O Brasil é um grande produtor mundial de proteína animal e tem no mercado interno o principal destino de sua produção. (BRASIL, 2015)

A cada ano, a participação brasileira no comércio internacional vem crescendo, com destaque para a produção de carne bovina, suína e de frango. A expectativa é que até 2020 a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial, com estimativas indicando que o Brasil pode manter posição de primeiro exportador mundial de carnes bovina e de frango. (BRASIL, 2015 a)

Com a globalização da economia, redução das barreiras tarifárias e aumento das trocas comerciais entre os países, há um incremento do risco do intercâmbio internacional de agentes etiológicos de enfermidades transmitidas por alimentos, tornando-se de grande importância os controles destes produtos, a começar pela fiscalização pelo serviço veterinário oficial nas fronteiras internacionais, considerado uma excelente estratégia de defesa contra o ingresso de enfermidades (USDA, 2003).

O Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006, delegou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o estabelecimento dos corredores de importação e exportação de animais, vegetais, insumos, inclusive alimentos para animais e produtos de origem animal e vegetal, com base em análises de risco, requisitos e controles sanitários, “status” zoo-ssanitário e fitossanitário, localização geográfica e disponibilidade de infraestrutura e de recursos humanos (BRASIL, 2006).

A organização Mundial de Saúde animal (OIE) define como produto seguro aquele considerado para o comércio com respeito a uma enfermidade, infecção, ou infestação sem necessidade de medidas de atenuação de riscos especificos contra as enfermidades e sem importar o estatus do país ou da zona de origem deste. (OIE, 2014)

A legislação agropecuária brasileira tem como base a denominada lei de política agrícola (8171), que fixa os fundamentos, define os objetivos e as competências institucionais, bem como  prevê os recursos e o estabelecimento das ações e instrumentos da política agrícola, relativas às atividades agropecuárias, agroindustriais e de planejamento das atividades pesqueira e florestal, entendendo-se como atividade agrícola a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais (BRASIL, 1991).

Para esta finalidade a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, instituiu através da portaria SDA Nº 297 DE 22 de junho de 1998, o Programa da Vigilância Agropecuária Internacional – VIGIAGRO, composto pelos Serviços e Postos de Vigilância Agropecuária, ligados às Superintendências Federais de Agricultura (BRASIL, 1998a). Atua na fiscalização da importação e exportação, bem como no trânsito internacional de animais, seus produtos, subprodutos, materiais de multiplicação animal, materiais de pesquisa e insumos, tendo unidades estrategicamente distribuídas em portos marítimos e fluviais, aeroportos internacionais, postos de fronteira e aduanas especiais (BRASIL, 1998; BRASIL, 2006).

Este programa justifica-se pelo fato de que, segundo Horst e colaboradores, ocorrência de surtos de enfermidades contagiosas animais pode representar sérias consequências econômicas, cujos prejuízos podem resultar tanto em proibições internacionais às exportações de animais e produtos do país acometido, quanto no próprio mercado interno, devido às restrições ao trânsito de animais e produtos, cujas implicações comerciais determinam o enfraquecimento do comércio local, aumento do desemprego e consequente escassez de renda (HORST et al., 1998).

Um exemplo marcante deste fato foi à entrada da peste suína africana no Brasil, que se deveu a restos de alimentos de aviões da companhia aérea TAP de nacionalidade portuguesa, levados para uma criação de suínos de um dos funcionários do aeroporto do Rio de Janeiro, situada no Município de Paracambi/RJ, registrada na informação SDSA 031 de 1978 do médico veterinário Ubiratan Mendes Serrão, então Diretor de Departamento de Defesa Sanitária Animal do Ministério da Agricultura. (SILVA. 2002, TOKARNIA 2004)

Segundo regras internacionais estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e reconhecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o risco da propagação de agentes infecciosos de doenças transmissíveis entre animais, pode ser diminuído se restrições sanitárias forem criadas. Somente restrições previstas pela OIE poderão restringir o comércio de animais e seus produtos com vistas à biossegurança do país importador.

Conforme constam dos Relatórios Estatísticos de Fiscalização de Cargas e Bagagens do Serviço de Vigilância Agropecuária no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – SVA/AIRJ, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2014, dos 74.510 voos internacionais que chegaram ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro, 9.586 sofreram fiscalização pelo Serviço de Vigilância Agropecuária (SVA/AIRJ), o que representou 12,86% voos fiscalizados.

