O alarde sobre os focos de peste suína em alguns países tem causado apreensão nos especialistas brasileiros, incluindo os AFFAs (Auditores Fiscais Federais Agropecuários), já que o país é um dos maiores exportadores de carnes do mundo. A apreensão é reflexo da IN (Instrução Normativa) nº 11 /2016 do MAPA, que permite a entrada de produtos de origem animal no país, sem a fiscalização dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários.

Desde a edição da norma, o Anffa Sindical vem trabalhando para modificar essa situação, buscando garantir o status sanitário do país. O tema já foi alvo de uma ação peticionada pelo Sindicato na Justiça, além de várias reuniões com a equipe de Defesa Agropecuária. Antes mesmo da publicação da IN 11, o Sindicato apontou diversos pontos à SDA (Secretaria de Defesa Agropecuária) quanto a correções necessárias para evitar que a aplicação da norma trouxesse problemas para os passageiros e para a fiscalização, incentivasse a importação e comprometesse a segurança sanitária nacional. Porém, a norma foi publicada sem levar em consideração importantes propostas apresentadas.

Também preocupado com a questão, o AFFA Carlos Magioli chegou a concluir uma tese de doutorado sobre a entrada de agentes patogênicos responsáveis pela transmissão de doenças para os animais, através de bagagens de passageiros de voos internacionais que chegam aos aeroportos brasileiros, especificamente no Rio de Janeiro, onde atuou. À época, o documento foi encaminhado resumidamente ao MAPA com observações sobre os preceitos da instrução normativa 11.

Aposentado, o filiado é mestre em Medicina Veterinária (higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal) pela Universidade Federal Fluminense (1990), e doutor em Medicina Veterinária (Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal) pela Universidade Federal Fluminense (2017).

Veja mais na entrevista concedida à equipe de Comunicação do Anffa Sindical.

Entrevista

1- Por que o senhor resolveu realizar uma tese relativa a esse assunto? Qual a importância da discussão do tema?

A minha tese de doutorado sob o título “Estudo e Avaliação dos dados de apreensões de produtos de origem animal pelo Serviço de Vigilância Agropecuária no Rio de Janeiro em voos internacionais” não se refere especificamente à peste suína africana, mas à possibilidade de entrada de agentes patogênicos responsáveis pela transmissão de doenças para os animais, através de bagagens de passageiros de voos internacionais que chegam aos aeroportos brasileiros, especificamente no Rio de Janeiro. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através do Serviço de Vigilância Agropecuária é o responsável pela fiscalização do trânsito internacional de produtos de origem animal e vegetal que chegam ou saem do país, seja com a finalidade comercial ou transportados em bagagens de passageiros. O Brasil, como quinto maior produtor de alimentos do mundo e o maior exportador de carne bovina e de aves, precisa manter um controle cada vez maior de suas fronteiras para que esta posição não seja quebrada, como aconteceu em 1978, com a entrada da peste suína africana, sabidamente através de restos de alimentação de bordo de aviões provenientes da península ibérica trazendo enorme prejuízo financeiro, com consequente reflexo social na área da suinocultura. No caso do Rio de Janeiro, apesar de existirem todos os dados referentes ao assunto, não estavam compilados e organizados de forma a gerar conhecimento, da mesma forma que outros dados relevantes de outros Serviços afeitos ao MAPA também não o estão perdendo-se grandes oportunidades de obtenção de informações técnicas que poderiam gerar conhecimento para o Ministério e para o país.

A importância da discussão do tema é pela relevância do país na produção de alimentos, prestes a se tornar o maior produtor do mundo e como tal, tem que estar na vanguarda dos controles sanitários fundamentais para a manutenção deste status. Para a FAO, o fortalecimento dos sistemas de inspeção de saúde animal e vegetal é uma área de apoio ao desenvolvimento dos mercados internos e internacionais para o setor agrícola brasileiro.

2 – O que o senhor pontuaria de mais relevante a ser considerado no seu estudo como sugestão de política de governo?

O que de mais relevante encontrado no meu trabalho foi o baixo índice de voos fiscalizados, ocasionado pela falta de uma metodologia de atuação do serviço de vigilância agropecuária para a definição dos voos a serem fiscalizados, uma vez que, o próprio Manual de Procedimentos Operacionais da Vigilância Agropecuária Internacional não instituiu este critério, ficando assim a cargo da equipe em serviço, que no caso do Rio de Janeiro, teve os seus esforços de trabalho mais voltados para os voos originários da República Portuguesa e com menor intensidade da República da Itália, países da África, Ásia e Oriente Médio. Outro fator preponderante foi a subordinação das atividades do VIGIAGRO aos ditames da Receita Federal na área primaria dos terminais de passageiro, limitando a atuação do serviço a aquiescência daquele órgão, que tem objetivos de barreira tarifária, enquanto a Vigilância Agropecuária tem objetivos de barreira sanitária. O Código Sanitário para Animais Terrestres da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) define como princípios fundamentais para os serviços veterinários a qualificação profissional, independência, imparcialidade, integridade, objetividade, legislação e organização do serviço. Com respeito à independência, recomenda que o pessoal dos serviços veterinários não esteja submetido a nenhuma pressão comercial, financeira, hierárquica, política ou de outro tipo que possa influir em seu juízo e em suas decisões. Em grande parte dos países a principal barreira internacional é a sanitária e não a tarifária.

