Os produtos lácteos fermentados possuem excelente reputação nutricional, assim como seus derivados, e estão entre os produtos alimentícios mais consumidos pela população brasileira. Isso se deve ao fato de serem fontes de vitaminas, proteínas e minerais, além de ser um alimento acessível a todas as classes sócio econômicas. Dentre os produtos lácteos fermentados, o consumo de kefir apresenta-se em ascensão. Kefir é produzido por fermentação mista lática e alcoólica do leite com bactérias e leveduras, tem consistência semelhante ao iogurte, mas valores nutricionais e terapêuticos maiores. Os grãos de kefir têm origem numa cultura mista natural usada por séculos na região do Cáucaso. Possuem formas irregulares que lembram a couve flor, com diâmetro de 1 a 6 mm, onde vivem em associação simbiótica bactérias e leveduras numa matriz de polissacarídeos.

Considerando os aspectos regulatórios, kefir é o produto obtido por fermentação láctica mediante ação de cultivos de microorganismos específicos, adicionado ou não de outros produtos lácteos ou outras substâncias alimentícias, obtido por coagulação e diminuição do pH do leite, ou leite reconstituído. A fermentação é feita com cultivos ácido-lácticos dos grãos de Kefir, Lactobacillus kefir, espécies dos gêneros Leuconostoc, Lactococcus e Acetobacter com produção de ácido láctico, etanol e dióxido de carbono.

Os grãos de Kefir também são constituídos por leveduras fermentadoras de lactose (Kluyveromyces marxianus) e leveduras não fermentadoras de lactose (Saccharomyces omnisporus e Saccharomyces cerevisae e Saccharomyces exiguus), Lactobacillus casei, Bifidobaterium sp. e Streptococcus salivarius subsp. thermophilus. Estes microorganismos específicos devem ser viáveis, ativos e abundantes no produto final durante seu prazo de validade com contagens mínimas de bactérias láticas de 107 UFC/g e de leveduras específicas 104 UFC/g.

Em sua composição o kefir deve conter obrigatoriamente leite e/ou leite reconstituído padronizado pasteurizado (ou tratamento térmico equivalente) e cultivos dos microorganismos mencionados acima. Já como ingredientes opcionais, podemos citar os de origem láctea (leite concentrado, creme, manteiga, leite em pó, proteínas, caseinatos, soro, entre outros), frutas (pedaços, polpas, suco e outros), maltodextrinas, outras substâncias alimentícias (mel, coco, cereais, especiarias, chocolate, café), açúcares e/ou glicídios (exceto polialcoóis e polissacarídeos) e cultivos de bactérias láticas subsidiárias.

Os ingredientes não láticos devem estar numa proporção máxima de 30% m/m no produto final. Importa falar que o uso de aditivos não é admitido nas formulações que utilizam exclusivamente ingredientes lácteos, exceto para kefir desnatado, na qual é permitido uso de espessante/estabilizante, dentro dos limites estabelecidos na legislação. Quando a formulação usa adição de opcionais não lácteos, admite-se o uso dos aditivos espessante/estabilizante, aromatizantes/saborizantes, corantes e acidulantes, dentro dos limites estabelecidos na legislação.

No caso particular do agregado de polpa de fruta ou preparado de fruta de uso industrial, é permitida a presença de ácido sórbico (e seus sais de sódio, potássio e cálcio) em uma concentração máxima de 300 mg/Kg (expressos em ácido sórbico) no produto final.

O kefir é uma bebida refrescante, ligeiramente espumosa e efervescente, de fácil digestão e alto valor biológico, que contém vitaminas do complexo B, minerais, aminoácidos essenciais, fósforo, cálcio e magnésio. É facilmente preparado e vem sendo considerado como um alimento funcional por apresentar muitos benefícios à saúde. O consumo regular de kefir impacta positivamente a saúde prevenindo doenças como diabetes e doenças cardíacas. Destacam-se nesse sentido:

(a)Propriedades antimutagênica e anticarcinogênica: kefir regula favoravelmente o sistema imunológico e pode ter importância na modulação da carcinogênese. Por ter concentrações mais elevadas de isômeros de ácido linoléico conjugado (CLA), ácidos butírico, palmítico, palmitoléico e oléico, diminuiu em maior grau a mutagenicidade em comparação ao leite e iogurte. A melhora do sistema imune e o incremento de compostos bioativos oferecidos pelo kefir causa um efeito sistêmico, que atua na prevenção e combate ao câncer em vários órgãos.

(b)Efeito hipocolesterolêmico: o metabolismo do colesterol sofre efeito benéfico nos estudos in vitro e em animais, tendo como provável mecanismo de ação a assimilação do colesterol por algumas bactérias. Além disso, o ácido propiônico formado ocasiona a presença de propionato, que inibe a formação de colesterol. Os níveis de colesterol são reduzidos também por ação dos isômeros de ácido linoléico conjugado (CLA) que possuem efeitos hipocolesterolêmicos e anti-aterogênicos protegendo as artérias contra a formação de placas de ateroma.

(c)Efeito anti-hipertensivo: a inibição da enzima conversora da angiotensina (ECA) por peptídeos produzidos a partir da caseína no kefir faz com que o vasoconstritor angiotensina I deixe de ser produzida e, conseqüentemente, a aldosterona também. Com isso, a concentração de sódio no sangue deixa de se elevar, impedindo aumento da pressão. Ao mesmo tempo, esses peptídeos inibem a degradação do vasodilatador bradiquinina, reduzindo a hipertensão.

(d) Inibicação de microorganismos patogênicos: a formação de bacteriocinas (peptídeos ou proteínas com ação bactericida ou bacteriostática), peróxido de hidrogênio e ácidos orgânicos, além da competição por nutrientes, atua contra muitos microorganismos patogênicos. Estudo comparando a ação antibacteriana dos antibióticos gentamicina e ampicilina com kefir mostraram que os halos de inibição foram semelhantes para cada um dos cinco patógenos estudados; outros estudos comprovaram ação inibitória contra Bacillus cereus e contra fungos.

(e) Cicatrização: foram feitos também estudos na pele, onde lesões e queimaduras cutâneas induzidas e inoculadas com bactérias patogênicas tiveram melhor cicatrização com gel a base de kefir quando comparadas com os medicamentos convencionais tópicos.

(f) Modulação da microbiota intestinal e imunomodulação: o consumo regular de kefir modula a microbiota, o que melhora a função da barreira intestinal, diminui a permeabilidade local, o stress oxidativo e a inflamação. Isso se deve à redução de bactérias Gram-negativas, e conseqüentemente a quantidade de lipopolissacarídeo LPS. O decréscimo na absorção de LPS restaura a função dos receptores de insulina e diminui o processo inflamatório crônico, controlando o diabetes. Quanto ao sistema imune, aumentam as células IgA na mucosa intestinal e a capacidade fagocitária de macrófagos nos pulmões e peritônio.

(g) Efeito na intolerância à lactose: a enzima β-galactosidase atua no leite quebrando a lactose presente em glicose e galactose. Muitas pessoas apresentam insuficiência dessa enzima, o que causa a chegada ao intestino da lactose intacta e conseqüente utilização da mesma como fonte de carbono pelas bactérias, o que pode causar desconforto e mal estar abdominal. Durante a fermentação lática, a lactose é utilizada pelas bactérias, o que diminui a sua concentração no meio e reduz os sintomas da má digestão. Os índices de redução de flatulência chegaram a 71% em estudo humano.

(h) Efeito antiinflamatório: doenças crônicas como diabetes, obesidade e câncer causam o estado inflamatório. Tanto os microorganismos presentes no kefir, quanto os compostos bioativos que eles produzem, atuam diminuindo o processo inflamatório. Diminuem o edema e o número de células inflamatórias.

(i) Efeito antioxidante: aumento de radicais livres também está associado às doenças crônicas, pois aumenta o risco de desenvolvê-las. Kefir não só é uma fonte de compostos antioxidantes, como também estimula as enzimas do sistema antioxidante do organismo.

O kefir tem composição microbiológica e química que harmoniza o efeito probiótico inerente às bactérias, leveduras e compostos formados. Esses compostos bioativos afetam positivamente a saúde e fortalecem a visão que kefir que faz jus ao investimento nas pesquisas laboratoriais e clínicas sobre suas propriedades nutracêuticas, oferecendo ao consumidor a possibilidade de melhoria e manutenção da saúde através das propriedades inerentes a esse produto único.

Estudos  clínicos  considerando diversos modelos animais e humanos devem ser realizados, bem o efeito das diferentes fontes de açúcar no processo produtivo para propagar os efeitos desse valioso produto lácteo e otimizar seu processamento juntos as laticínios para que o produto se constitua em um valioso derivado lácteo perante aos consumidores. Adicionalmente  é de extrema importância  a otimização de seus aspectos sensoriais tornando o produto agradável e de ingestão continua.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, F. A.; ÂNGELO, F. F.; SILVA, S. L.; SILVA, S. L. Análise sensorial e microbiológica de kefir artesanal produzido a partir de leite de cabra e de leite de vaca. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Jan/Fev, nº 378, 66, 51:56, 2011.

