Autores: Ana Luísa Millan e Rafaella Vidal – Discentes da Liga de Bovinos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Supervisionado por Prof. Clayton B. Gitti – Docente do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ.
INTRODUÇÃO:
Na bovinocultura, as atividades relacionadas à criação de bezerros podem ser um desafio para o produtor, uma vez que, compõem uma fase crítica da vida do animal. São considerados animais neonatos do momento do nascimento até o primeiro mês de vida. Sabendo que os bezerros irão se tornar animais adultos e fazer parte da cadeia produtiva, é crucial garantir que esses animais cresçam com saúde e com um bom desenvolvimento, a fim de evitar prejuízos para o produtor. Dessa forma, é importante ter em mente os principais cuidados que devem ser tomados.
1. PRÉ-PARTO
É importante definir, previamente, um local confortável e limpo tanto para a vaca quanto para o bezerro no momento do parto, denominado como “piquete maternidade”. este deve ser de fácil acesso para que os profissionais e/ou pessoas treinadas possam monitorar o parto, intervir e auxiliar, quando necessário.
É recomendado manter a fêmea com uma dieta balanceada e dentro do escore de condição corporal adequado (ECC). Em uma escala de 1 a 5, o animal deve estar em torno de 3. Vacas com alto escore corporal, embora visualmente atraentes, tendem a enfrentar dificuldades no parto em comparação com animais em condição corporal normal. Também é aconselhável que sejam realizados periodicamente exames ginecológicos e laboratoriais das matrizes, além de se planejar um calendário de vacinação para elas, a fim de minimizar os riscos de perdas fetais. Em casos de aborto, recomenda-se a coleta de partes do feto e da placenta para que seja investigada a causa da morte.
2. PARTO
Chegado o momento do parto, deve-se observar se há necessidade de auxiliar a retirada do bezerro. Essa assistência deve ser prestada com cautela e por um médico veterinário. Após o parto, deve-se garantir que o bezerro consegue respirar, se manter de pé e se possui a capacidade de se alimentar ou se precisa de assistência veterinária.
A partir desse instante, bezerro e mãe devem começar a formar laços materno-filiais, em que a vaca se levanta para amamentar o bezerro. Caso o filhote não consiga mamar sozinho, o materneiro deve ajudá-lo a mamar sempre que necessário, até que ele consiga mamar sem ajuda.
3. INGESTÃO DO COLOSTRO
Uma das principais medidas para que o bezerro se mantenha saudável é garantir que ocorra a ingestão do colostro — primeiro leite produzido pela vaca — pois este possui alto valor nutritivo e é rico em anticorpos, chamados também de imunoglobulinas, sendo essencial para a imunidade do neonato, uma vez que, em bovinos, a transferência de imunidade de mãe para filho não ocorre por via transplacentária. É conhecido como “leite sujo” e não possui valor comercial e sua produção pode durar de três a seis dias.
O ideal é que o bezerro recém-nascido ingira o colostro em até 3 horas após o parto, caso isso não ocorra, as chances de o animal enfraquecer, adoecer e até mesmo morrer são consideráveis. A concentração de imunoglobulinas no colostro cai a cada ordenha, e a capacidade de absorção destes anticorpos pela parede intestinal da bezerra diminui com o tempo, cessando após 36 horas.
Em propriedades onde é possível realizar o aleitamento artificial, deve ser fornecido ao bezerro aproximadamente 10% do peso vivo do colostro nas primeiras 24 horas. Isso seria equivalente a 4 litros, dividido durante as mamadas do dia. Do 2º ao 5º dia, os bezerros devem mamar no mínimo 15 a 20% do seu peso vivo. Não é recomendado ser oferecido mais de 8 litros diários de colostro. A temperatura ideal para o fornecimento é de 35º a 37ºC para cada bezerro recém-nascido, sem forçar a ingestão e não sendo recomendado o fornecimento de leite frio aos animais. É importante ter paciência, pois alguns animais podem demorar a se adaptar à mamadeira.
Durante o monitoramento do piquete maternidade, é importante observar se os tetos da vaca estão cheios e/ou se o bezerro está com o “vazio” fundo, sendo indicativos de que não ocorreu a amamentação. Uma solução para esse problema seria ordenhar a mãe e fornecer em mamadeira devidamente higienizada, para que se saiba a quantidade de colostro ingerida pelo animal. Além disso, as novilhas exigem uma atenção maior por serem inexperientes no cuidado com os filhotes e normalmente possuem um colostro de qualidade inferior quando comparado com vacas mais velhas.
Colostrômetro e o refratômetro brix são instrumentos que podem ser utilizados para avaliar a qualidade do colostro e possuindo um custo acessível para o produtor leiteiro.
O colostrômetro é uma régua que mede a qualidade do colostro através da sua forte correlação entre a gravidade específica e a concentração de imunoglobulina, porém o teste deve ser realizado na faixa de temperatura adequada (20 a 25ºC). Este instrumento é o mais utilizado nas fazendas leiteiras por sua rapidez e facilidade. O colostrômetro está calibrado em intervalos de 5 mg/mL e classifica o colostro como de baixa qualidade (vermelho) quando Ig < 20 mg/mL; moderado (amarelo) para o intervalo de 20 – 50 mg/ mL; e excelente (verde) para valores de Ig maiores que 50 mg/mL.
