Resumo

O exame andrológico é altamente específico e completo, fundamenta-se na avaliação de todos os fatores que contribuem para a função reprodutiva. O conhecimento de aspectos anatômicos e endócrinos específicos do reprodutor auxiliam para a realização do exame. Inicia-se com o exame clínico geral, seguido pelo exame específico dos órgãos genitais externos por inspeção e palpação, e os órgãos internos são examinados por palpação retal. Após a aprovação do animal no exame clínico, procede-se a avaliação seminal, baseada na motilidade, vigor, turbilhonamento, concentração e morfologia espermática. Estes parâmetros classificam o macho como apto ou inapto para a reprodução. No presente trabalho foram analisados cem touros da raça Nelore oriundos de seis propriedades localizadas no estado do Tocantins, resultando em 81 aptos, com circunferência escrotal média de 38,5 cm, turbilhonamento 3, vigor 3 e motilidade de 70 %.

Palavras-chave: andrológico, bovinocultura, Bos indicus.

Introdução

O Brasil é um dos maiores representantes mundiais na produção e comercialização de carne bovina, devido principalmente a um processo de desenvolvimento que resultou no aumento da produtividade e da qualidade do produto brasileiro tornando-o competitivo no mercado internacional (GOMES et al., 2017). A bovinocultura de corte é praticada em todo o território nacional com diferenciações nos sistemas de produção que podem ser intensivos, semi-intensivos e extensivos e nas variações das raças, predominando animais com genética zebuína, especialmente a raça Nelore, por sua rusticidade e melhor adaptação às diferentes condições climáticas (LIMA et al., 2009).

O avanço da pecuária de corte no Brasil, com o auxílio da tecnologia para melhoramento reprodutivo e ganho genético, faz com que os produtores tenham uma demanda maior por animais de alto desempenho reprodutivo. A escolha ou seleção dos reprodutores para criar futuras gerações é fundamental na determinação do futuro reprodutivo do rebanho e pode também ter impacto na futura performance reprodutiva (BALL e PETERS et al., 2006). Ao se considerar o touro isoladamente nos plantéis, conclui-se que a importância da fertilidade do macho é muito maior do que a de qualquer outra categoria, visto que o touro contribui com 50% do material genético nos rebanhos (BARBOSA et al., 2005).

O exame andrológico é altamente específico e completo, fundamenta-se na avaliação de todos os fatores que contribuem para a função reprodutiva normal do macho. Por esse exame podem ser detectadas alterações do desenvolvimento do sistema genital, alterações regressivas, progressivas e inflamatórias nos diversos órgãos, bem como distúrbios na libido e na habilidade de cópula. Essas alterações levam tanto à incapacidade de fecundação como de monta, em vários graus, caracterizando quadros de subfertilidade ou de infertilidade (OLIVEIRA et al., 2009).

Exame andrólogico

O Certificado do Exame Andrológico deve conter informações sobre o proprietário, propriedade e animal. Sobre o animal, as seguintes informações são necessárias: espécie, raça, nome, tatuagem, número do registro, data de nascimento, peso e filiação.

Poderão ser questionados entre outros os seguintes itens, no seu todo ou em partes, dependendo do objetivo do exame:

  • Data da constatação das alterações;
  • Evolução do processo em curso;
  • Tratamentos executados e respostas clínicas;
  • Situação sanitária e reprodutiva do rebanho ou grupo de animais;
  • Regime de atividade sexual (monta natural / doador de sêmen);
  • Índice de prenhez;
  • Condição de manejo e alimentação (CBRA, 2013).

O reprodutor deverá ser avaliado por meio da inspeção quanto à normalidade dos diversos sistemas (respiratório, circulatório, nervoso, digestivo, locomotor), tanto em repouso como em movimento, com atenção para os aprumos, os cascos e as articulações. O sistema locomotor merece atenção especial, face à sua importância, tanto para caminhar em busca de alimento e para procurar por fêmeas em cio como para efetuar a cópula. Deve estar em boa condição geral e com tamanho, peso e conformação normal para sua raça e idade (BARBOSA et al., 2005).

O estado corporal do reprodutor deve ser referido no laudo e pode-se empregar o escore de condição corporal (ECC) cujos valores variam de 1 a 5, sendo que o 1 representa o pior estado e o 5 a condição de obesidade (CBRA, 2013). Os órgãos genitais externos são examinados por inspeção e palpação, já os internos são examinados por palpação retal (MARIANO et al., 2015). Verificam-se no(s) órgão(s) as dimensões, a consistência, a simetria, a mobilidade (quando aplicável), a sensibilidade de cada segmento, avaliando-se a compatibilidade dos achados, com o desenvolvimento corporal e com a idade, registrando-se quaisquer alterações encontradas (CBRA, 2013). O escroto deve ser examinado quanto a espessura da pele, sensibilidade, mobilidade, temperatura, presença de ectoparasitas, aderências e possíveis lesões de pele (MARIANO et al., 2015). Os testículos devem ser tracionados para dentro da bolsa escrotal e examinados quanto a presença, forma, simetria, consistência, mobilidade dentro do escroto, posição, temperatura, sensibilidade, tamanho e principalmente biometria. O tamanho dos testículos pode ser facilmente estimado, medindo-se a circunferência escrotal (CE). Essa medida é de fácil obtenção por meio de fitas específicas (BARBOSA et al., 2005).