ARAÚJO, N. G.; SILVA, J. B.; BARBOSA, I. M.; MACÊDO, C. S. Influência da concentração de polpa de goiaba na aceitação de fermentado de kefir. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, out/dez , v. 72, n. 4, p. 184-191, 2017.

ARORA T.; SHARMA, R.; FROST, G. Propionate. Anti-obesity and satiety enhancing factor? Appetite 56, 511–515, 2011.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 46 de 23 de outubro de 2007. Adota o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 outubro de 2007.

CHEN, Y. P. HSIAO, P. J.; HONG, W. S.; DAI, T. Y.; CHEN, M. J. Lactobacillus kefiranofaciens M1 isolated from milk kefir grains ameliorates experimental colitis in vitro and in vivo. Journal of Dairy Science, v. 95, p. 63-74, 2012.

CONTIM, L. S. R.; OLIVEIRA, I. M. A.; NETO, J. C. Avaliação microbiológica, físico-química e aceitação sensorial do kefir com polpa de graviola. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, jan/mar, v. 73, n. 1, p. 1-9, 2018.

DE MORENO DE LEBLANC, A.; MATAR, C.; FARNWORTH, E.; PERDIGÓN, G. Study of Immune Cells Involved in the Antitumor Effect of Kefir in a Murine Breast Cancer Model. Journal of Dairy Science, 90(4), 1920–1928, 2007.

DE VRESE, M.; MARTEAU, P. R. Probiotics and prebiotics: effects on diarrhea. The Journal of Nutrition, 137, 803S–811S 2007.

FAHMY, H. A.; ISMAIL, A. F. M. Gastroprotective effect of kefir on ulcer induced in irradiated rats. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, v. 144, p. 85- 93, 2015.

GAMBA, R. R.; CARO, C. A.; MARTÍNEZ, O. L.; MORETTI, A. F.; GIANNUZZI, L.; DE ANTONI, G. L.; LEÓN PELÁEZ, A. Antifungal effect of kefir fermented milk and shelf life improvement of corn arepas. International Journal of Food Microbiology, 235, p. 85-92, 2016.

GOMES, A. C.; BUENO, A. A.; DE SOUZA, R. G. M.; MOTA, J. F. Gut microbiota, probiotics and diabetes. Nutrition Journal 13, 60, 2014.

GUZEL-SEYDIM, Z. B.; SEYDIM, A. C.; GREENE, A. K.; TAS, T. Determination of antimutagenic properties of some fermented milks ıncluding changes in the total fatty acid profiles including conjugated linoleic acids. International Journal of Dairy Technology 59, 209–215, 2006.

GUZEL-SEYDIM, Z. B.; KOK-TAS, T.; GREENE, A. K.; SEYDIM, A. C. Review: Functional Properties of Kefir. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 51:3, 261-268, 2011.

HERNÁNDEZ-LEDESMA B.; CONTRERAS M. M.; RECIO, I. Antihypertensive peptides: production, bioavailability and incorporation into foods. Advances in Colloid and Interface Science, 165(1), 23–35, 2011.

HERTZLER, S. R.; CLANCY, S. M. Kefir improves lactose digestion and tolerance in adults with lactose maldigestion. Journal of the American Dietetic Association, 103:582–587, 2003.

HUSEINI, H. F.; RAHIMZADEH, G.; FAZELI, M. R.; MEHRAZMA, M., SALEHI, M. Evaluation of wound healing activities of kefir products. Burns, 38(5), 719–723, 2012.

JUNIOR, S. M.; FREITAS, M. L.; MARTINS, M. L.; BENEVENUTO, W. C. A. N.; GONÇALVES, I. F.; MARTINS, A. D. O. Avaliação do efeito de yacon em kefir sabor morango. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, abr/jun, v. 73, n. 2, p. 51-61, 2018.

KAKISU, E. J.; ABRAHAM, A. G.; PÉREZ, P. F.; DE ANTONI, G. L. Inhibition of Bacillus cereus in milk fermented with kefir grains.. Journal of Food Protection, 70(11), 2613–2616, 2007.

