Introdução

O tucanuçu é considerado o maior representante da família Ramphastidae, da qual pertencem os tucanos, araçaris e saripocas. A família se distribui em seis gêneros e aproximadamente 33 espécies de aves arborícolas residentes da região neotropical. Seus representantes possuem áreas nuas e coloridas ao redor dos olhos, língua alongada e fina, e um bico cumprido, dentado e colorido. Vivem em bandos e não possuem hábitos migratórios, mas se deslocam constantemente na copa das árvores.

O termo ‘Ramphastos’, de seu nome científico, é uma referência ao longo bico, comparando-o a uma espada, enquanto o termo ‘toco’ está relacionado ao local onde nidifica. Há duas subespécies: Ramphastos toco toco e Ramphastos toco albogularis. É também conhecido como tucano-toco. Em certos estados, como em Goiás e no Rio Grande do Sul, ele é conhecido como “tucano-boi”, pois, de acordo com a literatura, os chamados graves emitidos quando ele vocaliza lembram, para alguns, o mugido do gado. Diríamos que lembra um grunhido grave, baixo, áspero e sequenciado que lembra um arranhar de garganta, como diria o grande ornitólogo Helmut Sick: “rrrrá” e “rrrro-rrrro”.

O tucanuçu não apresenta dimorfismo sexual aparente, embora machos possam ter o bico maior e a cabeça mais robusta. Adultos medem de 55 a 61 cm, pesando em torno de 540 gramas, possuem um grande bico amarelo-alaranjado que pode ser maior que o próprio corpo, com uma grande mancha negra na ponta do bico e outra mancha menor na ponta da maxila. Apesar de o bico ser resistente e proporcionalmente maior que o de outras aves, em relação ao seu corpo, ele é leve e aerodinâmico devido à sua estrutura interna formada de tecido ósseo esponjoso, gerando espaços vazios, sendo coberto por camadas epidérmicas de queratina que crescem constantemente. Embora seja forte, não é adaptado para triturar ou cortar. Por ser muito vascularizado, o bico pode atuar também como uma caixa de ressonância e dispersor de calor. Além disso, ele é usado com grande habilidade, como uma pinça para capturar o alimento, apanhando pequenas presas ou separando pedaços de alimentos maiores.

Os adultos possuem uma área de pele nua em volta dos olhos de cor laranja ou amarela e pálpebras azuis. O negro predomina na sua plumagem, sobressaindo o papo branco, frequentemente marginado de vermelho, o uropígio (plumagem da base da cauda) branco e o crisso vermelho. O peso do corpo é contrabalanceado pelas asas curtas, a cauda longa e a força dos pés zigodáctilos, com dedos bem desenvolvidos. Indivíduos juvenis possuem o bico curto de cor mais discreta (em amarelo sem a nódoa negra) e pele em volta dos olhos menos pigmentada.

Tucanuçu: vocaliza emitindo séries de grunhidos baixos e profundos, como “rrrrá” e “rrrro-rrrro”. Entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra, 2015.

Distribuição geográfica

O tucanuçu ocorre na Argentina, Bolívia, Brasil, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e na região sudeste do Peru. Tem preferência por ambientes abertos, campestres, com forte ocorrência no Cerrado brasileiro. Neste bioma, é bastante frequente ao longo das matas ciliares, onde encontra grande diversidade de plantas e animais.
Sua distribuição geográfica, no entanto, inclui grande parte do Brasil, exceto no litoral nordestino.

Distribui-se em regiões campestres do interior da Amazônia, como Manaus e Foz do Amazonas. É o único ranfastídeo brasileiro que não vive exclusivamente na floresta, habitando matas de galeria, capões, pastos, campos abertos e arbustivos, ilhas fluviais e algumas áreas suburbanas.

Atualmente está presente na Mata Atlântica e, possivelmente, sua expansão a estados, como o Rio de Janeiro, ocorreu, presumível e principalmente, devido ao desflorestamento deste bioma, havendo, concomitantemente, perda de área em suas regiões nativas, como as áreas campestres naturais.

A espécie tem se adaptado a ambientes transformados pela ação humana e suas populações avançaram expressivamente nestes ambientes, particularmente, no sudeste brasileiro.

Conservação

De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), seu status de conservação é considerado “pouco preocupante”, embora o tamanho da população não esteja quantificado. Tampouco se encontra na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção, instituída pelo Brasil.

O tucanuçu possui relevante importância ecológica, já que participa da dispersão de sementes de árvores nativas, contribuindo para a regeneração de florestas. É a espécie mais abundante do seu gênero no Pantanal, sendo responsável por 83,3% da dispersão de sementes de manduvi, árvore utilizada para ninho das araras-azuis. Por outro lado, também ocupa os ninhos artificiais que têm sido utilizados para essas araras, predando inclusive, os ovos e ninhegos de araras-azuis ali presentes, configurando um desafio para o manejo conservacionista.

Estudos que visem à conservação do tucanuçu são fundamentais para garantir sua sobrevivência e a diversidade biológica como um todo.

Tucanuçu se alimentando do fruto de Cecropia sp. (Embaúba). Miracema, RJ. 2015.

Dieta

O bico do tucanuçu atua como uma pinça, sua ponta captura pequenos frutos e também bica frutos maiores, removendo pedaços. Para ingerir o alimento, o animal lança seu bico para cima e o alimento cai na garganta, sendo engolido enquanto o bico ainda se mantém aberto para o alto.

