Por Sávio Freire Bruno e Sthefany Paixão Marins Coutinho

Introdução

O tachã (Chauna torquata) é uma ave da ordem Anseriformes que pertence à família dos Anhimidae. Embora seja também conhecido como anhuma-do-pantanal ou anhuma-poca, é uma ave distinta da sua prima, a anhuma (Anhima cornuta), que pertence à mesma família. O nome tachã vem do seu chamado alto e estridente, que pode ser ouvido a longas distâncias e tem uma sonoridade semelhante a “tachã” (Sick, 1997; D’Angieri, 2003).

Seu nome científico, Chauna torquata, significa “pássaro com colar de pele rugosa”. Chauna (do grego esponjoso, poroso) faz referência ao aspecto rugoso da pele do pescoço do tachã, e torquata (do latim colar, colarinho) se refere a um anel de pele desnuda, nem sempre visível, presente ao redor do seu pescoço e localizado acima do colar de penas pretas (Sick, 1997).

O tachã possui uma plumagem em tons de cinza com algumas partes claras, esbranquiçadas. Apresenta um colar de penas pretas ao redor do pescoço, seguido por uma parte desnuda e uma plumagem branca na parte superior. Sua cabeça é ornamentada com vistoso penacho nucal. Além disso, essa ave apresenta outras peculiaridades: asas grandes e providas de dois esporões cada, sendo um maior, localizado na região do encontro (ou dragonas) da asa, e um menor um pouco mais abaixo (Sick, 1997); e pés grandes que permitem caminhar por áreas alagadas (D’Angieri, 2003).

A espécie não apresenta dimorfismo sexual evidente, embora a fêmea costumeiramente possua a plumagem do pescoço mais escura que a dos machos (Fig. 1), além de uma voz mais aguda (D’Angieri, 2003).

Fig. 1: Tachã (Chauna torquata), fêmea à esquerda e tachã macho à direita. Foto: Sávio Freire Bruno, Pantanal, MS, agosto de 2023.

Distribuição Geográfica e Ambiente Específico

O tachã é uma ave endêmica da América do Sul, abundante em regiões de vegetação pantanosa. Pode ser encontrado na Argentina, Uruguai, Brasil, Paraguai, Bolívia e Peru (Cramp, 1992). No Brasil, encontra-se nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, algumas porções do estado de São Paulo e toda a região Sul do país (Sick, 1997; Wikiaves, 2024).

Os tachãs vivem em campos e planícies alagadas, como lagoas, banhados e rios (Fig. 2), onde formam grupos para pernoitar e, por isso, são conhecidos popularmente como “guardiões do banhado”. São aves nativas do pantanal, mas podem ser encontradas no cerrado, habitando áreas de brejo e vegetação rasteira (D’Angieri, 2003).

Fig. 2: Tachã sobre uma planície pantanosa. Foto: Sávio Freire Bruno, Pantanal, MS, agosto de 2023.

Comportamento Social

Os tachãs são encontrados principalmente em pares ou em grupos (Nores; Yzurieta, 1980; Sick, 1997). São aves altamente territorialistas, utilizando sua vocalização aguda e estridente para alarmar a presença de estranhos em seu território. Os casais são frequentemente observados vocalizando juntos, em dueto, indicando forte proximidade entre os parceiros no que se refere à defesa do território. Os bandos também se reúnem para afastar intrusos, através de vocalizações e voos de perseguição ao indivíduo invasor (D’Angieri, 2003; Valle, 1991).

Os tachãs partilham seu território, convivendo bem com boa parte da comunidade biótica local (Fig. 3)., evitando, claro, espécies agonísticas, como eventuais predadores.

Fig. 3: Os tachãs podem conviver ao lado de tapicurus (Phimosus infuscatus), jaçanãs (Jacana jacana), capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) e muitas outras espécies. Foto: Sávio Freire Bruno, Pantanal, MS, março de 2023.