Outra maneira de aferir a qualidade do colostro é através do refratômetro que é um aparelho usado para medir a sacarose de alguns alimentos, mas se usado em líquidos sem sacarose, ele indica os níveis de sólidos totais e independe da temperatura do leite. Um colostro de qualidade deve apresentar mais que 21% de brix.
Outra possibilidade é possuir um banco de colostro já avaliado e aprovado quanto à qualidade na propriedade.
4. CURA DO UMBIGO
O cordão umbilical é a principal via de comunicação do bezerro com a vaca durante a gestação, possuindo vários canais de comunicação (artéria, veia e úraco). Após o parto, essa comunicação se perde e essa estrutura se fecha em alguns dias. Porém, até o completo fechamento desse canal, o umbigo se torna uma porta de entrada para vários agentes causadores de doenças, já que o coto umbilical (parte que fica para fora) é a porção de comunicação com o meio ambiente e fica exposta aos microrganismos, como bactérias, vírus e fungos.
Os principais sinais clínicos que podemos perceber nos casos de onfalopatias são aumento de volume do umbigo, mau cheiro, dor à palpação e, em alguns casos, presença de secreção. O tratamento para infecções umbilicais em bezerros deve ser acompanhado por um médico veterinário.
Além disso, a cura do umbigo é uma das medidas mais importantes para prevenir a entrada desses patógenos. A desinfecção do umbigo deve ser realizada com soluções antissépticas, como iodo a 10% ou álcool iodado a 70%, e deve ser feita logo após o nascimento do bezerro para proporcionar a desidratação do coto umbilical, com seus respectivos vasos e úraco, impedindo a ascensão de patógenos pelo canal umbilical e, consequentemente, processos inflamatórios e infecciosos. O curativo deve ser feito todos os dias por três a quatro dias.
Os impactos negativos das doenças do umbigo podem incluir o desenvolvimento de sepse, a propagação de infecções para outros órgãos, comprometimento do sistema imunológico, aumento da mortalidade e impacto na saúde a longo prazo dos bezerros. A prevenção e o tratamento eficaz são cruciais para garantir a saúde e o bem-estar dos animais recém-nascidos.
5. IDENTIFICAÇÃO
A identificação é, geralmente, composta por um código, definido pela combinação de letras, números ou de ambos. Este código deve garantir uma identificação única tornando possível diferenciar os animais do rebanho, garantindo o controle e suprindo as necessidades de cada um.
A tatuagem é um dos métodos de identificação que podem ser usados nos primeiros dias de vida do bezerro (FIGURA 1). Este método é realizado com cuidado entre as duas nervuras superiores da orelha, usando tinta de boa qualidade. Contudo, essa técnica pode ser de difícil visualização por necessitar de contenção do animal para verificar o código.
Já o método de colocação dos brincos, possui fácil aplicação e de boa visibilidade (FIGURA 2). A aplicação deve ocorrer da forma correta, o furo deve ser realizado no centro da orelha entre as duas principais nervuras. O animal deve estar com a orelha livre de carrapatos e feridas, limpa e a cabeça contida de forma que não se mova até a retirada completa do alicate.
Os furadores devem estar limpos, livres de ferrugem, lubrificados, afiados e ter 6 mm de diâmetro para evitar que o furo se feche ou fiquem grandes demais aumentando a chance de complicações. Após a realização do furo é recomendado que se faça o uso de pastas repelentes de moscas.
Os brincos devem ser colocados mais tardiamente, após a completa cicatrização dos furos, de preferência aproveitando um dos manejos de rotina, como na vacinação ou na desmama, por exemplo. É importante que sejam realizadas inspeções periódicas para verificar a integridade e o sucesso do procedimento e em caso de complicações, agir o quanto antes.
Algumas propriedades estão fazendo uso de colares temporários para os bezerros recém-nascidos com intuito de facilitar a identificação nos primeiros dias de vida (FIGURA 3). A técnica consiste em fixar uma pequena corda com o brinco no pescoço do animal junto a “fêmea” do brinco de identificação. O colar deve estar justo ao pescoço para evitar acidentes. Uma desvantagem da técnica é que os colares podem se perder, prejudicando a identificação do animal, por isso este método deve ser adotado de maneira temporária até a fixação dos brincos.
Associados a esses métodos, é possível utilizar chips de identificação, pois permitem que o animal possa ser identificado em casos de brincos que caem ou tatuagens de difícil visualização.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante anotar e registrar o máximo de informações possíveis sobre esses animais, como sua identificação, peso, complicações e até mesmo morte, indicando a data e localização referente à cada anotação para se ter o histórico do animal na propriedade.
Com o decorrer dos meses, os bezerros passarão por etapas como desmame, onde o protocolo varia para cada propriedade e para cada tipo de produção e irá ocorrer o desenvolvimento do rúmen do animal. Além disso, devem ser realizados protocolos para vacinação e vermifugação a critério do médico veterinário atuante na propriedade.
Dessa forma, com a adoção de cuidados e o acompanhamento dos bezerros neonatos, é possível reduzir consideravelmente a taxa de mortalidade de animais jovens na propriedade e a ocorrência de doenças nesse período, consequentemente, evitando prejuízos ao produtor.
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