DEFINIÇÕES
1. Zoonoses
A definição clássica de zoonoses são todas as doenças transmitidas de animais para humanos, ou de humanos para os animais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define zoonoses como “Doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos”, causadas por príons, vírus, bactéria, rickettsia, fungos e protozoários. (OMS, 2016).
2. Doenças emergentes e reemergentes
2.1 Doença Emergente. As “doenças emergentes” são assim definidas por serem doenças novas, que foram identificadas como um novo problema de saúde, por introdução de um novo agente infeccioso. Como exemplo de doença emergente temos a AIDS, a hepatite C, a febre hemorrágica pelo vírus Ebola, a encefalite espongiforme (doença da vaca louca), ou por microorganismos que só atingiam animais e que, agora, afetam também seres humanos como o vírus da Febre do Nilo Ocidental, o hantavírus, o vírus da influenza aviária (A/H5N1), o vírus Chikungunya, o vírus da Zika e o Coronavirus, SARS, MERS e a COVID-19. (OMS/OPAS).
2.2 Doença Reemergente. As “doenças reemergentes” indicam que houve mudanças no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, que haviam sido controladas, e que voltaram a representar ameaça à saúde humana, incluindo-se a introdução de agentes já conhecidos em novas populações de hospedeiros suscetíveis. (OMS/OPAS).
3. Fatores que influenciam para que haja a emergência e reemergência de doenças
- Fatores Demográficos. São os relacionados aos estudos das populações como: densidade populacional, condições de habitação, classe social, situação sócio-econômica, faixa etária, crescimento populacional etc., entre os indicadores mais importantes na transição epidemiológica e estabilidade do estado de saúde.
- Alimentação. O ser humano durante o seu ciclo de vida deve receber uma dieta alimentar saudável suficiente em qualidade e quantidade para satisfazer às suas necessidades vitais orgânicas. Uma dieta pobre em nutrientes debilita o organismo e o predispõe às doenças.
- Aumento do intercâmbio internacional. Um dos fatores mais importantes na propagação das doenças emergentes e reemergentes entre as nações, são as viagens aéreas e marítimas realizadas por aviões e navios modernos. Muitas vezes os aeroportos e portos não estão equipados com serviços de Vigilância Sanitária suficientes para fiscalizar passageiros, cargas de alimentos e animais vivos.
- Globalização. Termo surgido na década de 1980, designa um fenômeno de abertura das economias globais e respectivas fronteiras com intensificação acentuado das trocas internacionais de mercadorias e da integração social, política e econômica entre os países e as pessoas do planeta, em que os governos, as empresas e indústrias dos vários continentes trocam relações comerciais e negócios.
- Migração. As migrações têm ocorrido no mundo, com mais intensidade, após a 2ª GM, sendo as guerras declaradas ou encobertas às de maiores efeitos migratórios. Nos últimos vinte anos temos observados migrações intensas por vias marítimas dos povos africanos, refugiados, em direção à Europa e Oriente Médio na busca de liberdade e melhores condições de vida. As migrações nem sempre autorizadas e muitas vezes clandestinas arrastam consigo agentes patogênicos, doenças e vetores de uma região ou país para outro, causando doenças reemergentes.
- Fatores ambientais e econômicos. O crescimento exagerado da população da terra, 7.8 bilhões de pessoas, 2020, principalmente nos continentes asiático e indiano, tem aumentado a produção e procura de alimentos fazendo com que o homem invada terras antes ocupadas por florestas. Essa pressão antrópica sobre o meio ambiente e habitats ecológicos dos animais selvagens tem aumentado a probabilidade do aparecimento de doenças emergentes zoonóticas virais, antes restritas ao domínio dos animais, como aconteceu com o HIV, transmitida de macacos para o homem, 1983.
- Baixo desempenho do setor de saúde. Segundo estatística do Banco Mundial, 2019, quase metade da população global, 3.4 bilhões de pessoas, vivem em situação de extrema pobreza com cerca de R$ 20.45 reais por dia, sem contar com recursos financeiros para às suas necessidades básicas, isto, é: alimentação, esgotamento sanitário, água tratada e encanada e habitação digna. Nessa situação dramática, essas populações vivem fragilizadas e viáveis a adquirir doenças carenciais e oriundas de contaminação e infecção por vírus, bactérias, fungos, etc. e consequentemente, zoonoses.
