A carne suína ou carne de porco é uma das mais antigas fontes de alimentação, tendo o animal sido domesticado a cerca de 5000 AC., tanto no Oriente Próximo quanto na China. A sua natureza adaptável a diversos ambientes e a dieta onívora permitiram a domesticação muito antes que qualquer outro animal pois, além da carne, sua pele era utilizada como abrigo, seus ossos como ferramentas e armas, e seus pelos como escovas.

A carne suína é dentre todas, a mais consumida no mundo. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento, CONAB, dão conta que no ano de 2018 foram produzidas no mundo 112 milhões de toneladas de carne suína contra 91 milhões de toneladas de carne de frango.

Para a revista Forbes, no somatório das carnes bovina, de aves, suína e ovina no ano de 2018 os Estados Unidos estão na liderança do consumo per capta com 98,6 kg, seguido da Austrália com 94,6 kg, da Argentina com 88,7kg e aparecendo o Brasil em 6º lugar com 78,6 kg per capita

Talvez um dos motivos desta colocação brasileira esteja no fato de que, grande parte dos consumidores patrícios ainda hoje rejeite o consumo desta carne por considera-la de baixa qualidade nutricional, rica em gordura e perigosa para a saúde por representar fonte de doenças. Esta crendice está associada aos métodos ultrapassados de criação dos animais, a comercialização muitas vezes de forma inadequada a partir de abates caseiros, portanto sem os cuidados higiênicos e sanitários adequados, complementada pelos incipientes processos de conservação.

Por ser um animal de menor porte dentre aqueles destinados a produção, acrescido do fato de poder ser mantido em espaços pequenos e com uma alimentação variada, são onívoros, sempre possibilitou que fosse criado tanto em ambientes rurais quanto urbanos, sem os cuidados sanitários e higiênicos adequados, advindo daí muitas doenças inclusive zoonoses.

Porcos x suínos industriais

Os até então denominados porcos, diferentes dos atuais suínos industriais, geralmente eram criados extensivamente em locais úmidos, pois acreditava-se que gostassem de viver nos lamaçais, tendo acesso a alimentos disponíveis nos locais em que chafurdavam, susceptíveis assim a contraírem toda sorte de doenças. No interior, em algumas situações, chegavam a ser criados no porão das casas, alimentando-se do que sobrava das refeições e até de fezes humanas que eram lançadas dos banheiros não providos das necessárias condições de saneamento básico.

Este tipo de criação, associada as raças existentes, originavam o chamado “porco tipo banha” com uma formação anatômica com baixa quantidade de carne, entre 40% e 45%, e alta quantidade de tecido adiposo, gordura, com espessura entre 5 a 6 centímetros distribuída sob a pele do animal, o que no passado representava um benefício, por ser a banha a única matéria prima a ser utilizada nas preparações culinárias como veículo para as frituras, preparações de temperos ou mesmo para conservação de peças de carnes em substituição aos processos de frigorificação ainda incipientes.

Nestas condições era quase regra geral que os animais apresentassem  alterações de saúde ou de características de sua carne em que a mais observada era a popularmente denominada  “canjiquinha” identificada por cistos que apareciam na carne já pronta para o consumo, geralmente na forma generalizada, que consiste  na fase intermediária de um parasito do homem chamado tênia, Tênia solium, vulgarmente solitária, que pode acarretar sérios problemas de saúde para quem a consome e cuja forma mais grave é a chamada neurocisticercose, que pode levar o paciente a apresentar quadros de convulsões e outros sintomas neurológicos. Pelo total desconhecimento esta carne com “canjiquinha” chegava a ser muitas vezes mais apreciadas pela população desinformada, que a considerava de melhor qualidade.

A gênese desta contaminação está na falta de condições adequadas de saneamento básico nas residências com consequente repercussão nos ambientes de criação dos animais, com o homem parasitado defecando em locais inadequados e acessíveis aos porcos. Nestas condições ovos da tênia expelidos pelo homem parasitado através das fezes, incorporados ao alimento ingerido pelo animal, evoluem para outra fase intermediária em forma de cistos que passam pela parede do intestino do porco e através da corrente sanguínea chegam ao tecido muscular que ao se transformar em carne, após o abate do animal, impregnada destes cistos, conferem o aspecto da popularmente “canjiquinha”.

Esta carne ingerida pelo consumidor leva ao fechamento então do ciclo biológico do parasito com o cisto evoluindo para uma nova tênia chegando ao intestino delgado do homem. Por falta de higiene ao levar a boca mãos sujas de fezes contendo ovos deste novo parasito ou, por um processo de retro peristaltismo, o homem se recontamina, com os ovos novamente passando para a forma de cistos que levados através da corrente sanguínea podem migrar para uma forma de cisticercose subcutânea, intraocular ou em casos mais graves, de neurocisticercose.

