Se, antes da abertura dos portos, em 1808, animais brasileiros chegavam a colecionadores de toda a Europa, negociados por holandeses e franceses, a partir do século XIX, espécimes transferidos das colônias abasteceram amplamente os ricos acervos dos museus de história natural. Expedições eram contratadas ou recompensas eram pagas para aqueles que realizavam grandes coletas. Grandes colecionadores financiavam expedições para formar coleções privadas que, posteriormente, eram negociadas em leilões. As viagens realizadas por naturalistas ingleses, como William Swanson, Henry Bates e Alfred Russel Wallace, eram custeadas com a venda das coleções que formavam, conforme observou Sá (2015). O mesmo ocorria nas outras colônias europeias.

Em Portugal, as reformas implantadas pelo Marques de Pombal incentivaram as ciências naturais, e animais vivos transferidos das colônias eram destinados aos viveiros da Real Quinta de Belém. A Imperatriz do Brasil, D. Leopoldina, colecionadora de animais e plantas, foi grande incentivadora das expedições naturalistas austríacas e alemãs. No início do século XIX, apenas um dos zoólogos da comitiva austríaca, Johan Natterer, que permaneceu no Brasil por 18 anos, coletou 12 mil aves, 1.146 mamíferos, 1.621 peixes, 1.878 anfíbios, cerca de 33 mil insetos, 1.729 helmintos e 1.024 moluscos (Sá, op.cit.).

Segundo Domingues (1995), durante sua expedição científica, realizada entre 1815 e 1817, Maximiliano de Wied-Neuwied, o ‘príncipe-caçador’, seduzido pela paisagem vivamente colorida e o burburinho de cantos e vozes, lamentou não encontrar nada parecido na Alemanha onde, segundo ele, o homem fazia guerra a todas as criaturas vivas. Seria aqui diferente?

Dos animais que despertavam maior interesse para o europeu, a caça ao beija-flor se destaca por sua extravagante finalidade. As pequenas aves se transformavam em ornamento para chapéus e vestidos usados nos salões de Portugal e da França. Até o século XIX, beija-flores empalhados eram vendidos na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, por três mil réis. Suas penas, assim como as de outros pássaros, eram matéria-prima para a confecção de flores, muito apreciadas na Europa e nos Estados Unidos (Kidder & Fletchner, 1851 Apud Leite, 1984:101):

“Nenhum passageiro dos navios ingleses deve apressar a aquisição dessas belas lembranças das brilhantes aves do Brasil logo que chegue a São Vicente, pois os numerosos vendedores de miudezas dessa ilha oferecem um artigo inferior feito de penas artificialmente coloridas. O Rio de Janeiro é o melhor mercado para esse tipo de artigo. Nenhum enfeite excede em esplendor as flores feitas com as penas do colo e do pescoço dos beija-flores.”

Beija-flores só existem nas Américas e, segundo o levantamento realizado por Berta Ribeiro (1988),  nenhuma das 70 espécies que existem no Brasil era usada para a confecção de adornos plumários indígenas.  No imaginário indígena, o pequeno pássaro é o emissário da alma e mensageiro entre os mundos dos vivos e dos mortos, pela velocidade com que aparece e desaparece, como descreveu o escritor José de Alencar (1996:242):

“…os velhos da tribo ouviam de seus pais que a alma do homem quando sai do corpo se esconde numa flor, e fica ali até que a ave do céu vem buscá-la e leva-la para bem longe. É por isso que tu vês o Guanumbi saltando de flor em flor, beijando uma, beijando outra, e depois batendo as asas e fugindo.”

Os negócios internacionais envolvendo animais selvagens e exóticos prosperaram  entre a Europa e as colônias da América, Ásia e África. No século XIX, uma rede internacional envolvendo caçadores profissionais, barganhadores e intérpretes realizava o fornecimento de todo o tipo de animais em todas as regiões do planeta.  Medidas de segurança e logística foram criadas para vencer as mais variadas intempéries. Assim, segundo pesquisas de Thiago Riccioppo, elefantes, avestruzes, leões, tigres, leopardos, girafas, lhamas, ursos, renas, crocodilos, camelos, uma infinidade de cavalos, gados, répteis e pássaros eram capturados em seus diversos habitats e comercializados nos cinco continentes. O idealizador desse comércio foi o alemão Carl Hagenbeck, que também foi o principal responsável pela importação do gado zebu para o Brasil.

Além desse comércio de animais, ele promovia espetáculos bizarros de exibição de animais, brigas de cães, galos e outros animais, lutas de boxe com cangurus e shows circenses que percorriam a Europa e Estados Unidos. Também promovia shows étnicos, ou ‘human zoos’, que exibiam nativos em seus trajes e costumes acompanhados dos animais de suas respectivas regiões. Samoanos, lapões, nubianos, zulus, aborígenes, mapuches, esquimós atraiam um grande público.

Mudanças de mentalidade em relação aos abusos praticados contra animais, na Europa, proibiram tais espetáculos e, no final do século XIX, Hagenbeck adaptou-se aos novos tempos, criando um novo tipo de circo, onde o treinamento dos animais era realizado com métodos ‘gentis’.  Mais tarde, ele criou o maior zoológico particular da Alemanha substituindo o modelo tradicional de gaiolas com grades por recintos abertos isolados por fossos, para apresentar os animais em espaços que reproduzissem seus habitats naturais.

Mais informações:
Ana Lucia Camphora
alcamphora@gmail.com
https://animaisesociedadenobrasil.com

Imagem:
Caça à onça (detalhe). Johan Moritz Rugendas. Viagem Pitoresca através do Brasil (primeira edição em 1835)