As mulas sempre foram muito importantes para o Brasil, mas nem sempre compreendidas pela população e pelo Governo. Nesse artigo, após breve revisão histórica, é mostrado que criar muares ainda apresenta bom potencial no Brasil.

Importância Histórica

Sem as mulas dificilmente o Brasil seria um país de proporções continentais.  Se não fossem os tropeiros cruzando o território desde as criações na Região Sul até as regiões que demandavam esses animais, como Minas Gerais, o Brasil teria se fragmentado. Momentos marcantes da história brasileira contaram com a presença de muares. Sempre bom relembrar que, ao contrário do retratado na famosa obra de Pedro Américo, o quadro Independência ou Morte, D. Pedro I estava às margens do Ipiranga com sua mula. Os muares eram preferidos em relação aos cavalos tanto para montaria (e vencer terrenos como aquelas na Serra do Mar) quanto para carga e tração.

Junto com a importância e o gosto pelos muares, surgiram ciúmes de criadores de outras espécies e iniciaram os equívocos políticos do Governo.  Para atender o interesse de criadores de cavalos no Nordeste, que viam a demanda por seus animais declinarem à medida que eram substituídos por muares, a Carta Régia de 19 de junho de 1761 proibiu o comércio e o trânsito de muares no Brasil. A importância dos muares fez com que o Governo revisse sua posição, e em 3 de setembro de 1721, em nova Carta Régia, retornou a permissão para transito criação e comercio de muares no Brasil. A partir de então o uso de muares só cresceu no Brasil, com destaque ao comércio na Feira de Sorocaba (que fazia a ligação da criação, ao Sul, com as regiões que utilizavam os animais. Somente com a chegada da estrada de ferro, o uso de muares perdeu parte de sua importância (Figura 1).

Figura 1: Sorocaba: número de muares chegados no mercado, período de 1826 a 1880. Fonte: Klein (1989)

Importância atual

Engana-se grande parte da população que viu nas novas modalidades de transporte e na mecanização da agricultura o fim do uso de muares como animais de trabalho. Características como declividade do terreno, tipo de cobertura do solo (plantações de cacau, por exemplo) e tamanho da propriedade inviabilizam ou não recomendam a mecanização. Desta forma, nas últimas décadas, a tração animal tem respondido por um quarto da tração utilizadas nas propriedades rurais (Figura 2).

Figura 2 – Número de estabelecimentos agropecuários por tipo de força de tração utilizada. Fonte: Censo Agropecuário 2006

Conforme consta de publicação da EMBRAPA [1], “a tração animal é a alternativa mais econômica para a pequena propriedade, podendo servir de montaria, movimentar máquinas estacionárias, tracionar implementos e transportar mercadorias”.

A importância atual dos muares vai além do uso como animal de trabalho, como será mostrado adiante, mas já justifica sua relevância na economia brasileira. Vettorazzi & Lima (2016) estimaram, de forma bastante conservadora, que os muares geram 4,6 bilhões de reais de renda (PIB) anualmente. Apesar disso, ainda não há essa consciência em nível governamental. Desde 2013 o Governo, como em 1761, não enxerga esse valor, e decidiu por suspender os levantamentos do IBGE com relação ao efetivo de muares no Brasil, o que implica na necessidade de estimativas para conhecermos um pouco melhor a tropa e sua distribuição pelo Brasil.

No momento da elaboração deste texto, ainda não havia sido publicado os resultados do Censo Agropecuário mais recente, as informações sobre número de cabeças estavam limitadas aos Censos Anteriores (último de 2006) e estimativas tanto através do IBGE quanto da FAO (Figura 3). A tropa de muares, com cerca de 1,25 milhões de cabeças concentradas nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Maranhão e Pará. Esses quatro Estados respondem por cerca de 50% do número de cabeças de muares no Brasil (Figura 4).

Figura 3 – Evolução da tropa de muares no Brasil, período de 1966 a 2016, em milhões de cabeças. Fonte: IBGE e FAO

Figura 4 – Distribuição, por Unidade da Federação, da tropa de muares no Brasil. Fonte: IBGE

Muito mais que animal de trabalho

Recentemente, em julho de 2018, a mula Wallace venceu uma prova de adestramento (“dressage”, uma das modalidades olímpicas de esportes equestres) em Gloucestershire, Inglaterra, competindo contra cavalos. Mula superando cavalo em provas não é fato exótico. No Brasil, a mula Marota, montada por Claudia Leschonski, foi campeã de hipismo rural na categoria masters, no campeonato ABHIR em 2017 (Figura 5).

Figura 5 – A mula Marota em ação

A presença de mulas em provas equestres é cada vez mais comum. Provas como tambor tem mulas como protagonistas (veja, por exemplo, artigo e vídeo disponível em https://horsespirit.site/2018/02/20/spectacular-barrel-racing-with-a-cute-mule/) assim como em cavalgadas. São utilizados animais com crescente valor e que movimentam a economia tanto nos segmentos de nutrição e medicamentos, mas também de acessórios. Trata-se de nicho de mercado importante com grande potencial e em crescimento. Os negócios com muares ocorrem tanto no mercado físico quanto virtual. A Figura 6 apresenta exemplo de oferta de venda de mula em site especializado no comércio de produtos para o meio rural.

Figura 6 – Classificado de oferta de mula Fonte: https://www.ruralvende.com.br/detalhes/mula-monique-04-anos-e-meio-1502126054700

Considerações finais

Os muares têm importância histórica e atual para o Brasil. Mais que isso, os negócios envolvendo muares apresentam grande potencial de crescimento, apesar do ainda desconhecimento de parte da população e até mesmo do Governo, com ausência de apoio mesmo em atividades básicas como a geração de dados estatísticos, como levantamentos populacionais. Ao contrário de deixar pessimista, revela o quanto poderão ser incrementados os negócios com muares com maior conhecimento e consciência das oportunidades geradas pelos muares. O futuro é promissor para esse mercado.

[1] Disponível em https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/100782/1/Folder-tracao-animal.pdf