CID-10:B58 e
P37.1 Toxoplasmose congênita
Etiologia
Protozoárioscoccídeos intracelulares do Filo Apicomplexa, espécie Toxoplasma gondii, com um ciclo biológico complexo e constituindo-se importante patógeno de origem alimentar.
Distribuição geográfica
Está presente em todos os países, com soroprevalência variando entre 10% e mais de 95%, sendo uma das zoonoses mais difundidas.A prevalência é geralmente mais alta em climas quentes e úmidos e em áreas menos elevadas em relação ao nível do mar, favoráveis à sobrevivência e esporulação dos oocistos infectantes, e em populações mais velhas, devido a mais oportunidades de exposição durante a vida.
Ocorrência no homem
Apesar de a infecção ser comum, a doença é pouco frequente em pacientes imunocompetentes, capazes de manter os bradizoítos inativos, sem causar sintomas clínicos. Ganha importância à medida em que uma parcela cada vez maior da população vem se tornando imunocomprometida por variadas causas, embora não passe de um hospedeiro acidental, humano ou animal, a outro.A deficiência imunitária, além de agravar a doença clínica, parece facilitar a infecção.
Nas áreas onde a causa principal da infecção é a ingestão de solo contaminado, a taxa de infecção é elevada nas crianças por sua maior tendência a contaminar as mãos com terra. A doença clínica se apresenta em regra de forma esporádica e é de baixa incidência. Ocasionalmente se notificam pequenas epidemias atribuídas ao consumo de carne infectada ou água contaminada por fezes de felinos silvestres ou domésticos. Surtos podem ser relativamente frequentes em soldados realizando manobras de selva.
A toxoplasmose congênita ocorre em bebês após a infecção materna seguida por parasitemia e pode resultarem morte fetal e aborto ou em síndromes congênitas que incluem déficits neurológicos ou neurocognitivos e coriorretinite, hidrocefalia, microcefalia e calcificações cerebrais.
Ocorrência nos animais
A infecção foi comprovada em cerca de 200 espéciesde vertebrados que incluem primatas, ruminantes, suínos, equinos, carnívoros, roedores, marsupiais, insetívoros evárias aves. Os felinos silvestres tambémse infectam com o Toxoplasma. Entre os animais domésticos encontram-se altas taxas de reagentes em felinos domésticos e silvestres, ovelhas, cabras e suínos (provavelmente devido aos hábitos de pastejo), com taxas menores em equinos e caninos e relativamente baixas em bovinos. É importante assinalar que animais negativos em provas sorológicas podem estar infectados, o que é particularmente importante nos felinos, tanto pela importância epidemiológica quanto pela alternativa de aplicar a prova diagnóstica de detecção do agente nas fezes. Nos animais, assim como nos humanos, a taxa de soropositividade aumenta com a idade.
A presença do protozoário na carne de animais de abate é de especial importância em saúde pública, já que a carne malcozida é a principal fonte de infecção humana. Já foram encontradas taxas de mais de 50% de parasitose em ovinos e suínos, sendo os bovinos mais resistentes, embora relatos passados deem conta de isolamentos abundantes nesta espécie, o que hoje se acredita que tenham sido devidos à confusão com casos de infecção por Neospora caninum, coccídeo que só foi descoberto em 1988.
A doença no homem
Os sintomas podem variar, mas a maioria das pessoas não percebe a infecção, que pode se confundir com uma gripe ou mononucleose infecciosa no início da doença, com febre moderada,astenia, linfonodos infartados e dores musculares que duram um mês ou mais. A toxoplasmose severa, com encefalite e dores oculares e danos aos órgãos, pode se desenvolver a partir da doença aguda ou da reativação da infecção latente, geralmente a partir de uma baixa imunitária, embora danos visuais possam ser observados também em indivíduos imunocompetentes. Sinais e sintomas de toxoplasmose ocular podem incluir déficit visual, visão embaçada, dor, fotofobia, congestão ocular e lacrimejamento. A manifestação mais comum da toxoplasmose ocular é a retinocoroidite, mas também podem estar presentes estrabismo, nistagmo e microftalmia. Encefalite, retinite e pneumonia podem ocorrer em pacientes imunodeficientes. Muitas crianças infectadas intrautero não apresentam sintomas ao nascimento, mas podem desenvolver a doença ao longo da vida. Uma pequena parte dos recém-nascidos infectados tem danos cerebrais e oculares mais graves ou febre, erupções, pneumonia, hepatomegalia e esplenomegalia.Adolescentes podem apresentar uma forma da doença com uveíte posterior, como reativação tardia de uma toxoplasmose congênita inaparente ou adquirida. A patologia obedece à destruição de células do organismo hospedeiro durante a multiplicação dos taquizoítos, bem como às citocinas produzidas durante a resposta imunitária.