A evolução

Diferente da condição descrita, modernamente a evolução dos processos técnicos, através do melhoramento genético com o cruzamento de raças puras, programas adequados de manejo, sanidade, nutrição e instalações tecnicamente adequadas, propiciou um suíno e não mais porco, com maior produtividade, menores teores de gordura, apenas 1,0 a 1,5 centímetro de espessura de toucinho, com massas musculares mais desenvolvidas, 55 a 60% de carne magra na carcaça,  especialmente nas porções nobres como o lombo e o pernil, economicamente mais viável e sanitariamente seguro para o consumidor de sua carne ou de seus produtos derivados

Com esta modernização os animais passaram a ser criados não mais da forma extensiva, como descrito anteriormente ocupando áreas em promiscuidade com os seres humanos, mas agora em instalações próprias e adequadas, o chamado sistema intensivo ou de confinamento, alimentando-se com ração especifica e não mais de restos de comida, com os cuidados higiênicos e sanitários de tal forma que em média aos 150 dias com peso entre 90kg e 110kg, já estão em condições sanitárias hígidas para serem transformados  em produtos próprios para a alimentação humana, ou em matéria prima para processamento de produtos derivados com  qualidade nutritiva e sem o perigo de disseminar patógenos das doenças que anteriormente representavam fator de rejeição desta carne.

Atualmente todo o complexo do sistema agroindustrial da produção brasileira de suínos, emprega mais de 1 milhão de pessoas com valor bruto de produção da ordem de R$ 10 bilhões, conforme registra o Manual Brasileiro de Boas Práticas Agropecuárias na Produção de Suínos, trabalho conjunto da Associação Brasileira de Criadores de Suínos, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –  EMBRAPA e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Boa qualidade com baixo colesterol

Com respeito a qualidade nutricional, a carne suína da mesma forma que a dos demais animais utilizados como alimentos é oriunda do tecido muscular que após o abate do animal passa por transformações químicas, físicas e microbiológicas, juntamente com outros tipos de tecido adjacentes como o adiposo, conjuntivo e até epitelial, dando origem a produtos derivados diversos a partir da chamada carcaça. Sua composição básica é proteica, de alto valor biológico, contendo todos os chamados aminoácidos essenciais, que são aqueles que o organismo humano não consegue produzir no seu metabolismo, tendo como componentes principais a água 75%, proteína 22,5 %, gordura 1,5% e minerais 1%.

Quanto ao tão temido colesterol, no trabalho “Avaliação da Composição Centesimal e Perfil de Ácidos Graxos de cortes cárneos Comerciais de Avestruz, Suíno, Bovino e Frango”, a autora Tiffany Prokopp Hautrive e colaboradores, concluiu que dentre as carnes dos animais citados a que apresentou menor teor foi a de suíno (pernil) com 56,97 mg/100 gramas de carne, com a bovina (alcatra) apresentando 69,96mg/100g, seguida da avestruz (filé plano) com 75,39mg/100g e por último a de frango (coxa e sobrecoxa) com 75,95mg/100g.

Assim está claro que não há qualquer inconveniente no consumo de carne suína quer por razões sanitárias, quer de qualidade ou mesmo econômicas, por representar excelente fonte de proteína, de baixo colesterol quando comparada com as outras carnes, com os animais sendo criados em condições de controles sanitários rigorosos e comercializados a preços muitas vezes menores do que produtos com matérias primas de outros animais.

Está evidenciado que estas mudanças, aos poucos, vêm sendo percebidas pelos consumidores que já se habituam a adquirir a carne “in natura” ou produtos derivados de suínos como alimento de qualidade nutritiva e sanitária sem a preocupação de que possam ser transmissores de doenças ou que seu teor de gordura contribua para as complicações cardiovasculares a eles imputados.

Para comprovar os avanços técnicos conseguidos pela suinocultura e o consequente status sanitário adquirido é digno de citação o fato da carne suína ser a terceira mais consumida no Brasil, com cerca de 15 quilos por habitante/ano, sendo atualmente o país o quarto maior produtor e exportador mundial desta carne, com 3,7 milhões de toneladas produzidas e 643 mil toneladas exportada para 70 países, com a perspectiva para 2019 de superar as 700 mil toneladas, já que no primeiro semestre do corrente ano as exportações superaram em 24% às do mesmo período de 2018.

Por óbvio é considerar que independente deste avanço da suinocultura que alavancou toda a cadeia produtiva da carne suína, remetendo as melhores condições desde o abate até a transformação industrial, obedecendo aos critérios técnicos e de legislações que regem os padrões oficiais sobre o assunto, ainda são vivenciados procedimentos ditos clandestinos que campeiam por este país, estes sim, que sempre representaram e ainda representam graves perigos para a saúde pública a serem rechaçados. Nas pequenas e até nas grandes cidades é comum a venda de “carne de porco” em feiras livres e em outros comércios de rua, sem origem determinada, provavelmente oriunda de animais criados nas condições inicialmente descritas, abatidos sem a inspeção sanitária oficial obrigatória e sem as condições de conservação adequadas.

Carência de informação

É importante assinalar que, se ainda existe este tipo de comercialização, totalmente contrária aos interesses da saúde do consumidor é porque em consequência existe mercado, com parte da população desinformada,  incluída em todas as classes sociais, preferindo adquirir este alimento por julga-lo “mais fresquinho” se comparado aos regularmente comercializados, não se dando conta dos perigos para a sua saúde e dos reflexos para a econômica representados não somente pelos impostos não recolhidos sobre a produção e comercialização, mas principalmente pelos custos diretos e indiretos para assistência e tratamento das pessoas acometidos  por doenças por eles ocasionados

Para embasar as mudanças desta atividade em prol da saúde pública brasileira é importante citar declaração do Presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, para quem, “As conquistas obtidas na suinocultura brasileira também impulsionaram mudanças na percepção do brasileiro, como a responsabilidade na segurança alimentar, exemplo que passou a ser seguido por outros profissionais do campo”.