Tanto no Brasil, quanto no mercado mundial, o Covid-19 causou elevação dos preços, em um processo inflacionário de um modo geral. No mercado global, em 2022 o preço do leite para o produtor atingiu um pico de US$ 0,63/kg em abril, com média do ano em US$ 0,53/kg, 58% acima do patamar histórico 2015-2020 de US$ 0,34/kg. No início de 2022 se registrou uma desaceleração dos preços dos derivados lácteos, impactada por uma demanda fraca e queda nas importações chinesas. Mas, o que se verificou é que esse recuo no preço dos derivados não foi inicialmente acompanhado pelo preço ao produtor, que seguiu firme ao longo de 2022. Na Europa, o leite passou de US$ 0,47/kg em janeiro/22 para US$ 0,62/kg no final do ano. Em alguns mercados como Nova Zelândia e Estados Unidos, as cotações ao produtor registraram uma queda ao longo de 2022. Já em 2023, o que se observa é uma queda generalizada nos preços globais, com reflexos no preço ao produtor.
No Brasil, o 1º quadrimestre de 2023, em razão de uma oferta de leite restrita no início do ano e pela aproximação da entressafra, os preços estiveram acima do patamar médio 2021-22, atingindo R$ 2,90 o litro em abril. Mas, o movimento mais recente é de queda nas cotações, tanto para o produtor quanto dos derivados lácteos no mercado atacadista. O início da alta dos preços para o produtor no Brasil em meados de 2020 pode ter relação com uma série de fatores, mas especialmente relacionados ao baixo crescimento da oferta de leite no Brasil, em razão da alta dos custos de produção. O custo real da mistura (70% milho e 30% farelo de soja), na média do período 2021-22, foi de R$ 2,07/kg, preço 74% maior do que a média dos seis anos anteriores de R$ 1,19/kg. A evolução desse indicador foi similar na perspectiva do produtor mundial. No 1º quadrimestre de 2023 o custo da mistura caiu 8%, o que tem melhorado as margens do setor. Sob a ótica da margem do preço sobre a mistura, considerando uma proporção de 3 litros de leite para um quilo da mistura 70+30, que na média 2021-22 era R$ 1,50 o litro, em abril/23 esse indicador fechou em R$ 2,55 o litro, o que ilustra um bom resultado no início de 2023.
No entanto, o momento atual sinaliza para um cenário mais desafiador. O Brasil convive com uma oferta de leite estagnada no patamar próximo dos 34 milhões de toneladas desde 2014. Em 2023 as importações de lácteos vêm ocorrendo em nível elevado, com um volume de 851 milhões de litros-equivalente nos cinco primeiros meses do ano. O volume importado em relação a produção nacional inspecionada está em torno de 10%, enquanto historicamente fica próximo de 4% a 5%. Os maiores fornecedores de lácteos do MERCOSUL, por sua vez, em 2022 seguiram com preços ao produtor menores que o brasileiro, sendo 23% no Uruguai e 30% na Argentina. Além disso, com custos de produção 20% menores, conseguem ser mais competitivos no fornecimento ao mercado do Brasil. No caso da Argentina, essa maior competitividade está atrelada à estrutura de produção formada por fazendas com 150 vacas ou mais, produzindo quase 3.000 litros por dia em média, e escala muito superior à existente no Brasil.
Neste momento de importações elevadas e considerando que nos próximos meses a produção de leite tende a crescer no Brasil, o cenário de sustentação das cotações fica comprometido. Embora se tenha a expectativa de alguma retomada do consumo, com a inflação mais controlada, preços dos derivados lácteos mais baixos no varejo, e suportes financeiros do Governo Federal às famílias de baixa renda, não se espera uma demanda com capacidade de sustentar o aumento da disponibilidade de leite via produção e importação.
Embrapa Gado de Leite