A circunferência escrotal deve ser medida com o touro em estação e a fita métrica deverá ser colocada na porção central do escroto, onde o diâmetro testicular é maior (FERNANDES e MORAES et al., 2009).
Como os valores variam com a raça e a idade, entre outros fatores, utiliza-se a tabela de referência dos valores mínimos de circunferência escrotal (cm) nas diferentes idades para zebuínos (Tabela 1).

Tabela 1: Circunferência escrotal mínima de touros zebuínos, classificados por idade.

Idade (meses)Circunferência escrotal (CE)
7 < 12> 17,5
12 < 18< 21,5
18 < 24> 26
24 < 36> 29,0
36 < 48> 30,5
> 48> 33,0

Fonte: BIF, 2002

A temperatura dos testículos no escroto deve ser mantida a 2 a 6°C abaixo da temperatura corporal para que a função testicular seja satisfatória. A manutenção da temperatura testicular fisiológica depende de fatores que envolvem escroto, plexo pampiniforme, cordão espermático e vascularização interna. Falhas na termoregulação favorecem a degeneração testicular, levando ao aumento dos defeitos morfológicos dos espermatozóides, redução da qualidade seminal e fertilidade (ABREU et al., 2017). Também devem ser examinados detalhadamente os epidídimos, cordões espermáticos, pênis, prepúcio e glândulas anexas.

Espermiograma

O volume do ejaculado deve ser lido diretamente no tubo de colheita e expresso em mililitros. De acordo com Gonçalves et al. (2014) o volume do sêmen colhido em touros pode variar entre 0,5 e 25 mL, sendo de 2 a 10 mL quando obtido com a vagina artificial e de 5 a 14 mL na eletroejaculação. A aparência pode ser cremosa, leitosa, opalescente ou aquosa. A aparência cremosa corresponde a altas concentrações espermáticas e a aquosa indica baixas concentrações. Deve-se avaliar o turbilhonamento, que se caracteriza por movimentos em forma de ondas observado em uma gota de sêmen puro. A intensidade é resultante da motilidade, do vigor e da concentração espermática. A avaliação do turbilhonamento é realizada colocando-se uma gota de sêmen sobre uma lâmina previamente aquecida a 37°C. O movimento é observado em microscópio ótico ou de contraste de fase utilizando-se objetiva de 10 x (o que, com ocular 10 x, resultará em 100 x). A interpretação é subjetiva e é expressa usando-se uma classificação de zero a cinco, em que zero é a ausência de turbilhonamento e cinco o valor máximo dado a um acentuado movimento de massa (CBRA, 2013).

A motilidade representa o número de espermatozóides móveis, expressa em porcentagem. É uma avaliação subjetiva. O exame é realizado colocando-se uma gota de sêmen em uma lâmina coberta por uma lamínula previamente aquecida a 37°C e observada no microscópio com objetiva de 10 a 40 x (PALHANO et al., 2008). Para efeito de avaliação, uma motilidade progressiva média de 70% tem sido adotada como valor de referência, com variação de 40 a 80% (GONÇALVES et al., 2014).

O vigor expressa a velocidade do movimento de espermatozóides com motilidade progressiva. A avaliação é subjetiva e o resultado deverá ser expresso de zero a cinco, de acordo com a velocidade do movimento progressivo:

  • 0: ausência de movimento progressivo;
  • 1: movimento lento;
  • 2: movimento ativo;
  • 3: movimento bastante ativo;
  • 4: movimento muito ativo;
  • 5: movimento vigoroso (CBRA, 2013).

A concentração representa o número de espermatozóides por unidade de volume ejaculado, por contagem em câmara de Neubauer (BARBOSA et al., 2005). A concentração sofre variações devido a fatores extrínsecos, como o método de coleta, a frequência de atividade sexual do reprodutor, o condicionamento, e fatores intrínsecos, como a idade o tamanho e estado de higidez testicular (CBRA, 2013).

A concentração normal em bovinos varia entre 0,2 a 2 milhões/ mm³ quando o sêmen é obtido por eletroejaculação e entre 0,5 a 2,2 milhões/mm³ com a vagina artificial (GONÇALVES et al., 2014).

Morfologia espermática

É componente essencial para o exame de sêmen dando a estimativa do percentual de espermatozóides normais ou íntegros estruturalmente, assim como a distribuição dos diferentes defeitos morfológicos (FERNANDES e MORAES et al., 2009).