A maioria dos estudos relaciona sua dieta à frugivoria, inclusive de frutos cultivados. Frutos de cores chamativas indicam que estão maduros e nutritivos, atraindo seus dispersores. Embora alguns autores relacionem sua dieta a frutos, o tucanuçu é também um eficiente predador, pois parte importante da sua dieta é composta por artrópodes, insetos e pequenos vertebrados, como roedores, répteis, anfíbios e outras aves. Durante a predação, o animal por vezes invade os ninhos de outras aves e consome seus ovos ou ninhegos, sendo perseguido por aves que estejam nidificando.

Hábitos

O tucanuçu é uma ave de hábitos diurnos. Durante o dia é possível enxergar com mais facilidade a cor vistosa dos frutos e os possíveis ninhos com ovos ou filhotes. Podem ser avistados sozinhos, aos casais ou em bandos de até vinte integrantes, que se mantém alerta a chegada de todo tipo de ameaça. Quando ameaçados pela presença humana, voam de um a um, rapidamente, podendo permanecer um remanescente, que por último, se deslocará.

Mesmo com casais ou grupos pequenos, é possível avistá-los voando no mesmo sentido e direção, semelhante a uma fila indiana. Durante o voo, mesmo que isoladamente, o bico se mantém reto e alinhado ao pescoço enquanto as batidas das asas se alternam de curtas e rápidas a um planar mais demorado. Gostam de pousar sobre árvores altas e movem-se em suas copas em pequenos saltos.

Para dormir, costumam se abrigar em ocos de troncos ou no meio de folhas na copa das árvores. Para tanto, o animal vira a cabeça e descansa o bico por cima das costas, escondendo-o sob as asas, enquanto dobra sua cauda sobre o dorso cobrindo a cabeça.

Casal de tucanuçu (Ramphastos toco). Entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra, 2020.

Reprodução

Formam casais na época da reprodução e constituem bandos após a saída dos filhotes do ninho. Para o preparo do ninho, utilizam túneis em buracos, barrancos, cupinzeiros (com ninhos pica-pau-do-campo) ou ocos em árvores altas ou estirpes mortas. Estes ocos podem ter sido deixados por outras aves ou podem ainda estar ativos, com seus ocupantes sendo expulsos. Por não conseguir escavar com seu bico, o tucanuçu só reajusta ocos já existentes para se adequarem à sua maneira, arrancando, por exemplo, pedaços de madeira podre com o bico para aumentar a abertura ou o interior do ninho. Colocam de dois a quatro ovos.

Ainda existem poucas informações sobre sua biologia e comportamento reprodutivo, sendo estas oriundas de observações realizadas em cativeiro e de estudos com descrições comportamentais fora do período reprodutivo. É comum a morte ou desaparecimento de ovos e filhotes, evidenciando um dos motivos pelo baixo número de filhotes que chegam à fase juvenil. Há estudos reprodutivos que descrevem a agressividade e o consumo dos ovos pelos próprios pais nesse período, enquanto outros indicam que indivíduos adultos permanecem boa parte do tempo sobre os ovos durante a incubação, mostrando o intenso cuidado, tanto pela fêmea quanto pelo macho, nesta etapa. Entretanto, a carência de maiores pesquisas compromete o manejo do tucanuçu, afetando negativamente na sua reprodução.

Saúde

Ainda não existem muitas informações sobre as principais enfermidades em populações de vida livre. Estudos sobre sua saúde e aspectos biológicos, como os aspectos reprodutivos, assim como estudos ecológicos são importantes para fornecer informações para futuras avaliações sobre a espécie em seu ambiente natural e criar medidas para sua conservação. Sabe-se que doenças endoparasitárias são comuns em aves silvestres, podendo afetar o comportamento e comprometer o desenvolvimento reprodutivo dessas aves ou podem ser assintomáticas. Em casos sintomáticos, essas infecções geram debilidade, perda de peso, anorexia, diarreia ou levam à morte.

Entendemos, no entanto, que se faz necessária uma justificativa muito bem fundamentada, a exemplo, de um indivíduo de tucanuçu mantido sob cuidados médicos visando sua recuperação frente a um resgate, para mantê-lo cativo. Nenhuma justificativa de manutenção da espécie para fins ornamentais e/ou com animal de companhia é compreensível.

Em indivíduos cativos já foi registrada a presença do parasita Balantidium spp., causador de zoonoses, infectando profissionais que cuidam dessas aves, como veterinários e biólogos. Em filhotes de tucanuçu de vida livre já foram encontrados ovos de Heterakis sp. e oocistos de Eimeria spp., não havendo sinais de alterações clínicas.

Ameaças

Os tucanos estão entre as aves mais visadas para o comércio ilegal de animais silvestres no Brasil. O tucanuçu é ameaçado principalmente pela fragmentação de seu ambiente natural e pelo tráfico de animais. O declínio de sua população está relacionado à pressão da caça para consumo de alimento humano ou para adoção, como animais de estimação.

As dificuldades enfrentadas pelas ações fiscalizatórias são grandes desafios para mitigar a pressão negativa sobre as populações de vida livre.

No Brasil, as aves comumente encontradas em zoológicos e viveiros são provenientes de apreensão do tráfico. A busca dessas aves para o comércio ilegal ainda não modificou sua categoria de “pouco preocupante”, mas o crescente interesse pela espécie é uma ameaça que, junto ao baixo índice reprodutivo em instituições brasileiras e ao decrescente crescimento populacional pode ser motivo de preocupação em relação à sua conservação.

Desta forma, podemos perceber que ações que promovam a conservação do hábitat natural da espécie, assim como a melhoria na atividade fiscalizatória, o estímulo à realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental são fundamentais para contribuir com a preservação das populações do tucanuçu.

Obras consultadas

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Fotografias: Sávio Freire Bruno