Um dos grandes desafios da Avicultura do Estado do Rio de Janeiro é encontrar fontes de alternativas de energia e garantir a destinação ecologicamente correta dos resíduos da produção

A avicultura produz uma grande quantidade de resíduos que, descartados inadequadamente, podem tornar-se uma fonte de poluição ambiental. Contudo, quando bem manejados, apresentam um grande potencial, tanto como fonte energética alternativa como, também, na substituição de fertilizantes químicos, agregando valor à atividade e mitigando os danos ao meio ambiente.

São José do Vale do Rio Preto, município localizado na Região Serrana do Rio de Janeiro, considerado maior produtor avícola do Estado, produz uma enorme quantidade de resíduos, que podem ser reaproveitados para a produção de biogás e de biofertilizante, o que permite associar o sistema de produção de aves ao desenvolvimento sustentável e a preservação dos ecossistemas.

O uso de biodigestores vai ao encontro das diretrizes estabelecidas pelo Protocolo de Quioto, e rediscutidas na reunião Rio +20, pois permite produzir energia renovável em substituição de parte da energia fóssil, além de minimizar a liberação de metano no ar, oriundo da fermentação dos resíduos da produção agroindustrial, diminuindo o efeito estufa.

Rejeitos

Na avicultura de corte os rejeitos podem ser compreendidos como a cama de frango ou cama de aviário e as carcaças de animais mortos. A cama tem função absorvente e garante bem estar para as aves, evitando a umidade e o frio.

Na geração de resíduos, num ciclo de 42 a 47 dias de vida do frango de corte é possível que cada ave produza aproximadamente 2 kg de matéria natural (MN), considerando que a ave excreta de 20 a 30% de matéria seca em relação à sua ingestão de alimento (4,5 a 5,0 kg). Somado a isso, ainda considera-se a adição de 0,5-0,6 kg de material de cama/ave, bem como desperdício de ração sobre a cama, queda de penas, queda de água sobre a cama (LUCAS; AMORIM, 2005).

Para Silveira et al. (2014), “as modificações ocorridas devido à intensificação da avicultura industrial, além de possibilitar a produção de toneladas de alimento, também ocasionaram um exacerbado aumento do volume de dejetos gerados por unidade de área”.

A cama de frango torna-se bastante heterogênea no final do processo produtivo, com sua composição variando em função do tipo de ração, a idade e tipo de aves, a quantidade de penas e excretas, o número de lotes criados, o tempo de permanência dos lotes, a quantidade de lotes que utilizam a mesma cama e a forma de armazenamento, podendo, dessa forma, ser utilizada como fertilizante do solo, uma vez que apresenta níveis consideráveis de N, P, Ca, K, Zn, Cu e Mn (LUCAS; AMORIM, 2005; AUGUSTO; KUNZ, 2011; SILVEIRA et al., 2014).

Devido ao alto potencial biogênico, quando disposta inadequadamente na natureza pode contaminar o ar, os recursos hídricos e o solo devido à alta concentração de matéria orgânica.

Legislação

A cama de frango é uma fonte de nitrogênio proteico e não proteico, por isso foi utilizada durante muito tempo na alimentação de bovinos, principalmente nos períodos de seca. No entanto, em 2001, o uso da cama de frangos na alimentação de ruminantes foi proibida pela Instrução Normativa nº 15, de 17 de julho de 2001, no seu 2º artigo (DOU de 18-07-01) (COSTA, 2009; TESSARO, 2011).

Alguns inconvenientes relacionados ao o uso da cama de frango na alimentação de ruminantes são: transmissão de doenças e intoxicações nos animais, pois a cama pode conter toxinas produzidas por bactérias (toxina botulínica, por exemplo, produzida por Clostridium botulinum) e aflatoxinas produzidas por fungos (Aspergillus flavus ou Aspergillus fumigatus). Existe ainda a preocupação com a presença de metais, como cobre, amônia e resíduos de substâncias químicas, que podem levar à intoxicação.

Por fim, têm-se os acidentes que podem ocorrer por conta da presença de corpos estranhos na cama. Há também a preocupação com a possibilidade dos animais se tornarem portadores da encefalopatia espongiforme bovina (BSE), uma vez que a cama pode conter ingredientes de origem animal (farinha de carne, ossos e vísceras) provenientes da ração (COSTA, 2009; TESSARO, 2011).

Alternativas sustentáveis

A vocação avícola do Brasil e as condições climáticas favoráveis influenciam a exploração da energia derivada dos dejetos animais e restos de culturas, promovendo o desatrelamento do homem aos combustíveis fósseis.

Durante o último século e início do século XXI, o mundo se fez dependente de energia de fontes não renováveis, como os combustíveis oriundos do petróleo. Isto fez com que estudos relacionados à produção de energias de fontes renováveis tenham se intensificado no meio rural, em especial na avicultura. Para o meio rural, a alternativa que se mostrou promissora foi o biogás obtido com a biodigestão anaeróbia de material orgânico.