Segundo PALHANO (2008), são classificados como defeitos maiores: patologia de acrossoma, vacúolo nuclear, gota citoplasmática proximal, subdesenvolvimento, aspectos teratológicos, defeitos de peça intermediária, cauda fortemente dobrada/enrolada, estreito na base, cauda enrolada na cabeça, pseudo-gota, piriforme, cabeça pequena anormal, cabeça com contorno anormal, entre outros.

O valor máximo de tolerância é de até 20%. O rigor ou tolerância na interpretação dessa característica deve levar em consideração o quadro clínico e espermático do animal e inclusive a distribuição dos defeitos individuais (LIMA et al., 2011).

Os defeitos menores são classificados como: gota citoplasmática distal, cauda enrolada, cabeça delgada, cabeça isolada normal, abaxial, retroabaxial e oblíqua, cauda dobrada, cabeça pequena normal, cabeças gigantes, curta ou largas e acrossoma destacado (PALHANO et al., 2008).

Metodologia

A avaliação foi realizada em seis propriedades localizadas no estado do Tocantins, em agosto de 2019, em cem touros da raça Nelore com idades entre um e seis anos,  escore corporal 3,0, que se encontravam em período de repouso sexual. Os animais eram registrados na Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ).

Inicialmente foram colhidos o histórico individual de cada animal e da propriedade. Após a contenção dos animais no tronco dava-se início ao exame. Os animais avaliados foram inicialmente contidos em troncos de contenção e em seguida foi realizado um exame clínico geral e exame dos órgãos reprodutivos.
A medida da circunferência escrotal foi realizada com auxílio de fita métrica posicionada na região mediana do escroto.  O sêmen foi obtido a partir de massagem das glândulas e ampolas vesiculares e os touros que não responderam a massagem foram submetidos ao método de eletroejaculação. O mesmo foi coletado em copo coletor acoplado a um funil de plástico. Imediatamente após, era avaliado em microscópio ótico. Foram avaliados turbilhonamento, motilidade retilínea progressiva, vigor e concentração.

Resultados e discussão

Ao final do exame andrológico os animais avaliados foram classificados em aptos (n = 81) e inaptos (n = 19). Os animais aptos apresentaram média de 38,5 cm de CE, turbilhonamento 3, vigor 3 e motilidade de 70 %. Já os touros classificados como inaptos apresentaram diferentes etiologias (Tabela 2) para sua desclassificação.

Tabela 2 – Etiologias que levaram a descarte de touros.

EtiologiaQuantidadeFrequência
Necrospermia1368,42%
Degeneração testicular315,79%
Hipoplasia testicular esquerda210,53%
Orquite15,26%
Total19100%

A necrospermia pode ser causada por infecção bacteriana do gênero Brucella ou secundária.  Esta pode levar à reação inflamatória do tipo necrosante nas vesículas seminais, testículos e epidídimos, com aumento de seu volume uni ou bilateral, provocando subfertilidade ou infertilidade.

A degeneração testicular constitui a principal causa de redução da fertilidade nos machos. É uma alteração adquirida que pode ser ocasionada por várias causas, dentre as principais estão a temperatura ambiente, nutrição e infecção bacteriana pelo gênero Brucella (NASCIMENTO e SANTOS, 2003).

No quadro de degeneração, inicialmente a consistência é flácida e quando torna-se crônica progride para atrofia, tornando-se fibroso e mais firme a palpação. O ejaculado de touros com degeneração testicular mediana apresenta baixa concentração espermática, baixa motilidade e número moderado de células com defeitos morfológicos (GONZAGA, 2017).

Os três touros classificados com quadro de degeneração apresentaram consistência testicular firme, enquadrando-se no grau 5 pela classificação do CBRA (2013). O volume do ejaculado não apresentou alteração, mas sua coloração translúcida demonstrava baixa concentração espermática. A motilidade apresentou-se entre 10 e 20%, confirmando a degeneração testicular.

Os touros que apresentaram hipoplasia testicular e orquite foram classificados inaptos e descartados durante o exame dos órgãos reprodutores. Foram coletadas amostras para espermiograma dos animais que apresentaram hipoplasia, e o aspecto translúcido indicava baixa concentração espermática e a avaliação microscópica apresentou turbilhonamento, motilidade e vigor de 1,3 % e 1 respectivamente.

A hipoplasia testicular ocorre em todas as espécies domésticas, especialmente em touros. Acomete com maior frequência o órgão esquerdo, podendo ser bilateral. É uma alteração de caráter hereditário (NASCIMENTO e SANTOS et al., 2003). Caracteriza-se pelo desenvolvimento incompleto das camadas germinativas dos túbulos seminíferos, cuja gravidade é variável e observa-se diminuição da concentração espermática e aumento das alterações morfológicas dos espermatozóides, podendo ser detectado azoospermia no ejaculado (BICUDO et al., 2007).

Conclusão

O exame andrológico demonstrou ser de importância fundamental para classificação de touros destinados a reprodução. O mesmo deve ser realizado no período que antecede a estação de monta para eliminar a possibilidade de touros com problemas reprodutivos e consequentemente aumentar a taxa de concepção.

Referencias

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