A demanda mundial por gordura não pára de crescer. Existe, globalmente, um mercado de gorduras que gira em torno de US$ 222 bilhões. A gordura é um elemento fundamental para nossa nutrição, assim como as proteínas, aminoácidos, água e carboidratos. Porém, hoje o processo de produção de gordura animal é insuficiente, altamente impactante, e hostil ao meio ambiente.

Para falar um pouco mais sobre este universo, a Revista Animal Business Brasil entrevistou o ex-diretor da BRF e CEO da Cellva, Sérgio Pinto, um dos fundadores da startup que produz gordura em apenas 21 dias, sem abater um único animal.

De acordo com o executivo, a produção de gordura suína convencional demoraria quase três anos, incluindo o abate. “Enquanto falamos, existem mais de dois milhões de animais alojados, esperando por um abate que será desnecessário no futuro”, destaca o CEO. Confira a entrevista abaixo.

Startup Cellva – Juan Gasparin Fotografia

Animal Business Brasil: Como surgiu a ideia de produzir gordura em laboratório?

Sérgio Pinto: A necessidade de produzir alimentos de origem animal é gigante e, atualmente, tem um alto impacto ambiental, financeiro e social. Assim, desenvolvemos formas de produzir alimentos à partir de biotecnologia. A gordura desempenha um papel crucial na saúde humana, servindo como fonte de energia concentrada, facilitando a absorção de vitaminas, contribuindo para a integridade das células, atuando como isolante térmico e protetor de órgãos, sendo essencial na produção de hormônios e proporcionando sabor e saciedade aos alimentos. Não importa o ângulo, era necessário trazer maior e melhor disponibilidade para a produção de gordura, e é o que nos propomos a fazer. No momento, estamos em estágio laboratorial, mas ela será produzida em ambiente industrial no futuro, como outros alimentos.

Animal Business Brasil: Como funciona a técnica?

Sérgio Pinto: Inicialmente, são coletadas células do suíno que formam nosso biobanco de células,o que permite que nosso processo continue sem a necessidade de retornar ao animal. As células são, então, acomodadas em um ambiente que mimetiza o ambiente do organismo do animal, semelhante a um fermentador de cerveja, considerando temperatura, nutrientes para as células e tudo o que elas precisam para sobreviver e se multiplicar. Depois de se multiplicarem, essas células recebem nutrientes para produzir a gordura no seu interior. Ao final do processo, coletamos a gordura formada que pode então ser utilizada em alimentos. É importante frisar que nosso processo é 100% livre de transgênicos, ingredientes sintéticos ou embriões.

Animal Business Brasil: Quais os objetivos da implementação deste processo?

Sérgio Pinto: Produzir gordura animal com menor impacto ambiental, pois é um processo que utiliza menos água, consumo de terra, e, consequentemente, com menor pegada de carbono. O processo também é mais eficiente, haja visto que precisamos de apenas 21 dias para produção e o processo tradicional  dura, no mínimo, 24 meses. A gordura é produzida em um ambiente controlado sem a necessidade de abater animais, o que minimiza a chance de desenvolvimento de doenças zoonóticas (como gripe suína e aviária) e tem uma oportunidade de desenvolver gorduras com melhor entrega de sabor e qualidade nutricional.

Animal Business Brasil: De que forma ela contribui para a evolução do segmento?

Sérgio Pinto: Nossa ideia é que esta técnica seja uma evolução marcante no setor de gorduras, através de uma abordagem inovadora, utilizando biotecnologia para produzir gorduras de forma mais sustentável, consistente e flexível, atendendo às tendências de mercado voltadas à saúde, bem-estar animal e impacto ambiental. Essa tecnologia reduz a dependência de recursos limitados, oferece uma alternativa alinhada com as preocupações dos consumidores e, ao mesmo tempo, pode redefinir a indústria, desafiando os métodos tradicionais de produção de gorduras e promovendo uma maior responsabilidade ambiental.

Animal Business Brasil: Qual o custo dessa operação?

Sérgio Pinto: Atualmente, o custo da gordura cultivada é superior ao convencional por ser uma tecnologia em desenvolvimento. Com o avanço da tecnologia, e todo o trabalho feito na estruturação de uma cadeia de suprimentos adequada, o preço se tornará competitivo versus a gordura animal tradicional.

Animal Business Brasil: Quando a gordura de laboratório será liberada para uso no Brasil?

Sérgio Pinto: Nossas previsões é de que a gordura cultivada, que é o nome técnico, seja regulamentada no Brasil até ano que vem.

Animal Business Brasil: Quem serão os consumidores da gordura de laboratório?

Sérgio Pinto: A gordura cultivada suína pode ser consumida pelos mais diferentes públicos, desde carnívoros, flexitarianos, vegetarianos e veganos. Isso depende, principalmente, dos motivos pelos quais o consumidor defende em sua alimentação. Esse ainda é um produto novo e não existe um consenso entre os públicos, pois, por mais que a gordura tenha origem animal, ela não depende de abate de animal e é produzida de uma forma mais sustentável.

Animal Business Brasil: Já há mercado para este produto?

Sérgio Pinto: Sim, inclusive recebemos cartas de interesse e propostas de empresas do Brasil e exterior. Em breve teremos mais novidades.