Há de ser observado que no período do meu estudo, dos anos de 2010 a 2014, 74.510 voos internacionais chegaram ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro e destes 9.586 foram submetidos à fiscalização, o que representou um índice de 12,86%. Considerando que foram apreendidos 29.239,446kg de produtos de origem animais de 86 tipos diferentes, oriundos de 93 países dos 5 continentes, foi estimado que 198.127,94kg potencialmente capazes de albergar algum agente patogênico entraram ilegalmente no país somente pelo aeroporto do Rio de Janeiro. Em função da grande movimentação internacional de passageiros, não há relato de país que fiscalize a totalidade dos viajantes e mesmo na Austrália, que detém o maior rigor na fiscalização sanitária, 10% deles não passam por qualquer avaliação. Estes índices encontrados, quando comparados com alguns países de menor importância que o Brasil na produção de alimentos de origem animal, se mostraram baixos.

Tornar-se necessário reavaliar estes dois temas como forma de conferir uma maior eficiência às ações inerentes ao VIGIAGRO, como barreira a dar credibilidade ao produto brasileiro e salvaguardar nossa importância como celeiro do mundo.

3 – Em virtude de novos casos alarmantes sobre a peste suína africana, qual a necessidade de o governo brasileiro se prevenir? O senhor chegou a emitir críticas à IN 11 na época de sua publicação e apresentar ponderações pertinentes ao MAPA. Qual foi o feedback?

A produção de carne suína no Brasil em 2017, ainda como reflexo do episódio da peste suína africana e de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal foi de 3,758 milhões de toneladas, estando o país na quarta colocação entre os maiores produtores, fator que tende a crescer e que um problema sanitário de tal gravidade poderia reverter levando novamente a comprometimentos econômicos significativas, não somente pelos recursos necessários para controlar a doença, como também pela perda de mercado nacional e internacional. Cito informação do Ministério da Agricultura à época de que, somente com os controles para erradicação do surto de 1978, foram gastos vinte milhões de dólares e o país ficou 15 anos alijado do mercado internacional.

A este respeito não vejo outra forma de prevenção que não seja a intensificação da fiscalização nas barreiras internacionais, baseada em critérios científicos e fatores de risco, a partir de dados divulgados pelas principais instituições voltadas para a sanidade animal, principalmente a OIE, além da instituição de multas pecuniárias pesadas para quem for pego transportando produtos proibidos de entrarem no país. Em vários países de mundo, como por exemplo no Chile, a punição pela multa diminui muito o ímpeto do passageiro em portar produto proibido.

Na época redigi um texto com as minhas observações sobre os preceitos da instrução normativa 11 que intitulei de “Considerações sobre a IN 11 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”, com resumo publicado na revista do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro e como sou Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária no Estado do Rio de Janeiro, também coloquei o texto a consideração dos meus pares, sendo deliberado pelo envio ao Secretário de Defesa Agropecuária, Luiz Eduardo Pacifici Rangel, não havendo qualquer manifestação desta autoridade a respeito.

Mais recentemente, em outubro de 2017, tive um artigo, versando sobre o mesmo assunto, publicado sob o título “A importância da fiscalização sanitária de alimentos nas barreiras internacionais” na revista Animal Business Brasil da Sociedade Nacional da Agricultura.

4- Seu material foi publicado na Academia Brasileira de Veterinária. Essas críticas em torno da IN 11 chegam a ser um consenso entre especialistas? O que o senhor gostaria de deixar como mensagem a nova ministra em relação a esse assunto?

As considerações foram de caráter pessoal em função da minha experiência como Auditor Fiscal Federal Agropecuária com trabalho no SVA/AIRJ, não havendo publicação na Academia Brasileira de Medicina Veterinária além das citadas anteriormente e se houve manifestação de algum especialista no assunto, esta não foi de meu conhecimento. O objetivo da tese e das considerações sobre a IN 11 foi deixar a minha contribuição para o MAPA como retribuição a tudo que aprendi e vivi nos 37 anos de dedicação aos serviços tanto de inspeção federal, quanto de vigilância agropecuária.

A nova Ministra, caso me fosse dada esta oportunidade, deixaria como mensagem algumas das conclusões do meu trabalho de tese sobre a importância para o Brasil dos serviços veterinários de fronteiras ao considerarmos suas dimensões territoriais, extensão de faixas limítrofes e relevância como produtor e exportador de alimentos, pois países que dispõem de um sistema de sanidade eficientes geram credibilidade ao consumidor interno, ao cenário internacional e agregam valor aos seus produtos. Para isto os objetivos devem se enquadrar nos preconizados cientificamente para gestão de risco, como um processo estruturado com base em políticas voltadas para a determinação do nível de proteção que o país deseja garantir ao seu território e as medidas que serão usadas para atingir esse nível de proteção. Alertar ainda para a necessidade de mudanças na legislação brasileira, de forma a conferir ao Auditor Fiscal Federal Agropecuária, no seu trabalho em barreiras internacionais, autonomia para executar a sua ação fiscalizadora de forma profissional, sem interferência de outros órgãos alheios aos conhecimentos técnicos que o cargo requer.

02 Janeiro 2019