- Turismo Internacional. Os grandes eventos internacionais de massa têm atraído multidões das várias países do mundo, aproximando pessoas de várias origens, raças e países. Esses exemplos mundiais como a Copa de Mundo de Futebol, Os Jogos Olímpicos; encontros religiosos como a festa muçulmana em Meca, visita à praça São Pedro, Roma IT, para assistir a missa do Papa, e o Carnaval do
Rio de Janeiro, etc, possibilitam milhares de encontros e contatos de pessoas e objetos. O uso de restaurantes, banheiros, sanitários e dormitórios de pessoas doentes, nem sempre devidamente higienizados, pode ser meio de contaminação e transmissão de agentes biológicos causadores de doenças e possíveis zoonoses.
4. Zoonoses no Mundo
O livro “Zoonoses” da Sociedade Americana de Microbiologia, 4ª Edição, Whasington-DC: ASM Press, 2016, assinala no seu conteúdo, que existem mais de 200 doenças emergente e reemergente espalhadas pelo mundo produzidas por príons, vírus, bactérias, rickettsia, fungos e protozoários, transmitidas de animais para humanos e de animais para animais, zoonoses, muitas conhecidas e identificadas e outras em estudos epidemiológicos, com tendência a aumentar e se espalharem pelo planeta.
A maioria se situa na América do Norte, Índia, Europa e Ásia cujas barreiras geográficas e sanitárias são vencidas, muitas vezes, pela falta de Vigilâncias Sanitária e em Saúde eficientes, e movimentação intensa de passageiros e transporte de cargas pelas vias aérea, marítima e férrea, principais meios de facilitação de dispersão de agentes biológicos causadores das zoonoses no mundo.
A ameaça cada vez maior que as zoonoses representam para os humanos tem muitas causas que diferem de país para país. Superpopulação, guerras, escassez de alimentos e precarização progressiva das condições de vida, as mais importantes, que podem causar a migração de inúmeras pessoas do campo para as favelas das grandes cidades, com sensível colapso de higiene, qualidade de vida e saúde pública. A proximidade de suas moradias aos lixões facilita o contato com roedores, animais domésticos vadios e parasitas. A escassez de alimentos força milhões de humanos a devastar florestas virgens para cultivo e produção em áreas onde as populações de animais e seus agentes patogênicos existiam anteriormente separados. As pessoas podem participar involuntariamente em ciclos de parasita-hospedeiro desconhecidos e se tornarem um novo elo em uma cadeia epidemiológica infecciosa. Não muitos desses casos, como hospedeiros acidentais, não estão de forma alguma adaptados às novas espécies patogênicas, o que pode resultar em contágios e produção de doenças.
5. Zoonoses no Continente Sul Americano
Existem atualmente mais de 135 zoonoses emergente e reemergente descritas no Continente Sul Americano, a maioria oriunda de animais domésticos, já relatadas e conhecidas, e outras, exóticas, emergentes, transmitidas por vetores e animais silvestres pouco estudadas e desconhecidas epidemiologicamente.
Das doenças emergentes exóticas, ainda pouco investigadas e domínio científico, merecem cuidados especiais às arboviroses pertencentes as família Bunyaviridae, Flaviviridae, Arenaviridae e Filoviridae por serem transmitidas por artrópodes hematófagos, principalmente, insetos e carrapatos, causadores de grandes epidemias ao longo da história.
As febres hemorrágicas por vírus RNA, particularmente da família Arenaviridae, as que mais preocupam os habitantes do continente, são zoonoses, em sua maioria associadas à animais silvestres, como primatas, roedores e possivelmente morcegos. A transmissão viral para o homem dá-se pela picada do artrópodo infectado, ou contato e inalação de fômites de roedores infectados.
Na Pan-Amazônia, que envolve 9 países cobertos pela floresta amazônica, inclusive o Brasil, o risco maior das zoonoses são os efetivos militares e as populações indígenas e de caboclos que vivem no meio das florestas e migram erraticamente de um país para outro, a maioria sobrevivendo da caça e das riquezas vegetais e minerais extrativas, sem maiores informações em saúde e recursos médicos.
