O objetivo deste artigo é resumir o conteúdo de duas importantes publicações recentes sobre a Cadeia Produtiva do Leite: o Anuário Leite 2019, da Embrapa; e o estudo Cadeia Agroindustrial do Leite no Brasil: Diagnóstico dos Fatores Limitantes à Competitividade, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços

Números que impressionam

“O setor leiteiro mundial apresenta números que impressionam: 133 milhões de propriedades mantêm 363 milhões de cabeças com aptidão leiteira, ocupando 20% das terras agrícolas do Planeta. Mais de 600 milhões de pessoas vivem em propriedades leiteiras.”

“O leite é o 3º produto agropecuário em produção total e o 1º em valor monetário, fornecendo 5% da energia, 10% da proteína e 9% da gordura consumida em nível global. (Global Dairy Platform, 2017)”

“Os maiores produtores são, pela ordem: União Européia, Estados Unidos da América, Índia, China, Brasil, Rússia, Nova Zelândia, Turquia,Paquistão e México, representando 76% do volume de leite mundial em 2016”

“A produção de leite no Brasil se iniciou no século XVI, tendo permanecido em segundo plano, como suporte às demais atividades econômicas brasileiras, até meados do século XX, quando passou a merecer atenção crescente. Foi só no início dos anos 2000, no entanto, qua produção leiteira passou a crescer com velocidade, tanto em produção quanto em produtividade, tendo passado de 19,2 bilhões de litros em 2000 para 33,5 bilhões em 2017 (IBGE 2018), crescimento de 74% no período.”

Grande relevância

“Do ponto de vista territorial, a produção brasileira é concentrada em Minas Gerais, nos estados da Região Sul, em Goiás e São Paulo. Estes estados são responsáveis por 76% do leite segundo, tanto a Pesquisa Pecuária Municipal quanto o Censo Agropecuário 2017, ambos do IBGE.”

“A cadeia agroindustrial do leite apresenta grande relevância socioeconômica para o Brasil, pois são quase 1,2 milhão de produtores, distribuídos em 99% dos municípios.”

“Em 20 anos, a quantidade de propriedades leiteiras diminuiu 35%, passando de 1,81 milhão em 1996 para 1,34 milhão em 2006 e 1,17 milhão em 2017 (IBGE 2018).”

“A produtividade por vaca fica em torno de 2 mil kg por ano, um dos menores índices entre os principais produtores de leite. A produção anual média se situa abaixo de 29 mil litros (80 litros por dia) por propriedade,demonstrando baixa escala de produção.”

Importante exportador

“O Brasil tem grande potencial de expansão da produção de leite, o que credenciaria o país a se tornar importante exportador de lácteos, como já  é em diversos produtos de origem agropecuária. Apesar disso, e das exportações de lácteos pelo Brasil, serem usuais, o país segue sendo importador líquido desses produtos, trazendo do exterior, anualmente, entre US$ 100 a 400 milhões a mais do que exporta”

Consumo reduzido

“Seja qual for a metodologia de cálculo utilizada, o consumo brasileiro ainda se situa abaixo do ideal preconizado pela Organização Mundial de Saúde, que é de 200 litros por pessoa por ano.”

“Em valores totais, o consumo de leite brasileiro só apresentou queda em 2001, 2003, 2015 e 2017. Mas se for considerado o consumo per capita, este vem caindo desde 2014, chegando ao nível de 166 litros de leite/habitante em 2017, valor que corresponde ao nível de consumo de 2012.”

“Mesmo com a redução recente, o aumento de consumo de leite e derivados no Brasil foi de 23% entre 2006 e 2017.”

Oferta & Procura

Como já informado anteriormente, o Brasil é importador de produtos lácteos, uma vez que compra de outros países, mais do que vende.

As condições de mercado têm demonstrado que, todas as vezes que a oferta interna de leite é superior ao consumo, há uma desordem na cadeia produtiva como um todo, prejudicando, em primeiro lugar os produtores que experimentam redução do valor de venda de suas produções, nem sempre nas mesmas proporções dos demais setores da cadeia produtiva.

Se, por um lado o otimismo relativo ao aumento do poder de compra da população brasileira pode promover um aumento do consumo interno de produtos lácteos, não podemos descuidar das oportunidades relativas ao incremento das exportações.

“Nos próximos anos, o comércio internacional de alimentos continuará crescendo e o Brasil aumentará sua importância como supridor de proteínas de origem animal para o mundo. É quase uma obrigação que o País amplie a participação de lácteos neste portfólio de produtos oferecidos ao mundo.”

A seguir, apresentamos uma série de sugestões para os principais desafios colocados para a cadeia de produção do leite.

Primeiro desafio: ser competitivo na exportação

A sugestão é a união de forças de todas as representações da cadeia produtiva do leite em torno do Ministério da Agricultura, de modo a identificar e equacionar os eventuais obstáculos.

Essa medida é fundamental para permitir incrementoda produção interna, sem os riscos inerentes aos desequilíbrios já referidos.

