Dados preliminares do censo agropecuário 2017 IBGE, demonstram que no Brasil existem 5.072.152 estabelecimentos agropecuários ocupando uma área total de 350.253.329 hectares, considerando as lavouras permanentes e temporárias, as pastagens naturais e plantadas e as matas naturais e plantadas, com o efetivo de 15.036.978 empregos diretos no campo.

Desde o ano de 1991, o poder público através da denominada lei da política agrícola, fixou os fundamentos, definiu os objetivos e as competências institucionais, prevendo os recursos e estabelecendo as ações e instrumentos da política agrícola, relativas não somente às atividades agropecuárias, como também as agroindustriais e de planejamento das atividades pesqueira e florestal.

A referida lei definiu por atividade agrícola dentre outras, a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados pecuários e pesqueiros, objetivando assegurar as suas qualidades, em função de ser o adequado abastecimento alimentar condição básica para garantir a tranquilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico e social.

A partir de 1950, portanto antes mesmo desta regulamentação, todos os produtos de origem animal, para serem oferecidos ao consumo, obrigatoriamente tem que passar por uma prévia inspeção industrial e sanitária, executada pelo poder público em três níveis federal, estadual e municipal, sendo o critério para a definição de qual deles será o responsável dependente da área de comercialização do produto pelo estabelecimento industrial, conforme estabelece a lei 7889. Assim para aquelas industrias que elaboram produtos para a venda dentro da área geográfica do município em que estão localizadas, o órgão fiscalizador deverá ser o Serviço de Inspeção Municipal, subordinado à Secretaria ou ao Departamento de Agricultura. Para aquelas com raio de comercialização intermunicipal, porém dentro do mesmo Estado, a fiscalização será de competência do Serviço de Inspeção Estadual, da Secretaria de Estado da Agricultura e para as que pretendem fazer comércio interestadual ou internacional, a fiscalização ficará a cargo do governo federal através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

É necessário salientar que cada um destes órgãos, por princípio, deveria possuir estrutura apropriada para exercer a sua atividade fiscalizadora mas com base em critérios semelhantes, uma vez que, todos tem um único objetivo que é o de oferecer ao consumidor um produto com a qualidade sanitária e nutritiva que dele se espera. Entretanto está lógica nem sempre é obedecida com cada um adotando legislações e metodologias de ações diferenciadas como se as necessidades alimentares dos cidadãos fossem diferentes em função de como ele é classificado se munícipe, estadual ou nacional.

Obviamente que esta visão não faz nenhum sentido pois a fisiologia humana não distingue local de classificação do indivíduo, portanto os critérios para se considerar um alimento próprio para consumo deveriam ser os mesmos e não definidos em função da sua área de comercialização.

No geral observa-se que, com as devidas exceções, as exigências legais, com respeito aos aspectos higiênicos, sanitários e tecnológicos para a produção de produtos de origem animal a nível municipal são bem menores do que as requeridas pela esfera estadual e estas também menos exigentes do que a federal, o que demonstra uma incoerência absoluta em função do consumidor não ser distinguido por este mesmo critério.

Estes critérios geram também como consequência, que um alimento de origem animal produzido sob a égide de um serviço de inspeção municipal não pode ser comercializado em um município vizinho ao da produção, mesmo que a fronteira entre eles sejam uma rua ou um marco limítrofe de fácil transposição, caracterizando que, de um lado o produto está legalmente próprio para consumo e uma simples barreira demarcatória já o transforma em impróprio.

É obvio que esta situação também pode ser avaliada por outro foco se considerarmos, por exemplo, a falta de condições de um determinado município ou estado para controlar efetivamente a produção, permitindo que um alimento sem condições chegue ao seu comércio, não sendo justo a partir daí que o cidadão de outro município ou estado fique exposto a possibilidade de o adquirir sem as condições adequadas para consumo.

Muitos são os exemplos para este caso específico, quando alimentos inequivocamente próprios para consumo, com todas as características de qualidade sanitárias e nutricionais adequadas, são impedidos de comercialização em locais distintos dos de sua fabricação por não estarem aptos, não pela sua qualidade, mas em função do tipo de fiscalização a que foi submetido na origem. Se este argumento é de difícil convencimento para o responsável pelo produto, que tem por obrigação conhecer esta particularidade da lei, muito menos convence o consumidor para quem o que importa é a qualidade daquilo que irá consumir e não os meandros da legislação.

Em suma, não é razoável que haja uma diferenciação de critérios para a fiscalização por órgãos congêneres e consequentemente para a elaboração de produtos similares por estabelecimentos industriais diferentes, como se as características metabólicas e fisiológicas do consumidor fossem diferenciadas em função da região em que vive ou que exerce qualquer atividade. A razoabilidade implica em que todas as ações de produção e portanto de fiscalização, tenham uma só orientação de forma a que um mesmo produto chancelado por qualquer das autoridades de saúde pública possa ser comercializado e consumido em qualquer parte do Brasil, com os mesmos critérios de qualidade.

