Por Heloísa Maurat Mendonça e Luanny Thomazinho da Silva Borges – Discentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Sob a supervisão de Clayton B. Gitti e Edson J. Souza – Docentes do Curso de Medicina Veterinária da UFRRJ

Introdução
A produção leiteira no Brasil cresce a cada ano. Em 2018, por exemplo, a indústria leiteira brasileira ficou atrás apenas dos Estados Unidos e Índia, em relação à produção mundial (IBGE,2020). Para a inserção deste gênero alimentício nas prateleiras dos supermercados, são seguidos protocolos de técnicas e manejos que visam uma maior produtividade. Outrossim, o acometimento de enfermidades relacionadas ao sistema locomotor são a segunda maior causa de descarte de rebanho bovino (SOUZA et a., 2016). Neste contexto, as doenças podais são patologias que prejudicam os membros dos animais, provocando dor e podendo levar o animal ao óbito em casos graves. De origem multifatorial, em sua etiologia, devemos estar atentos a fatores higiênicos, ambientais, ao fator da umidade, nutrição, infecções, genética e ao manejo. O tratamento deve ser feito emergencialmente para desviar-se da implantação de patologias secundárias (MOTA & MELOTTI, 2017). Vale ressaltar as consequências, como a redução da produtividade devido à queda na produção leiteira, maior intervalo entre partos, maior número de serviço por prenhez, presença de pior escore corporal no rebanho, perdas relativas aos custos de tratamento e aumento do descarte precoce do rebanho (SOARES, et al., 2019).

Anatomia dos cascos
Os bovinos são animais herbívoros, ruminantes e biungulados, ou seja, possuem dois dígitos que apresentam partes vascularizadas e avascularizadas, além disso, cada casco contém uma coroa, parede e sola. Os dígitos são divididos entre lateral e medial, e além destes, os bovinos possuem os paradígitos que são considerados dígitos acessórios e não tocam no solo, apenas auxiliam nas movimentações e sustentação corporal.

Principais afecções 
As doenças podais podem estar intimamente relacionadas à claudicação dos membros, sendo um dos primeiros passos ao examinar um bovino. Nesse sentido, relacionado à bovinocultura leiteira temos como principais podopatologias: dermatite interdigital, erosão ungular, dermatite verrucosa, dermatite digital, flegmão interdigital. (FREITAS, 2011). Outros autores (NOCEK,1993), também descrevem, além das supracitadas, a pododermatite asséptica, pododermatite séptica, úlcera de solo e doença da linha branca, na lista como principais doenças.

Dermatite digital e interdigital.
É uma enfermidade que cursa com processo inflamatório causada principalmente por bactérias do gênero Fusobacterium e Dichelobacter. Esses microrganismos afetam a camada superficial da derme e podem assim comprometer ambas as faces do casco. Vale ressaltar que podem ser de origem primária ou secundária a traumas, além de cursar com caráter agudo, subagudo ou crônico. Quando aguda, esboça poucos sinais clínicos, mas em sua fase crônica provoca erosões no talão que levam à claudicações em níveis mais graves (SILVA, 2009; MORAES et al., 2004).

Flegmão (Gabarro)
É uma infecção de caráter necrótico que cursa com andamento agudo ou subagudo. Essa enfermidade atinge o tecido conjuntivo subcutâneo interdigital e pode ser caracterizada pela formação de um nódulo e edema interdigital. Como principais microrganismos presentes estão bactérias do gênero Fusobacterium, vistas principalmente no trato digestório dos animais, além disso há relatos de casos de sinergismos entre bactérias desse gênero com Prevatella melaninogenicus e Arcanobacterium pyogenes. Como principais sinais clínicos pode-se citar a claudicação, tumefação da pele e eritemas.

Erosão dos talões (Podridão dos talões) 
É uma afecção que cursa com degradação irregular do tecido epidérmico dos talões, formando assim sulcos e fissuras. Pode ser decorrente de uma dermatite interdigital e estar associada a quadros de laminite. Além disso, contatos do casco com substâncias irritantes podem desencadear erosão dos talões (SERRÃO, 2007). A erosão dos talões pode manifestar odor fétido na região além da mudança de coloração, apresentando cor enegrecida.

