Por Rina de Leles e Juliana Rodrigues Costa – discentes da disciplina de Defesa Sanitária Animal do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ
Supervisionado por Clayton. B. Gitti – Professor Titular da UFRRJ
Quando pensamos na produção de carne que chega à nossa mesa, raramente nos questionamos sobre o que acontece com as partes não aproveitadas para o consumo. No entanto, a destinação correta das carcaças e dos resíduos biológicos provenientes da inspeção sanitária é um processo fundamental para a saúde pública, o meio ambiente e a economia do setor.
Durante o abate em frigoríficos sob Inspeção Federal (SIF), auditores fiscais veterinários examinam minuciosamente cada animal. O objetivo é garantir que apenas produtos saudáveis e seguros sejam liberados ao consumo. Nesse processo, algumas carcaças ou órgãos são condenados por razões diversas, como doenças, contaminações ou alterações que os tornam impróprios ao consumo humano.
1. Destinação em Frigoríficos: Rotina e Sustentabilidade:
No contexto dos resíduos biológicos de frigoríficos, as formas de destinação mais comuns são regulamentadas por normas federais (BRASIL, 2022) e visam transformar o que seria um problema ambiental em subprodutos de valor agregado.
- Rendering (Reciclagem Animal): Esta é a técnica mais utilizada. Os resíduos são cozidos sob altas temperaturas e pressão, o que elimina qualquer agente patogênico. Desse processo, são extraídos a gordura animal (usada na produção de sabões, biodiesel e rações) e a farinha de carne e ossos (utilizada como ingrediente proteico na alimentação de animais não ruminantes, como aves e suínos).
- Compostagem: As carcaças são fragmentadas e misturadas com material orgânico seco, como serragem. Com o controle de temperatura e umidade, os microrganismos decompõem o material, transformando-o em composto orgânico de alta qualidade, que pode ser usado como fertilizante agrícola.
- Incineração: É um método mais caro, geralmente reservado para resíduos de alto risco ou para volumes menores. A queima em altíssimas temperaturas destrói completamente os patógenos, reduzindo o material a cinzas estéreis.
- Digestão Anaeróbia: Uma tecnologia mais moderna, onde os resíduos são colocados em biodigestores sem oxigênio. Os microrganismos decompõem a matéria orgânica, produzindo biogás (uma fonte de energia renovável) e biofertilizante.

Planta de compostagem de carcaças de animais de grande porte. (Imagem: IA)
2. Protocolo de Alto Risco: Doenças de Notificação Obrigatória:
Já no contexto em que a existência do foco de uma doença grave, como a febre aftosa, é identificada em uma propriedade rural, uma série de protocolos rigorosos é acionada pelas autoridades sanitárias (MAPA, 2017).
Uma das etapas mais críticas e menos compreendidas pela população é a destinação final das carcaças dos animais e de todos os resíduos biológicos associados. Esse processo, embora difícil, é um pilar fundamental para controlar a doença, proteger a pecuária nacional e garantir a segurança dos alimentos. A Autoridade Veterinária local é a responsável por coordenar essas ações em casos de doenças de notificação obrigatória.
Este grupo inclui enfermidades altamente contagiosas, como a febre aftosa, a peste suína clássica e a influenza aviária, que podem causar sérios prejuízos econômicos e sanitários. Diferente de outros resíduos de abate, os materiais provenientes de animais com suspeita ou confirmação dessas doenças representam um risco extremamente alto. Assim, o protocolo de destinação desses resíduos ocorre de maneira diferente, uma vez que nestes casos os métodos convencionais podem não ser suficientes. As técnicas aplicadas são as mais seguras e definitivas, visando a completa inativação do agente patogênico.
As destinações mais comuns nestes casos especiais são:
- Incineração: É o método mais seguro e frequentemente empregado para resíduos de alto risco. As carcaças e materiais são queimados em altíssimas temperaturas acima de 800ºC, destruindo completamente vírus, bactérias e esporos. O resultado são cinzas estéreis que não apresentam qualquer perigo.
- Autoclavagem Seguida de Aterro Sanitário ou Reciclagem Animal: Em alguns protocolos, os materiais são primeiro submetidos a um processo de autoclavagem (cozimento sob alta pressão e temperatura) para garantir a esterilização. Após esse tratamento, o material inativado pode ser encaminhado para um aterro sanitário industrial específico ou, se permitido pela legislação, para a reciclagem animal, transformando-se em farinha não proteica ou gordura para biodiesel.
- Enterramento Técnico Controlado: Em situações específicas e sob rigorosa supervisão oficial, pode ser utilizado o enterramento técnico. Este método vai muito além de simplesmente cavar um buraco. Ele é realizado em locais criteriosamente escolhidos (longe de lençóis freáticos e moradias), com o uso de cal virgem para acelerar a decomposição e neutralizar os patógenos. O solo é compactado e sinalizado para monitoramento.
Dessa forma, o sacrifício e a destinação correta de animais em casos de doenças de notificação obrigatória são medidas de segurança sanitária, e não apenas de limpeza. Embora sejam ações duras, elas são essenciais para conter a disseminação de doenças, proteger a economia nacional e manter o status sanitário do Brasil, assegurando confiança no produto brasileiro dentro e fora do país.
Referências:
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Instrução Normativa Nº 17, de 23 de junho de 2022. Estabelece os procedimentos para a destinação de materiais especificados de risco e resíduos em estabelecimentos de abate e beneficiamento de animais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 jun. 2022.
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Manual de Procedimentos para Contingência de Febre Aftosa. 2017. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br. Acesso em: 27 de outubro de 2025.
- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE ANIMAL (WOAH). Terrestrial Animal Health Code. Seções sobre destruição e destinação de animais e produtos para controle de doenças. Disponível em: https://www.woah.org/. Acesso em: 27 de outubro de 2025.
- EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Destinação Ambientalmente Correta de Resíduos da Produção Animal. Concórdia, SC: Embrapa Suínos e Aves. Disponível em: https://www.embrapa.br/suinos-e-aves. Acesso em: 27 de outubro de 2025.
- SINDIRAÇÕES (Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal). Processo de Fabricação de Farinhas e Gorduras de Origem Animal. Disponível em: https://sindiracoes.org.br/. Acesso em: 27 de outubro de 2025.
