Diagnóstico específico entre as doenças é indispensável para realizar o tratamento adequado no rebanho
Desafio significativo para a pecuária bovina em todo o mundo, as hemoparasitoses afetam a saúde do rebanho e causam prejuízos econômicos consideráveis. Entre as enfermidades causadas por hemoparasitas, a tripanossomose e a tristeza parasitária bovina se destacam, entretanto, os agentes causadores dessas enfermidades são distintos.
A tristeza parasitária bovina é classicamente causada por protozoários intracelulares do gênero Babesia. Já a tripanossomose bovina, tem como agente o protozoário extracelular Trypanosoma vivax.
Conforme avalia o médico veterinário gerente de produtos da Linha Leite da Ceva Saúde Animal, Rafael Queiroz, a tripanossomose tem se mostrado um obstáculo crescente no rebanho bovino brasileiro, com casos relatados tanto no gado leiteiro, como no de corte.
“Com sintomas pouco específicos, a doença pode passar despercebida pelos pecuaristas e ser responsável por inúmeros prejuízos. Além da forma aguda (clínica), em que os sinais de doença são evidentes, a tripanossomose também pode se apresentar de forma subclínica e até mesmo crônica”, explica.
Segundo o especialista, os sintomas da manifestação clínica são mais intensos e podem evoluir para o óbito do animal, sendo um alerta importante a redução do apetite sem motivo aparente e a rápida perda de peso, febre intermitente, depressão, anemia intensa, salivação excessiva, diminuição na produção leiteira, aumento dos linfonodos (ínguas), incoordenação motora, diarreia, aumento das frequências cardíaca e respiratória, cegueira e dificuldade respiratória.
“Quando a tripanossomose se apresenta na forma subclínica, os sintomas são pouco específicos, porém, geram grande impacto na produtividade da fazenda, como o atraso no desenvolvimento corporal, redução nos índices reprodutivos (anestro, reabsorção embrionária precoce, queda na produção leiteira), aumento da ocorrência de outras enfermidades (comorbidades) até então controladas”, detalha.
Semelhanças
O médico veterinário destaca que na Tristeza parasitária os sinais clínicos são muito semelhantes aos da tripanosomose bovina, sendo o diagnóstico diferencial fundamental para a introdução do tratamento e de programas de controle, porém, no campo, esse diagnóstico entre as doenças é um desafio, pois ambas compartilham características que as tornam difíceis de distinguir apenas com base nos sinais clínicos.
Ainda é importante no estabelecimento do diagnóstico uma avaliação epidemiológica realizada pelo médico veterinário, quando o mesmo fará um estudo das condições que irão favorecer a cada uma das doenças.
Destaca-se entre as doenças, presença de vetores (transmissores) específicos, emprego de material compartilhado em aplicações injetáveis, histórico de entrada recente de animais no rebanho ou proximidade de outras propriedades com grande rotatividade de animais, presença de reservatórios silvestres ou domésticos que possam albergar os parasitas, dentre outros fatores.
Também é importante mencionar que os animais podem estar expostos a mais de um desses hemoparasitos, agravando ainda mais a situação. “Em muitas regiões, as áreas de endemia para essas doenças se sobrepõem, o que significa que os produtores podem lidar com ambas as enfermidades ao mesmo tempo. Isso contribui para a demora no reconhecimento do desafio presente no rebanho e aumenta substancialmente os impactos produtivos”, detalha Rafael.
Apesar das similaridades, existentes é importante esclarecer que as formas de contaminação mais comuns e o tratamento desses patógenos podem ser diferentes.
Agentes transmissores
No caso da tripanossomose, as principais fontes de transmissão incluem, principalmente, a reutilização de materiais que possam entrar em contato com o sangue de animais portadores e, posteriormente, utilizados em outros animais, como agulhas para aplicação de medicamentos ou vacinas, bisturis, canivetes, luvas de palpação retal e picada de moscas hematófagas (mutucas, moscas dos estábulos e moscas dos chifres).
Também pode haver a transmissão transplacentária, culminando com perdas de gestação ou nascimento de crias fracas que morrem logo a seguir.
Já no caso de contaminação por Babesia spp. e Anaplasma marginale, o carrapato é o principal agente transmissor. Entretanto, o uso de materiais compartilhados sem os devidos cuidados, além da presença de moscas hematófagas, também pode ser importante. Ambas também podem ser transmitidas de forma transplacentária, e esse fator deve ser levado em conta durante a implementação de programas de controle dessas enfermidades.
“Embora ambas afetem os glóbulos vermelhos dos bovinos e compartilhem sintomas semelhantes, o tratamento e o manejo dessas doenças são distintos. Portanto, a identificação correta do agente etiológico é fundamental para um diagnóstico preciso e para garantir um tratamento eficaz e reduzir os impactos negativos na saúde e na produção dos bovinos”, orienta o especialista.
Identificação
A utilização de exames laboratoriais é imprescindível para confirmar o tipo de microrganismo responsável pela sintomatologia apresentada pelo rebanho. Para o diagnóstico da tripanossomose podem ser empregados métodos sorológicos (RIFI ou Reação de Imunofluorescência Incompleta; ELISA; Imunocromatografia também denominado Teste Rápido).
Há também métodos moleculares (PCR). O diagnóstico direto através da detecção e identificação dos parasitos em amostras sanguíneas são os de “padrão ouro”. Entretanto, nos casos da tripanosomose (esfregaços sanguíneos corados, Teste do Microhematócrito o de Woo, análise de gota espessa, por exemplo) podem levar a erros quando os parasitos não são visualizados, uma vez que estes testes diretos possuem baixa sensibilidade (capacidade de detectar animais parasitados), pois necessitam de um número enorme de parasitos circulantes no momento da coleta das amostras. Este momento tem uma janela curta após a infecção.
“O diagnóstico diferencial preciso entre a tristeza parasitária e a tripanossomose é indispensável por várias razões. Cada doença requer um tratamento específico, e o tratamento incorreto pode não ser eficaz, e as medidas de controle não serem aplicadas convenientemente. A demora na identificação e, consequentemente na adoção do tratamento adequado, pode resultar em perdas econômicas significativas para produtores, incluindo a perda de animais, diminuição da produtividade e custos adicionais com tratamentos desnecessários”, conclui Queiroz.