Enquanto isso, no passo típico e apropriado do Jeca Tatu, segue implacável a arte dos poetas anarquistas dos pinceis! Aquela mesma que, na França, batizaram “naïf” (ingênua), para tentar desprestigiá-la nos jornais, com toda aquela sua espontaneidade e simplicidade temática!

Ela é uma arte que está sempre, desde o seu início, a desafiar os espaços culturais e os salões nobres. Desrespeitando mostras seletivas, ela vai abrindo mais e mais lugares, para acolher eventos e artistas do estilo. A arte naïf, também chamada de primitivista ou popular, luta contra preconceitos e apresenta a temática cotidiana e simplória, na qual o mais importante da obra e a capacidade de tocar e emocionar corações.

Artistas simples, humildes, não pretendem posar como intelectuais ou grandes mestres; são artistas que merecem o maior respeito, não pelo que têm, mas pelo que são como gente! Gente de raízes, de comprometimento com o barro do chão, da terra de suas cidades; são pessoas contadoras de histórias, autênticas representantes da cultura popular, daquelas que jamais abandonam o cotidiano. São críticos sim, mas não são metidos a besta, querendo ser melhores do que os outros. Simplesmente, são!

No Brasil, preferem personagens simples, daquele tipo de gente do interior, caboclos, sertanejos, ribeirinhos, denominados caipiras, sertanejos e jangadeiros, habitantes do nosso imenso litoral, selvas e sertões; são negros, índios, mulatos, cafuzos e brancos que estão por séculos a caldear nossa raça.

Uma afeição especial por animais

Os autênticos artistas naïfs brasileiros, justamente por isso, são notadamente amantes da nossa fauna e da nossa flora. Sempre atentos ao meio ambiente, amam especialmente os animais típicos da natureza tropical brasileira, das águas doces e salgadas, mas também das fazendas e sítios caboclos do imenso interior brasileiro.

Nada impede de pintarem animais exóticos, como podemos ver nas composições de circos e zoológicos, desde que exista, na narrativa poética de suas telas, uma razão forte para isso, mas, a preferência é por animais bem verde-amarelos. Raríssimos são aqueles que não incorporam nas suas telas, sempre muito coloridas, as figuras dos animais de estimação ou de serviço nas fazendas. O boi, o cavalo, o porco, o bode e as galinhas concorrem entre os animais mais presentes nas telas ingênuas; porém, acredita-se que os gatos e os cachorros se destacam por serem mais domésticos do que os demais. É bem verdade, não vamos esquecer, muitos peixes e aves frequentam o imaginário da arte animal desses pintores brasileiros.

 

A leitura de arte animal

Como um exemplo dessa profunda e íntima ligação da arte naïf com os animais, escolhemos para mostrar o trabalho denominado “O Piraquara!” (Alcunha que se dá aos habitantes das margens do rio Paraíba do Sul (RJ e SP)).

A imagem por si mesma comunica o drama cotidiano, fácil de ser verdade em alguma margem de açude ou brejo, onde o esquálido menino, frutificado na miséria alimentar, busca na paupérrima oferta da pescaria, todos os dias, algumas poucas gramas de proteína.

Essa é a narrativa poética do artista Rocha Maia, que, com alguns elementos de semântica de imagem, transporta aquele que olha a obra, para um ambiente de tapera, com paredes de taipa de mão, chão empoeirado e seco. Como se alguém pedisse por uma fotografia, o menino cheio de pejo, usando óculos escuros (Sabe lá Deus por quê!), chinelos de dedo e roupa esmolambada, esconde alguma coisa nas costas.

Aí é que entra ingenuidade da nossa imaginação, fazendo com que se olhe para a parte de baixo do quadro, onde realmente reside o foco do interesse da arte animal. O vira-latas marotamente busca por trás das pernas do moleque o abrigo protetor. Rodeando o peixinho que pende da vara de pesca, há umas moscas voando. Sinal de que o fruto da pescaria já pede para ser devidamente cozinhado, caso contrário vai estragar no calor. Na outra mão outro peixinho está pendurado e possivelmente será somente esse o resultado da pescaria. Mais um dia de alimentação fraca.

Por fim, a gata malandra amarelada, bem junto da parede, olha de maneira ambiciosa para o petisco que poderá abocanhar, caso a fome aperte e os demais companheiros de pescaria não cuidem bem da partilha. A barriga roliça da felina mostra ser esperta e ladra; a cadelinha magricela irá defender a sua parte, e o garoto saberá retribuir a fidelidades de ambos, com algumas sobras de sua magra refeição daquele dia.

Para conhecer mais da arte de Rocha Maia: https://www.deslumbrart.com/