescarias, introdução de espécies exóticas nas ilhas em que se reproduzem e as mudanças climáticas. “Quando buscamos conservar aves tão valiosas para a biodiversidade, precisamos levar em conta o impacto cumulativo das atividades que ocorrem no oceano. Em nosso trabalho com o PMP, estamos atentos à problemática e trabalhando de forma estratégica para resgatar e reabilitar essas aves”, complementa Marques.
Por fim, o estudo aponta algumas soluções práticas para mitigar o impacto dos balões e sondas nos albatrozes que sobrevoam águas brasileiras. As recomendações incluem a adoção de materiais biodegradáveis no design dos balões e a implementação de protocolos de recuperação aprimorados. Daphne enfatiza, também, a importância do monitoramento e da pesquisa continuada para entender a interação de radiossondas meteorológicas com animais marinhos.
“As radiossondas desempenham um papel fundamental na meteorologia moderna, oferecendo dados precisos e em tempo real que são indispensáveis para a previsão do tempo, especialmente na antecipação de eventos climáticos severos. No entanto, é de suma importância que o desenvolvimento e a fabricação desses equipamentos incorporem materiais biodegradáveis. A transição para componentes que se desintegram naturalmente e de forma inofensiva no ambiente marinho pode mitigar o impacto ecológico adverso, protegendo espécies marinhas e promovendo a sustentabilidade ambiental”, conclui a veterinária.