Na busca por assegurar esta equivalência de identidade e em consequência de padrão de segurança para os produtos agropecuários, o poder público através da lei 9712 de 1998 considerou como um dos objetivo da defesa agropecuária, a execução de forma homogênea em todo o país das ações de controle visando a interfase entre a saúde humana e as ações de vigilância e defesa sanitária dos animais, criando o sistema único de atenção a sanidade agropecuária, SUASA, articulado e em semelhança com o sistema único de saúde, SUS, agregando a ele o Sistema brasileiro de inspeção de produtos de origem animal e vegetal, SISBI.

Então a criação do SISBI se justifica por não ter o Brasil um sistema de inspeção, mas serviços isolados em que cada um, conforme exposto anteriormente, à sua deliberação, define critérios próprios de atuação, muitas vezes dispares como se o cidadão fosse diferente diante de cada tipo de fiscalização, levando a confusão para a indústria organizada que a cada momento se depara com uma situação legal diferente e o que é pior, duvidas ao consumidor sobre a adequada qualidade nutritiva e principalmente sanitária do produto que pretende adquirir, fatos inadmissíveis sob o ponto de vista de saúde pública e tecnicamente inaceitáveis.

Assim, como forma de extinguir estas disparidades, através do decreto 5741 de 2016 o governo federal definiu por adotar medidas necessárias para garantir que as inspeções e fiscalizações dos produtos de origem animal sejam efetuadas de maneira uniforme, harmônica e equivalente por todos os serviços ligados aos entes federativos, considerando a equivalência de serviços de inspeção o estado no qual as medidas de inspeção higiênico-sanitária e tecnológica aplicadas pelos diferentes serviços permitam alcançar os mesmos objetivos de inocuidade e qualidade dos alimentos, porquanto as regras e critérios adotados igualmente para a realização das inspeções e fiscalizações passam a ser de competência do sistema brasileiro de inspeção de produtos e insumos agropecuários, SISBI.

Assim, a universalização deste sistema permite a compatibilização dos diversos serviços de inspeção, definidos pela lei 7889, de forma a que as atuações sejam feitas com critérios iguais para todos os níveis, justificado pelo fato de que condições semelhantes devem obedecer aos mesmos princípios técnicos.

Era de se esperar que esta nova modalidade de controle recebesse a adesão imediata dos governos estaduais e principalmente municipais, incentivados pelas industrias organizadas, concorrendo para uma melhoria das condições dos produtos oferecidos a todos os consumidores, gerando ganhos para todos os segmentos e principalmente, diminuindo a possibilidade de ocorrência das doenças transmitidas por alimentos de grande relevância social e econômica para a saúde pública.

Entretanto ao contrário do Sistema Único de Saúde em que as ações de saúde humana, por regra, são desenvolvidas pelos municípios através das suas Secretarias de Saúde, o sistema para atenção a sanidade agropecuária foi definido como de adesão voluntária, com os governos estaduais e principalmente municipais não compreendendo ou mostrando-se desinteressados em compreender, o alcance de sua implantação para a saúde pública no campo da qualidade dos alimentos oferecido aos seus cidadãos.

Dados do Ministério da Agricultura dão conta que, de um total de 5568 municípios no Brasil, apenas 16 Serviços de Inspeção Municipal, com 43 empreendimentos aderiram ao SUASA, além de 3 consórcios, com 23 empreendimentos regularizados. É de se considerar que apenas 40,4% dos municípios possuem serviços de fiscalização sanitária organizados, importante segmento para melhoria das condições adversas de saúde pública enfrentada em todas as regiões deste país de dimensões continentais.

Convém abordar dados do Ministério da Saúde sobre a proporção de alimentos implicados com surtos de doenças transmitidas por alimentos no período de 2007 a 2017 em que os de origem animal foram responsáveis por 8,6% dos casos identificados. A maior incidência foi dos não identificados com 57,1% e dos inconclusivos com 9,3% dentre os quais certamente os de origem animal tem percentual relevante.

O “Manual Integrado de Vigilância, Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos”, do mesmo Ministério, aborda que o deficiente controle dos órgãos públicos e privados no tocante à qualidade dos alimentos ofertados às populações, aliado ao crescente aumento das populações; a existência de grupos populacionais vulneráveis ou mais expostos; o processo de urbanização desordenado e a necessidade de produção de alimentos em grande escala, são os responsáveis pelo aumento mundial das a ocorrências de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA).