Fome é o nome que se dá à sensação fisiológica pelo qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter as atividades inerentes à vida ou mais amplamente, para casos de desnutrição ou privação de alimento entre as populações, geralmente devido a pobreza, conflitos, instabilidade política ou condições agrícolas adversas.

O conceito de segurança alimentar e nutricional no Brasil definido pela Lei orgânica de segurança alimentar e nutricional (LOSAN) em 2006 é o direito de todo cidadão ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.

Para a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), instituída pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a insegurança alimentar é considerada como leve quando pessoas se sentem na iminência de sofrer restrição quanto a quantidade e qualidade dos alimentos, moderada quando passam por períodos de restrição quantitativa de alimento ou grave quando há privação total de alimentos.

No documento intitulado “Quanto falta para alcançar a fome zero? O estado da segurança alimentar e a nutrição no mundo – 2017”, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO descreve que apesar da produção mundial de alimentos ser mais do que suficiente para toda a população, mais de 815 milhões de pessoas sofrem de fome.

Independente da abundante colheita de cereais que incrementou a oferta mundial de alimentos em 2017, a fome aumentou em 37 países, dos quais 29 estão localizados na África e que precisam de ajuda externa para garantir que suas populações tenham o que comer. Secas localizadas, inundações e principalmente conflitos prolongados estão por trás das crises de fome identificadas no norte da Nigéria, no Sudão do Sul, Iêmen, Afeganistão, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Somália e Síria.

Adversidades climáticas afetaram e continuam influenciando negativamente a produção agrícola no leste da África tomado por estiagens, e em regiões da Ásia atingidas por inundações. Em Bangladesh episódios de enchentes prejudicaram as colheitas de arroz, com a estimativa de que a produção só deverá se recuperar plenamente após um período de no mínimo cinco anos.

Na Etiópia, 8,5 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar devido a estiagens e no Quênia, temporadas consecutivas de chuvas fracas propiciaram queda na produção agropecuária, deixando 2,6 milhões de indivíduos enfrentando fome considerada grave pela FAO.

Nação palco de confrontos armados na República Centro-Africana 1,1 milhão de pessoas, quase um terço de toda a população nacional, precisa de assistência emergencial para obter comida e na República Democrática do Congo outras 7,7 milhões enfrentam fome.

Entretanto, como a representar um paradoxo, 1 bilhão e trezentas milhões toneladas de alimentos se perdem anualmente no mundo, o que equivale a um terço de todo o alimento produzido. Somente na América Latina se perde 127 milhões de toneladas, o que corresponde ao desperdício diário de 348 mil toneladas, 10 vezes a capacidade da central de abastecimento da Cidade do México, a maior do mundo, equivalendo a 223 kg por habitante por ano se considerados todos os latino americanos, quantidade suficiente para suprir as necessidades de 300 milhões de pessoas.

A cada 3 unidades de alimentos produzidas no mundo, 1 vai para o lixo em consequência das perdas nas fontes de produção e desperdícios na comercialização e no consumo, correspondendo a 25% dos cereais, 40% das raízes e tubérculos, 20% das oleaginosas e leguminosas, 55% das frutas e hortaliças, 20% das carnes, 20% dos produtos lácteos e 33% dos pescados e mariscos, com um custo total de 700 milhões de dólares, cifra equivalente ao PIB da Argentina em 2017.

Estas perdas não acontecem da mesma forma em todos os países pois nos chamados desenvolvidos são maiores a nível do consumidor final, quando a comida já está pronta e não é totalmente consumida, gerando os “restos” que são descartados. Já nos países em desenvolvimento o desperdício ocorre nos estágios iniciais por falha na colheita, no processamento, por conta das condições precárias de armazenagem e por deficiência no transporte da produção aos pontos de distribuição.

As necessidades calóricas de 36 milhões de pessoas, um pouco maior do que a população do Peru, poderiam ser supridas apenas com os alimentos desperdiçados nos pontos de venda para o consumidor.
Na última pesquisa publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014, mais de 7 milhões de pessoas convivem com a fome no Brasil e em 2,1 milhões de domicílios, pelo menos uma pessoa passou um dia inteiro sem comer pela falta de dinheiro para comprar alimento.