Laminite (Pododermatite Asséptica Difusa)
É uma inflamação das lâminas dérmicas do estojo córneo o que gera degeneração e necrose das lâminas na parede do casco. Apresenta caráter não infeccioso e como resultado de distúrbios digestivos e outras causas que acarretem em endotoxemia e ativação de fatores inflamatórios. Apresenta três formas: a subaguda onde os sinais clínicos são ausentes ou indistintos, a forma aguda apresentando depressão, anorexia, claudicação, movimentos de remar com os membros e hesitação em se locomover. Frequentemente, afeta o rebanho no início da lactação. Finalmente a forma crônica, em que não ocorre a manifestação de sinais sistêmicos contudo, ocorre a conformação anormal dos membros e claudicação (BARBOSA, 2019).

Fissura da linha branca 
As lesões iniciais normalmente com degeneração gerando pequenas fissuras ou espaços que facilitam a entrada de matéria orgânica e outros materiais. Com a infiltração é possível a observação de linhas escurecidas no interior da linha branca (SILVA, 2009; MULLING, 2002). O principal sinal apresentado é a claudicação, a elevação do membro acometido e a separação das aparas com impactação da linha branca (PLAUTZ, 2013).

Pododermatite circunscrita (Úlcera de sola)
É uma lesão que ocorre na sola que expõe o cório. Afeta principalmente os rebanhos leiteiros confinados, é considerada uma lesão secundária à laminite. Comumente afeta os membros pélvicos e as unhas laterais (PLAUTZ, 2013). São classificadas em abertas e fechadas, para o diagnóstico clínico é realizado uma pressão sobre a região hemorrágica caso o animal demonstre dor e desconforto é caracterizado como aberta e quando não demonstra como fechada (ALVIM et al, 2006). As úlceras crônicas, os sinais clínicos apresentados são claudicação intensa, elevação do membro afetado, decúbito, perda de peso, menor produção leiteira e pode ocorrer o inchaço unilateral do local afetado (MARTINS, 2002).

Prevenção e controle 
Para a prevenção e controle das afecções podais são adotadas medidas como programas de quarentena para animais recém-chegados aos centros de produção, exame regular dos cascos das vacas, controle de trânsito dos animais na propriedade, manter altos níveis de higienização dos estábulos, separação dos animais infectados dos sadios e principalmente, o pedilúvio e o casqueamento preventivo, curativo e cirúrgico (FERREIRA, 2016). O pedilúvio tem como objetivo elevar a resistência dos tecidos córneos além de atuar na prevenção e controle das infecções. Para apresentar resultados satisfatórios na propriedade é recomendado o uso do lava-pés concomitante (SOUZA et al., 2016). Os produtos mais indicados para o pedilúvio são: Formalina 3-5%, Formol 40%, Sulfato de cobre 3-5%, Sulfato de zinco 10%, e os antibióticos como as tetraciclinas, contudo ocorre a sua inativação em contato com a matéria orgânica. E o uso preventivo de 3 a 5 vezes semanalmente. E o casqueamento tem como objetivo equilibrar a distribuição de peso corporal do animal entre os dois dígitos do membro (SALVADOR. et al, 2018).

Conclusão
As pododermatites no rebanho brasileiro apresentam-se como um grande obstáculo para o desenvolvimento pleno da produção leiteira. Essas enfermidades ocasionam prejuízos econômicos para o produtor visto a elevação do seu ônus e também, a queda do bem-estar dos animais devido ao elevado grau de estresse gerado pelos males nos cascos, sendo capazes de provocar o descarte precoce do animal da linha de ordenha. Logo, é essencial um emprego profilático para a maximização do ganho nas propriedades e uma condição saudável ao rebanho, como as medidas de higienização, casqueamento preventivo e principalmente o correto manejo.

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