Hábitos Alimentares

Sabe-se que o tachã é predominantemente herbívoro (Cramp, 1992; Sick, 1997), alimentando-se principalmente de plantas aquáticas, incluindo suas folhas, brotos e sementes. Em terra firme, consomem gramíneas e outras plantas terrestres. Ocasionalmente, podem se alimentar de pequenos invertebrados, como insetos e moluscos, e qualquer animal pequeno que encontrem enquanto pastam (Sick, 1997).

Comportamento Reprodutivo

São aves monogâmicas, o que significa que os pares possuem uma relação de forte vínculo, sendo quase sempre observados juntos (Fig. 4).

Acredita-se que o período reprodutivo se estenda de julho a janeiro (Valle, 1991). Os ninhos são geralmente construídos com ramos e folhas emaranhadas, sempre sobre a água, onde a fêmea põe de dois a três ovos, e o casal se reveza na incubação durante cerca de 45 dias (Sick, 1997). Os filhotes nascem cobertos de penugem e ficam juntos dos pais até a próxima reprodução (Nores; Yzurieta, 1980; Valle, 1991).

Fig. 4: Um casal de tachãs em uma planície úmida. Foto: Sávio Freire Bruno, Pantanal, MS, fevereiro de 2019.

Estado de conservação

Quanto ao grau de ameaça de extinção, o tachã é classificado pela lista vermelha da IUCN (2016) na categoria de “pouco preocupante”. Entretanto, o habitat dessa espécie, o pantanal, têm sofrido inúmeros impactos de origem antrópica – como as alterações na dinâmica hídrica, os efeitos das mudanças climáticas e a forte ocorrência de incêndios – que vêm promovendo grandes perdas na biodiversidade em geral e ameaçando o bioma como um todo.

Referências bibliográficas:

ARAVENA, R. O. Notas sobre la alimentación de las aves. Buenos Aires: El Hornero, v. 4, p. 153-166, 1928.

BirdLife International. 2016. Chauna torquata. The IUCN Red List of Threatened Species 2016: e.T22679729A92826769. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2016-3.RLTS.T22679729A92826769.en.  Acesso em: 13 de maio de 2024.

CRAMP, S. Family Anhimidae. In: DEL HOYO, J.; ELLIOTT, A.; CARBOT, J. Handbook of the birds of the world,1, Ostrich to ducks. Barcelona: Lynx Edicions, v. 9, 2004.

D’ANGIERI, A. Tachã: o vigia do banhado. Itatiba: Brasil Ornitológico, v. 50, p. 24-25, 2003.

GARCIA, X. Ecologia alimentar da ave herbívora Chauna torquata no Taim, sul do Brasil. 77 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Ambientes Aquáticos Continentais) – Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande – UFRG, Rio Grande do Sul, 2015.

NORES, M.; YZURIETA, D. Aves de ambientes acuaticos de Cordoba y Centro de Argentina. Córdoba: Secretaria de Estado de Agricultura y Ganaderia, p. 37-38, 1980.

PINTO, O. Catálogo de aves do Brasil. São Paulo: Revista Museu Paulista, vol. 23, p.46-47, 1937.

SICK, H. Ornitologia brasileira. Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

VALLE, M. Sociabilidade e territorialidade em população de Chauna torquata (Oken), 1816 (Aves, Anseriformes, Anhimidae) na Estação Ecológica do Taim. 169 f. Dissertação (Mestrado em Zoologia) – Curso de Pós-Graduação em Zoologia, Departamento de Zoologia, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1991.

WIKIAVES (2024). Tachã (Chauna torquata). WikiAves, a Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <https://www.wikiaves.com.br/wiki/tacha> Acesso em: 17 de julho de 2024.

 

Sávio Freire Bruno é Professor Titular do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense; Professor Colaborador do Curso de Ciências Biológicas e do Curso de Ciência Ambiental (UFF).

Sthefany Paixão Marins Coutinho é Acadêmica do Curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Revisão de texto: Eduardo Sánchez

Foto de capa: Tachã (Chauna torquata). Por Sávio Freire Bruno. Pantanal da Fazenda Alegria, MS, 2018.