De acordo com o 17º Estudo Nacional sobre Prevenção de Perdas nos Supermercados, realizado pela Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS, o índice de perdas nos autosserviços cresceu 0,14 ponto percentual, passando de 1,96% do faturamento bruto do setor, em 2015, para 2,10% em 2016, representando em valores absolutos R$ 7,11 bilhões, ante os R$ 6,19 bilhões contabilizados no período anterior. A quebra operacional lidera as fontes de prejuízo, com 29% de participação, seguido de furto externo (18%), erros de inventário (15%), erros administrativos (9%), furto interno (8%) e falhas dos fornecedores (8%).

As maiores perdas estão nas áreas de produtos perecíveis, com a seção de frutas, legumes e verduras (FLV) liderando com índice de 6,09%, seguidas de padaria/confeitaria (4,70%), rotisseria (3,99%), peixaria (3,26%) e carnes (3,07%). Dentre todos os perecíveis 25,3% correspondem a produtos com validade vencida.

No trabalho Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – 2016 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE, a geração de resíduos sólidos no Brasil no ano de 2016 foi de 78,3 milhões de toneladas representando 214.405 toneladas dia ou 1,040 Kg por habitante. Outras publicações estimam que mais da metade destes resíduos sólidos arrecadados correspondem a material orgânico, ou seja, basicamente de alimentos que são desperdiçados.

Como perspectivas futuras a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento – OCDE, estima que na próxima década, a produção agrícola enfrentará uma série de desafios, a começar pela diminuição dos preços dos produtos básicos e desaceleração do crescimento econômico dos principais países produtores, levando a um mais lento crescimento da demanda mundial. O enfraquecimento dos mercados agrícolas tornará o setor menos atraente para os investimentos, o que limitará o crescimento total da produção agrícola para 1,6% ao ano, em média, durante o período de projetado de 2016 a 2025.

A expansão da demanda mundial será atendida principalmente por melhoria na eficiência, que exigirá apenas pequenas expansões na base de produção agrícola e pecuária. No setor agrícola, as melhorias de produtividade serão responsáveis ​​por 80% do crescimento total da produção, enquanto a expansão territorial será responsável por 20%.

A área agrícola deverá aumentar 42 milhões de hectares (4%) na próxima década sendo que, quase metade desse aumento ocorrera no Brasil e na Argentina. A demanda sustentada e os menores preços das forragens apoiarão o crescimento constante da produção pecuária de 1,4% ao ano, com a adição de aproximadamente 4,5 milhões de toneladas de carne e 16 milhões de toneladas de leite. A produção mundial de peixe aumentará em 17% ao longo do período de projeção, com um aumento constante no papel da produção aquícola estimado em 40% na oferta total.

A América Latina continuará sendo a fonte mais importante de expansão de terras agrícolas no mundo com aumento de 24% da área de cultivo total, tendo a soja como o impulsionador da maior parte dessa expansão e o Brasil se tornando o mais importante produtor chegando a 135 milhões de toneladas.

Juntamente com a oferta e demanda mundiais, espera-se que o comércio se expanda menos durante os próximos 10 anos prevendo que as quedas serão particularmente severas em cereais, em produtos lácteos, carnes e peixes. A principal razão para essa desaceleração será a diminuição das taxas de crescimento nas economias emergentes, que têm uma elasticidade de demanda de renda relativamente alta na maioria dos produtos alimentícios. A desaceleração do crescimento da China terá um impacto particularmente significativo.

A adoção de políticas mais protecionistas em alguns dos maiores países importadores será outro fator responsável por esta menor expansão do comercio internacional pois, várias economias emergentes como China, Índia e Indonésia buscam a autossuficiência como proteção às importações.

Como paradoxo enquanto a produção mundial de alimentos é maior do que o necessário, a obesidade e o sobrepeso atinge 1,9 bilhões de pessoas e o Brasil prestes a ser reconhecido como o maior produtor mundial de produtos agropecuários, convive-se com a realidade de 815 milhões de famintos e dentre eles 7 milhões de brasileiros estão privados de alimentos e subnutridos.