KHOURY, N.; EL-HAYEK, S.; TARRAS, O.; EL-SABBAN, M.; EL-SIBAI, M.; RIZK, S. Kefir exhibits anti-proliferative and pro-apoptotic effects on colon adenocarcinoma cells with no significant effects on cell migration and invasion. International Journal of Oncology, 45(5), 2117–2127, 2014.

LIU J.; LIN, Y., Chen M, et al. Antioxidative activities of kefir. Asian-Australasian Journal of Animal Sciences;18(4): 567-573, 2005.

MARTINS, J. F. L.; MARINHO, E.; FIRMINO, H. H.; RAFAEL, V. C.; FERREIRA, C. L. L. F. Avaliação da adição do kefir em dieta hospitalar. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Mai/Jun, nº 386, 67: 13-19, 2012.

MAEDA, H.; ZHU, X.; SUZUKI, S.; SUZUKI, K.; KITAMURA, S. Structural characterization and biological activities of an exopolysaccharide kefiran produced by Lactobacillus kefiranofaciens WT-2BT. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 52(17), 5533–5538, 2004.

MEDRANO, M.; PÉREZ, P. F.; ABRAHAM, A. G. Kefiran antagonizes cytopathic effects of Bacillus cereus extracellular factors. International Journal of Food Microbiology, 122(1-2), 1–7, 2008.

MUROFUSHI, M.; SHIOMI, M.; AIBARA, K. (1983). Effect of orally administered polysaccharide from kefir grain on delayed-type hypersensitivity and tumor growth in mice. Japanese Journal of Medical Science and Biology, 36(1), 49–53, 1983.

OSTADRAHIMI, A.; TAGHIZADEH, A.; MOBASSERI, M.; FARRIN, N.; PAYAHOO, L.; BEYRAMALIPOOR GHESHLAGHI, Z.; VAHEDJABBARI, M. Effect of probiotic fermented milk (kefir) on glycemic control and lipid profile in type 2 diabetic patients: a randomized double-blind placebo-controlled clinical trial. Iranian Journal of Public Health, 44(2), 228–237, 2015.

OZCAN, A.; KAYA, N.; ATAKISI, O.; KARAPEHLIVAN, M.; ATAKISI E.; CENESIZ, S Effect of kefir on the oxidative stress due to lead in rats. Journal of Applied Animal Research, 35, 91–93, 2009.

PRADO, M. R. M.; BOLLER, C.; ZIBETTI, R. G. M.; SOUZA, D.; PEDROSO, L. L.; SOCCOL, C. R. Anti-inflammatory and angiogenic activity of polysaccharide extract obtained from Tibetan kefir. Microvascular Research, v. 108, p. 29-33, 2016.

RODRIGUES, K. L.; CAPUTO, L. R. G.; CARVALHO, J. C. T.; EVANGELISTA, J.; SCHNEEDORF, J. M. Antimicrobial and healing activity of kefir and kefiran extract. International Journal of Antimicrobial Agents, 25(5), 404–408, 2005.

ROSA, D. D.; DIAS, M. M. S.; GRZES´KOWIAK Ł. M.; REIS, S. A.; CONCEIÇÃO L. L.; PELUZIO, M. C. G. Milk kefir: nutritional, microbiological and health benefits. Nutrition Research Reviews, 30(01), 82–96, 2017.

SHIOMI, M.; SASAKI, K.; MUROFUSHI, M.; AIBARA, K.. Antitumor activity in mice orally administered polysaccharide from kefir grain. Japanese Journal of Medical Science and Biology, 35(2), 75–80, 1982.

ULUSOY, B. H.; COLAK, H.; HAMPIKYAN, H.; ERKAN, M. E.. An in vitro study on the antibacterial effect of kefir against some food-borne pathogens. Turkish Microbiological Society. 37:103–107, 2007.

VINDEROLA, G.; DUARTE, J.; THANGAVEL, D.; PERDIGÓN, G.; FARNWORTH, E.; MATAR, C. Immunomodulating capacity of kefir. Journal of Dairy Research, 72(2), 195–202, 2005.

VINDEROLA, G.; PERDIGÓN, G.; DUARTE, J.; FARNWORTH, E.; MATAR, C. Effects of the oral administration of the products derived from milk fermentation by kefir microflora on immune stimulation. Journal of Dairy Research, 73(04), 472, 2006.

WESCHENFELDER, S.; WLEST, J. M.; CARVALHO, H. H. Atividade anti-Escherichia coli em kefir e soro de kefir tradicionais. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Mar/Jun, nº 367/368, 64: 48-55, 2009.