6. Características das febres hemorrágicas Sul- americana
- A febre é ocasionada pelo vírus Junin transmitida pelo rato do milho (Calomys musculinus), endêmico das zonas rurais das províncias de Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba e La Pampa.
Sintomas: febre alta, hemorragias na gengiva, nasais, renais, pulmonares, tremores, sonolência e irritabilidade;
- Bolívia. A doença é causada pelo vírus Machupo, sendo seu principal transmissor o rato da espécie (Calomys musculinus) e fômites derivados do animal infectado. Letalidade cerca de 30%.
Sintomas: febre moderada, alterações hemorrágicas microvasculares, permeabilidade vascular, febre, mialgia e prostração. Hiperemia conjuntival, hipertensão leve, rubor, sangramento de gengivas e cavidades, cefaléia, artralgia e hemorragias petequiais.
- Causada pelo vírus Sabiá em 1990, na Cooperativa Agrícola de Cotias-SP. Contaminação através da inalação de pequenas partículas formadas a partir da urina, fezes e saliva de pequenos mamíferos, possivelmente roedores silvestres infectados, que funcionam como reservatórios do vírus.
Sintomas: hemorragias, prostração, tontura, hepatites, convulsões, confusão mental, linfadenopatia generalizada, manchas vermelhas na face e no tronco, mudanças de comportamento.
- A febre hemorrágica venezuelana (VHF), descoberta em 1989, é uma zoonose viral emergente causada pelo vírus Guanarito. A doença é endêmica em uma área relativamente circunscrita da Venezuela central. O vírus é transmitido ao ser humano pelo roedor silvestre (Zygodontomys brevicauda).
Sintomas: Febre progressiva, prostração, cefaleia, mialgia, artralgia, faringite, tosse, edema pulmonar, odinofagia, náusea, vômito, diarreia, epistaxe, sangramentos nas gengivas.
- A febre do Oropouche é uma doença viral ocasionada pelo vírus Oropouche com epidemia no Peru e casos registrados no Estado do Amazonas. Os vetores são os mosquitos maruim (Culicoides paraenesis) e pernilongos (Culex quinquefasciatus). A febre Oropouche tende a se alastrar por todo o Continente Sul-Americano.
Sintomas: São semelhantes ao da Dengue, Chicungunha e Zika. Febre, calafrios, cefaleia, mialgia, artralgia, prostração e rash cutâneo.
7. Estratégia de Controle das doenças emergente e reemergente na América do Sul e Biossegurança.
Prever o surgimento ou a volta de epidemias é difícil. Contudo, o ponto-chave na prevenção de zoonoses emergentes é realizar a identificação precoce de agentes patogênicos em animais e responder rapidamente antes que a doença se torne uma ameaça para a população humana. Na Universidade de Edimburgo na Escócia, foram catalogados 1.415 patógenos humanos conhecidos, 616 patógenos de animais de exploração pecuária e 374 patógenos de carnívoros conhecidos (Cleveland et al.,2001). Dos patógenos humanos, 61,6% tinham origem zoonótica; dos patógenos de animais de exploração pecuária, 77,3% foram considerados “multi-hospedeiros”, ou seja, infectam mais de uma espécie; e dos patógenos de carnívoros, 90% também foram considerados multi-hospedeiros.
O apoio no controle de zoonoses é realizado por organizações como a OIE, fundada em 1924 e que atualmente conta com 180 países-membros. A organização tem uma rede global de 247 laboratórios de referência, que abrangem 117 doenças ou tópicos em 38 países, e 49 centros colaboradores, que abrangem 46 tópicos em 26 países. No entanto, a OIE não age isoladamente, há acordos com a OMS desde 1960, e, em 2006, a FAO passou a fazer parte deste grupo.
No contexto da Biossegurança e Bioproteção dos países sul-americanos, recomenda-se a formação de uma rede de cooperação mútua com ações estratégicas em vigilância, pesquisa, comunicação e capacitação. É fundamental fomentar parcerias nas áreas de saúde, agricultura e meio-ambiente para pronta-resposta nacional e global.
Estudos recentes têm apontado a região Amazônica entre um dos “hot spots” onde doenças emergentes e desconhecidas poderão emergir para toda a Pan Amazônia e países do Continente. (Embrapa. Zanella. J., 2006)