Custos X Competividade

A competitividade comercial dos produtos lácteos, no mercado interno e, principalmente para as exportações, está relacionada com o custo final do produto.

“A pujança do setor de lácteos de um país é diretamente relacionada com a competitividade de sua produção de leite. Portanto é importante que o trabalho comece com o produtor rural, continue com a indústria e seja fortalecido pela modificação e aperfeiçoamento de seu ambiente institucional e organizacional.”

Papel do governo

“O papel do governo é o de catalisador e de desafiador, encorajando ou mesmo forçando, as empresas a ampliarem suas aspirações e a se deslocarem para níveis mais altos de desempenho competitivo, mesmo que esse processo seja desagradável e difícil (PORTER, 1998b).”

Segundo desafio: redução dos custos

Sugestões para produtores

Insumos: Desenvolvimento de estudo atualizado para identificar a influência da carga tributária atual incidente sobre os principais insumos utilizados na produção de leite, principalmente rações, máquinas e equipamentos.
Organizações envolvidas: Mapa  e instituição de pesquisa.

Insumos alternativos: Desenvolvimento de projetos de pesquisa de modo a identificar alternativas de produtos para alimentação animal, cuidados sanitários (carrapaticidas naturais, por exemplo.
Organizações envolvidas: Embrapa e instituições estaduais de pesquisa.

Infraestrutura: Melhoria das condições das estradas de acesso às propriedades.
Organizações envolvidas: Programa integrado envolvendo o Mapa, os estados e os municípios.
Observação: Reavaliar os programas de doações de máquinas e equipamentos para as prefeituras (uso desvirtuado, pouca eficácia). Substituir por contratos com empresas especializadas, sob coordenação de especialistas.

Assistência técnica: Especialização de profissionais nas áreas de: Instalações rurais (há muito desperdício de dinheiro por parte de produtores em investimentos equivocados ou desnecessários), com atenção especial para o conforto animal e o destino dos dejetos; Alimentação animal (Investe-se pouco em pastagem de qualidade, usam-se suplementos de forma irracional); Qualidade (Os produtores desconhecem técnicas simples para reduzir índices de contaminação e doenças de úbere).
Organizações envolvidas: Programa de capacitação coordenado pelo Mapa, com apoio da Embrapa e do Sistema “S”.

Especialização de produtores: Há um grande desperdício de recursos, por parte dos produtores, no processo de recria de bezerras originárias do próprio rebanho. Programa de estímulo à especialização, através da extensão rural e crédito adequado para o surgimento de produtores recriadores, liberando, nas fazendas leiteiras, espaço para a efetiva produção.

Sugestões para indústrias

Política tributária: Reavaliar os tributos federais e estaduais incidentes sobre as indústrias de laticínios, que têm provocado distorções, através de investimentos em plataformas ociosas.
Organizações envolvidas: Mapa em conjunto com ministério da Economia.

Racionalização: Estímulo à constituição de consultorias especializadas em plataformas industriais de lácteos, visando sua disponibilização para os interessados em racionalizar processos e reduzir custos operacionais.
Organizações envolvidas: Associações de indústrias e Sistema “S”.

Diversificação: “Editais de pesquisa e desenvolvimento para inovação em lácteos.”

Terceiro desafio: Comercialização

Mercado público: “Aumentar a participação de leite e lácteos nas compras públicas.”

Integração: Incrementar, através da Câmara Setorial do Leite, o processo de integração entre produtores de leite e indústrias de transformação, fixando, por acordo, limites mínimos e máximos de remuneração da matéria prima (leite cru resfriado), através de contratos anuais, com ênfase ao produto de qualidade.

Margens de varejo: Estimular, através da Câmara Setorial do Leite, a definição de margens mínimas e máximas para o processo de comercialização, de modo a reduzir a oscilação de preços para o consumidor.

Propaganda: Estimular, através da Câmara Setorial do Leite, a estruturação de campanhas promocionais relativas à importância do leite na alimentação, voltadas para a classe médica, e para a população em geral.

Proteção: Inibir, através de legislação mais rígida, a denominação de leite a qualquer outro produto que não tenha sido originário de animais produtores.

Críticas & sugestões

Toda crítica e sugestões visando relacionar tópicos e respectivos responsáveis, que, devidamente, implementados tendam a aumentar a sustentabilidade e melhorar o panorama de incertezas que ronda todos os segmentos envolvidos nessa importante atividade econômica e social, serão bem vindos.

Referências

SORIO, André. Cadeia Agroindustrial do Leite no Brasil (Diagnóstico dos Fatores Limitantes à Competitividade), Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Dezembro de 2018

RENTERO, Nelson. Anuário Leite 2019, Embrapa, Dezembro de 2018

Alberto Figueiredo é engenheiro-agrônomo, membro da Diretoria Técnica da SNA-Sociedade Nacional de Agricultura e membro da Câmara Setorial do Leite do MAPA.