A doença nos animais
Como no humano, a infecção é comum e a doença clínica pouco frequente, e apresenta-se de forma similar, com particular importância em pequenos ruminantes por causar abortos e mortalidade neonatal e doenças nos recém-nascidos, com repercussão econômica. A mortalidade perinatal pode chegar a 50%. A infecção das ovelhas entre os 45 e 55 dias de gestação geralmente ocasiona morte fetal, e aos 90 dias de prenhez geralmente origina cordeiros com a forma congênita da doença – apresentando quadro de incoordenação e debilidade muscular, não conseguem se alimentar. A partir dos quatro meses de prenhez, os cordeiros podem nascer infectados, porém assintomáticos.A doença em ovinos adultos éexcepcional, e há autores que defendem que as ovelhas, e não os camundongos, sejam os modelos ideais de estudo da toxoplasmose congênita humana. Em suínos foram reportados pneumonia, encefalites e abortos, e a doença pode se apresentar em surtos epizoóticos. Em cães, a taxa de infecção é alta e a doença clínica, mais rara, podendo ocasionar quadros clínicos parecidos com o da cinomose. Em gatos, a taxa de infecção é alta, mas tanto a doença intestinal quanto a sistêmica podem ser assintomáticas, havendo casos com manifestações generalizadas, intestinais, encefálicas eoculares, particularmente em gatos jovens, que podem apresentar diarreia, hepatite, miocardite, miosite, pneumonia e encefalite. Já foi observada em coelhos, cobaios e outros animais de laboratório, às vezes com resultados fatais e, como constitui forte estímulo para as reações de linfócitos T helper do Tipo 2 (imunidade mediada por células), a infecção em animais de laboratório pode interferir com resultados de experimentos. Em aves pode ser frequente, mas raramente com sintomas – focos necróticos em fígado, baço e pulmões são observados em casos agudos.
Fonte de infecção e modo de transmissão
Não é transmitida de pessoa a pessoa, exceto na transmissão materno-fetal (congênita) e transfusão sanguínea ou transplante de órgãos. Pessoas e animais geralmente se contaminam pela via digestiva,sendo a contaminação resultante, geralmente, da ingestão ou manipulação (contaminação cruzada) de carnes cruas (principalmente ovina, suína ou de caça) ou malcozidas contendo cistos teciduais (estrutura microscópica que consiste de bradizoítos latentes). Mais raramente, pode resultar do contato direto ou consumo de água ou comida contaminada por oocistos esporulados em fezes de felinos com infeção ativa.
A ingestão acidental de oocistos por contaminação cruzada pode ocorrer também por manipulação de objetos contaminados após realizar higiene de gatos, por isso a lavagem das mãos deve ser cuidadosa e imediata após a limpeza da caixa de areia de gatos ou o retorno de passeios em parques. Solo contaminado também é uma fonte importante de infecção, por isso frutas e vegetais devem ser bem lavados e tratados antes do consumo, bem como deve-se ter especial atenção com as superfícies e utensílios que possam ter tido contato com vegetais antes da lavagem e com terra, como os instrumentos de jardinagem. Esta parece ser uma fonte de contaminação consistente, uma vez que se relaciona com taxas de prevalência de Toxocara, também contraído de terra contaminada.
Técnicos de laboratório que manipulam sangue infectado também podem adquirir a infecção através de inoculação acidental.
A transmissão congênita também ocorre nos animais, mas só é frequente e importante nos pequenos ruminantes, porque sua carne é fonte mais comum de infecção humana.
Papel dos animais na epidemiologia
Os felinos são indispensáveis para a finalização do ciclo biológico do parasita. Eles se infectam após ingerir bradizoítos encistados na musculatura de roedores, pássaros ou outros animais pequenos, multiplicam-se no epitélio intestinal e são eliminados nas fezes na forma de oocistos. Entre um e cinco dias após a eliminação, os oocistos esporulam e se tornam infectantes.
Gatos eliminam milhões de oocistos por no máximo três semanas após a infecção, depois se tornam imunes. Gatos adultos, portanto, são preferidos em populações sob risco, pois geralmente já foram expostos e não eliminam mais oocistos. A caixa de areia, contudo, pode persistir contaminada, se é usada desde filhote. Assim também persistem os oocistos infectantes no ambiente, resistentes a desinfetantes, congelamento e dessecação.
Apesar da importância dos felinos para o ciclo da doença, a infecção humana não se relaciona com a presença de gatos, já que envolve a contaminação pela via digestiva e os gatos geralmente só eliminam oocistos durante uma ou duas semanas.