Usina de biogás. Imagem: Wikimedia Commons

Biodigestor

O biodigestor é uma câmara fechada constituído, basicamente, por um recipiente onde a biomassa é depositada, e por um gasômetro, que irá armazenar o biogás. Nessa câmara é colocada a biomassa, em solução aquosa, que será fermentada de forma anaeróbica, gerando o biogás que irá se acumular na parte superior e o biofertilizante que ficará depositado ao fundo (DEGANUTTI et al., 2002; TESSARO, 2011).

Biodigestão

A biodigestão é realizada pelas bactérias anaeróbicas (Archeas metanogênicas) no processo de digestão da matéria orgânica, o que resulta na produção de metano (CH4), rico em energia química, que pode ser usado como combustível. O biogás resulta da decomposição dos resíduos orgânicos que foram degradados no biodigestor (CAPATAN; CAPATAN; CAPATAN, 2011).

De acordo com Salomom e Tiago Filho (2007), para se produzir um metro cubico (m³) de biogás, é necessário: 25 Kg de esterco fresco de bovino; ou 2,3 Kg de esterco seco de galinha; ou 2,86 Kg de esterco seco de suíno; ou 2,5 Kg de resíduos secos de vegetais.

O gás metano (CH4) compõe cerca de 50-80% do total do biogás e é um dos principais gases causadores do efeito estufa. Outros gases presentes no biogás são o dióxido de carbono (CO2) cerca de 25 – 40%, amônia (NH3) e ácido sulfídrico (H2S). A alta concentração de metano na composição do biogás garante seu alto poder calorífico (CAPATAN; CAPATAN; CAPATAN, 2011).

Tal propriedade do biogás na geração de energia contribui para a redução dos custos de produção, ganhando destaque nas propriedades rurais do Brasil, pois pode ser utilizado para fazer funcionar motores, geladeiras, aquecedores para animais, em secadores de grãos, no aquecimento de fogões, e em utensílios domésticos.

Análise de viabilidade

A proposta da implantação do biodigestor na propriedade precisa ser analisada de forma técnica e criteriosa, buscando o melhor sistema de abastecimento e rentabilidade. É necessário que, antes da aquisição, a propriedade tenha inteiro domínio de seus custos de produção (fixos e variáveis), bem como domínio de seus indicadores de produtividade. Dessa forma, será possível analisar a viabilidade e o prazo de retorno do investimento (ROI). Nesta etapa também deve ser considerada a capacidade da propriedade dispor de mão-de-obra para operacionalizar o sistema.

Todavia, o biodigestor se desponta como uma excelente ferramenta para destinação correta dos rejeitos da avicultura, minimizando os impactos ambientais inerentes à atividade, além de permitir o aproveitamento dos resíduos para a produção de biogás e biofertilizante garantindo a sustentabilidade dos aviários.

Referências

AUGUSTO, K. V. Z.; KUNZ, A. Tratamento de dejetos de aves poedeiras comerciais. In: PALHARES, J. C. P.; KUNZ, A. (Ed.). Manejo ambiental na avicultura. Concórdia, SC: Embrapa Suínos e Aves, 2011. p. 153-174.

CAPATAN, A; CAPATAN, D. C; CAPATAN, E. A. Formas alternativas de geração de energia elétrica a partir do biogás: uma abordagem do custo de geração da energia. Custos e @gronegócio on line – v. 7, n. 1, p. 25-37, 2011.

COSTA, L. V. C. da. Biodigestão anaeróbia da cama de frango associada ou não ao biofertilizante obtido com dejetos de suínos: produção de biogás e qualidade do biofertilizante. 2009. 89f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, 2009.

DEGANUTTI, R.; PALHACI, M. C. J. P.; ROSSI, M.; TAVARES, R.; SANTOS, C. Biodigestores rurais: modelo indiano, chinês e batelada. In: ENCONTRO DE ENERGIA NO MEIO RURAL, 4., 2002, Campinas. Proceedings online… Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000022002000100031&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 abr. 2015.

LUCAS, J. J.; AMORIM, A. C. Manejo de dejetos: fundamentos para a integração e agregação de valor. In: ZOOTEC, 2005. Campo Grande, MS. Anais… Campo Grande, MS: ZOOTEC, 2005. p. 1-33.

SALOMOM, K. R.; TIAGO FILHO, G. L. Série Energias Renováveis – Biomassa. Itajubá, MG : FAPEPE, 36 p., 2007.

SILVEIRA, M. A.; KRETZER, S. G.; NAGAOKA, A. K.; ARROYO, N. A. R.; BAUER, F. C. Produção de biogás em biodigestores de tamanho reduzido abastecido com cama de aviário. Acta Tecnológica, v. 9, n. 2, p. 9-15, 2014.

TESSARO, A. A. Potencial energético da cama de aviário produzida na região sudoeste do Paraná utilizada como substrato para a produção de biogás. 2011. 79f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento de Tecnologia) – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (LACTEC) em parceria com o Instituto de Engenharia do Paraná (IEP). 2011.