Esta quantidade de produtos que tiveram sua entrada no território brasileiro impedida, quando avaliada sobre a ótica de potencial perigo sanitário, poderia representar danos consideráveis a pecuária nacional.

De acordo com de Melo et al (2014) 195 quilogramas de produtos de laticínios (doces de leite, leite líquido , leite em pó , leite condensado , iogurte e queijo), 160 quilogramas de produtos carneos (presunto, mortadela, salsicha, e outros em geral) de bovino, búfalo,cabra, galinha, lhama, kudu, ovinos, suínos e outras espécies não identificadas e outros produtos, como mel, ovos e produtos de animais exóticos, que totalizaram 657,4 kg foram apreendidos com os passageiros que desembarcaram nos dois principais aeroportos internacionais do Brasil, Aeroporto Internacional de São Paulo / Guarulhos – Governador André Franco Montoro e Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro / Galeão – Antonio Carlos Jobim, no período de 23 de abril de 2010 a 19 de agosto de 2011, com maior incidência para aqueles originários da Europa Oriental

De acordo com de Melo et al (2014a) bagagens de 119 passageiros de 35 companhias aéreas provenientes de 48 países, foram interceptadas pelo Serviço de Vigilância Agropecuária nos aeroportos Internacional de São Paulo / Guarulhos – Governador André Franco Montoro e Internacional do Rio de Janeiro / Galeão – Antônio Carlos Jobim, no período de 23 de abril de 2010 a 19 de agosto de 2011 sendo retiradas 322 amostras para testar a presença de coliformes totais e termotolerantes, Staphylococcus aureus, a presença de Listeria monocytogenes e Salmonella. A maioria das apreensões analisadas apresentou contaminação por coliformes presentes acima de limites aceitáveis em 83,4% (40/48) dos produtos que tiveram algum tipo de contaminação. O segundo microorganismo mais prevalente encontrado foi a L. monocytogenes em 22,9% (11/48) e S. aureus foi encontrado em 14,58% (7/48) das amostras. Entre os itens apreendidos, Salmonella foi encontrada em lingüiça de porco, concluindo pela importancia para a saúde pública da contaminação de produtos de origem animal por patogenos microbiológico como indicadores da má qualidade do alimento.

O objetivo do trabalho foi estudar e avaliar no período de 2010 a 2014, através da compilação dos dados registrados nos termos de apreensões de bagagens e encomendas, a incidência de apreensões de produtos de origem animal pelo Serviço de Vigilância Agropecuária no Aeroporto internacional do Rio de Janeiro – Galeão – Antônio Carlos Jobim, identificando os de maior incidência, o país de origem do maior quantitativo de produtos apreendidos, associado ao risco potencial de introdução através deles de enfermidades animais, principalmente exóticas, com reflexos na economia do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, comprometendo a posição brasileira de grande produtor e exportador de alimentos.

O trabalho foi realizado nas dependências do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, nas áreas de atuação do Serviço de Vigilância Agropecuária (SVA/AIRJ).

As bagagens dos passageiros dos voos selecionados para fiscalização, após serem desembarcadas das aeronaves, eram passadas pelo equipamento de Inspeção por Raios X sendo separadas às que apresentavam características de conterem produtos de origem animal ou vegetal. Em seguida eram levadas para bancada de fiscalização do Serviço de Vigilância Agropecuária na área alfandegada do terminal de desembarque, para serem abertas pelos passageiros proprietários e devidamente fiscalizadas. Caso contivessem produtos com ingresso impedido no país, era realizada a apreensão, desnaturação e colocação em embalagens de polietileno próprias e identificadas, emitindo-se em seguida o competente documento de apreensão denominado termo de fiscalização de bagagem/encomenda, com a identificação do passageiro, da origem dos produtos apreendidos, tipo e quantidade. Outra metodologia adotada era a fiscalização das bagagens em conjunto com a receita federal, no momento em que o passageiro deixava a área primária do aeroporto sendo que neste caso, a inspeção era feita por amostragem e os procedimentos no caso de bagagens suspeitas sequiam os mesmos anteriormente descritos.