Diagnóstico
O grande desafio ao diagnóstico é ser lembrada na doença aguda, facilmente confundida com manifestações clínicas de outras doenças.
Existe bastante confusão quanto ao diagnóstico. A positividade em exames sorológicos para detecção da IgG específica significa apenas que o indivíduo foi infectado em algum momento de sua vida, geralmente com a persistência do bradizoíto encistado na forma latente e sem causar doença. O diagnóstico específico pode ser efetuado por visualização direta do parasito em fluidos ou tecidos dos pacientes agudos ou a partir da inoculação destes pela via intraperitoneal em camundongos. Podem ser usadas provas sorológicas como a coloração de Sabin-Feldman (padrão ouro), prova de aglutinação direta (detecta apenas IgG, mas é barata e simples), prova de hemaglutinação passiva (IgG), imunofluorescência indireta (IFI) (detecta IgM). Preferidas, provas sorológicas de ELISA (enzyme linked immunoabsorbent assay) IgM duplo sanduíche ou de capturaeliminam a interferência de IgG e do fator reumatóide, presentes na IFI. Um ELISA para detecção de IgA foi desenvolvido para diagnóstico de toxoplasmose no recém-nascido. Para pacientes grávidas, o teste de avidez de IgG permite acompanhamento da doença e do tratamento.
A reação em cadeia da polimerase (PCR) pode comprovar a presença do DNA do parasita em fluidos adultos ou fetais. A prova intradérmica de toxoplasmina revela apenas infecções antigas, pois a positividade aparece após meses de infecção.
O diagnóstico de infecção intestinal em felinos se faz por técnicas de flutuação de fezes e observação de oocistos pequenos e imaturos característicos, mas é difícil encontrar gatos positivos porque só eliminam oocistos durante uma a duas semanas, apóstrês a 21 dias da primoinfecção.
Controle
Mulheres grávidas ou planejando gravidez devem conhecer seus títulos de IgM e IgG contra a doença e realizar o tratamento e acompanhamento médico quando for o caso, para bloquear a transmissão ao feto, caso tenham a doença ativa. Da mesma forma, pessoas imunossuprimidas devem conhecer seus títulos de anticorpos e discutir os possíveis tratamentos com o médico. Geralmente o tratamento não é necessário em pessoas que não estejam grávidas.
Siga regras gerais de segurança alimentar, válidas para outras doenças:descasque ou lave bem as frutas e legumes com sabão e água morna antes de consumir; não coma ostras e crustáceos crus ou malcozidos;não tome leite de cabra não pasteurizado; não prove alimentos antes da cocção completa e tenha o cuidado de lavar bem com sabão e água morna para quente as superfícies e utensílios que tenham entrado em contato com alimentos crus ou parcialmente cozidos, antes de manipular alimentos prontos.
Cozinhe os alimentos a temperaturas seguras. Pessoas nas quais o risco deve ser minimizado ao máximo, como gestantes, devem usar um termômetro culinário, que possa ser inserido na parte mais central do alimento para medir a temperatura interna. Tente cozinhar cortes inteiros a no mínimo 63° C (temperatura interna) e esperar ao menos três minutos antes de cortar ou servir. Carne moída deve ser cozida a no mínimo 71ºC e repousar por três minutos antes de servir, da mesma forma. Aves carecem de ainda maior cuidado, devendo ser cozidas a 74° C e repousando pelos mesmos três minutos.Não use fornos de micro-ondas para cozinhar carne, pois eles não cozinham de maneira homogênea.Congelar os alimentos por no mínimo três dias a –15 °C ou 2 dias a –20 °Creduz bastante a chance de infecção.
Use luvas para jardinagem ou para qualquer forma de contato com o solo ou areia e lave bem as mãos com sabão e água morna após esse contato. Ensine às crianças a importância de lavar bem as mãos, mantenha caixas de areia exteriores cobertas e combata moscas e baratas que possam veicular mecanicamente o agente.
Limpe diariamente a caixa de areia dos gatos com água fervente – os oocistos não são infectantes até que esporulem, o que ocorre um a cinco dias após a eliminação. Lave bem as mãos com água morna e sabão antes de tocar qualquer outra coisa após fazer esta limpeza. Tente manter os gatos dentro de casa para que não cacem, alimentados com rações industrializadas ou comida bem cozida, nunca crua. Se grávida ou imunocomprometido, não adote gatos filhotes, preferindo adultos; se sorologicamente positivos para T.gondii, tanto melhor. Da mesma forma, estes grupos de risco devem ser afastados de trabalhos onde tenham contato com areia ou terra possivelmente contaminadas.Idealmente, gatos e outros felinos deveriam ser afastados de estábulos e pastos.
Procure sempre um veterinário para acompanhar a saúde dos gatos.