Os dados analisados nesse trabalho foram obtidos a partir da compilação dos registros nos documentos individuais de apreensão, denominado Termo de Fiscalização de bagagem/Encomenda, emitidos pelos Fiscais Federais Agropecuários no momento da apreensão e arquivados em pastas mensais no Serviço de Vigilância Agropecuária – SVA/AIRJ – junto ao Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – Antônio Carlos Jobim. A partir dai foram anotados em planilhas elaboradas para esta finalidade constando de data da apreensão, país de origem, identificação da companhia aérea e número do voo, produto e quantidade sendo posteriormente digitalizados em planilhas Excel® 2010 mensais e anuais incluindo a classificação do produto apreendido, definida pelo autor como carne, laticínio, pescado, mel de abelha e ovo de acordo com as características da matéria prima do produto apreendido.

Ao considerar-se o período de 2010 a 2014 houve a movimentação de 74.510 voos que cotejados com os dados de SVA/AIRJ (2015) de 9.586 fiscalizados conclui-se que 12,86% dos voos foram submetidos à fiscalização e consequentemente 87,14% não o foram.

No período avaliado foram apreendidos 86 tipos de produtos, classificados de acordo com as suas matérias primas em carne com 48 tipos, laticínio com 12 tipos, pescado com 21 tipos, mel de abelha com 03 tipos e ovo com 02 tipos, originários de 93 países de todos os continentes, resultantes de 17.233 apreensões equivalendo a uma média 3.446,60 por ano, 287,22 por mês e 9,57 por dia, distribuídos em 6.994 de produtos da classificação carne, 5.993 laticínio, 3.633 pescado, 603 mel de abelha e 70 ovo.

As apreensões totalizaram 29.239,446kg, equivalendo a uma média 5.847,89 kg por ano, 487,32 Kg por mês e 16,24 kg por dia sendo 11.229,883 kg de produtos da classificação carne, 9.505,175 laticínios, 7.625,893 pescados, 827,528 mel de abelha e 50,967 ovo.

Assim ao concluir-se que 12,86% dos voos sofreram fiscalização é estimado que 116.772 produtos entraram ilegalmente no Brasil no período estudado com um total de 198.127,930 Kg.

Quanto a origem dos produtos apreendidos, os originários de Portugal, representando 12.668,775kg, corresponderam a 43,32% do total geral. As apreensões originárias da Itália, segundo pais no quantitativo geral dos produtos apreendidos com 2530,456 Kg, corresponderam a 19,97% do primeiro, representando um volume cinco vezes menor.

Do total de 25.974,332 kg referente ao quantitativo dos 10 países com maior incidência de apreensões de produtos de origem animal, 19.608,788 kg foram originários de países do continente europeu, o que representou 75,49% deste total ou 67,06% do total geral no período estudado que foi de 29.239,446 kg

Considerado o quantitativo geral de apreensão por produto o queijo com 7.932,495kg foi o mais apreendido representando quantidade superior ao dobro da quantidade do segundo produto mais apreendido, pescado com 3.594,367kg.

Ao se avaliar os produtos com respeito a classificação adotada pelo autor, aqueles classificados como carne com 11.229,883kg foram os de maiores quantitativos totais de apreensões, seguido dos classificados como laticínio com 9.505,175kg. Este resultado encontra justificativa no fato dos produtos classificados como carne terem uma maior diversidade, 48 no total, do que os classificados como laticínio, 12 no total.   

Ao se remeter a quantidade de produtos apreendidos no período estudado comparando-se com o percentual de voos fiscalizados, conclui-se pelo expressivo quantitativo de produtos de origem animal que adentraram no país neste período por não terem sido motivo de fiscalização.

Ao se cotejar as possíveis procedências dos produtos não apreendidos, com as dos apreendidos que procederam de todos os continentes, associando-as com o objetivo da fiscalização em barreiras internacionais de impedir a entrada de patógenos transmissores de doenças para os animais, conclui-se  em confronto com a incidência mundial de surtos de doenças animais elaborada pela Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), pela possibilidade dos diversos produtos de origem animal albergarem estes agentes resultando como importante a intensificação dos controles sanitários principalmente de alimentos originários  das regiões onde grassem doenças consideradas exóticas para o rebanho brasileiro.

Autores

Magioli, Carlos Alberto – Doutor em Medicina Veterinária/UFF Auditor Fiscal Federal Agropecuário;
Mano. Sérgio Borges – Professor do Departamento de Tecnologia dos Alimentos, Faculdade de Veterinária/UFF;
Gitti, Clayton Bernardinelli Professor do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública / UFRRJ;
Rezende, Jorge – Doutor em Computação de Alto Desempenho pela COPPE / UFRJ

 

Referências bibliográficas

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