A revista Animal Business Brasil entrevistou Francisco Cavalcanti de Almeida, Presidente do CFMV – Conselho Federal de Medicina Veterinária.

Por Luiz Octavio Pires Leal-editor

É lamentável o fato de no Brasil estarem autorizadas a funcionar mais de 500 faculdades de medicina veterinária, a grande maioria delas, particular. O fato de o mundo todo ter, no total, menos de 400 faculdades de medicina veterinária é surpreendente.

E tem mais: um bom número desses supostos estabelecimentos de ensino utiliza, parcialmente, o EAD = Ensino À Distância e uma quantidade menor, faz de conta que está formando profissionais num curso superior de medicina veterinária, totalmente à distância.

P. Como isso pode acontecer? Como chegamos a esse ponto absurdo?

R. Infelizmente, a política de democratização de acesso ao ensino superior, de forma geral, priorizou a quantidade, em vez da qualidade. Assim, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) passou a emitir pareceres permitindo a abertura de cursos de graduação em Medicina Veterinária sem a menor condição de atenderem às necessidades de formação na área. E não sou eu que estou dizendo!

A nossa Comissão Nacional de Ensino da Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV) avaliou, no ano passado, 40 Projetos Pedagógicos de Curso submetidos ao MEC, entre 2018 e 2021. A comissão concluiu que nenhum desses possíveis novos cursos, pertencentes a instituições privadas, possuiria condições mínimas de funcionamento. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Regulação do Ensino Superior (e-MEC), a partir de um termo de colaboração firmado entre o conselho e o próprio ministério. Mesmo assim, o processo de credenciamento dessas instituições foi adiante.

P. Na sua opinião, existem professores realmente capacitados, especializados nas diversas matérias, disponíveis para ministrar aulas competentes nessa quantidade absurda de faculdades?

R. Olha, Luiz, acho que acaba sendo um efeito dominó. Acredito que haja excelentes profissionais ministrando aulas nesses cursos abertos recentemente, mas se você pensar que é um curso de graduação com duração de cinco anos, é preciso haver professores qualificados para todas as disciplinas, e não só para uma ou duas.

Infelizmente, muitos cursos, principalmente em instituições particulares, acabam colocando muitos professores de outras áreas das Ciências Agrárias para ministrar aulas na Medicina Veterinária, até mesmo na direção da faculdade.

Por entender que quantidade e qualidade dificilmente caminham juntas, o Sistema Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária (CFMV/CRMVs) se mobilizou nos últimos quase seis anos contra o ensino a distância e em prol da qualidade dos cursos de graduação.

P. O que o senhor, como uma reconhecida autoridade nesse assunto, acha da qualidade técnica, dos nossos colegas formados na maioria dessas faculdades? Eles estão capacitados a enfrentar, o mercado de trabalho com alguma chance de êxito?

R. Sempre haverá o colega que, por falta de opção de frequentar outra instituição de ensino, mas interessado e ciente de que o que está vendo ali na sua graduação é insuficiente, vai buscar o conhecimento e a formação complementar para se qualificar, para melhorar.

No entanto, sabemos: a maioria dos estudantes acaba sendo vítima de estelionato educacional, tem dificuldade para trabalhar na área ou se submete a receber valores irrisórios por seus serviços.

Sem falar que a má qualidade da graduação faz com que esses indivíduos tendam a cometer mais erros na execução de seu trabalho, gerando mais processos ético- profissionais e insatisfação de empregadores e clientes com o trabalho realizado, desvalorizando ainda mais a profissão.

P. Qual a solução do momento para resolver esse problema?

R. Como Conselho profissional, não temos como interferir para impedir a criação de novas escolas de Medicina Veterinária, pois não há dispositivo legal que permita nossa contribuição. Porém, diante da situação atual, na qual muitos cursos não garantem a qualidade necessária para os médicos-veterinários cheguem totalmente preparados ao mercado de trabalho, o Sistema CFMV/CRMVs atua para atingir as seguintes metas:

• Fim dos cursos a distância na área da saúde;
• Retorno do exame nacional de proficiência dos cursos de Medicina Veterinária;
• Suspensão da autorização de abertura de novos cursos, até que se possa averiguar a situação dos mais de 500 em funcionamento;
• Participação do Conselho Federal de Medicina Veterinária na homologação de novos cursos, a partir de critérios técnicos, na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do Ministério da Educação (MEC).

É preciso que a sociedade saiba a importância de os futuros médicos-veterinários escolherem um curso de qualidade, com aulas em tempo integral, presenciais, com professores capacitados e estrutura na qual o estudante possa vivenciar sua futura vida prosissional.

P. A nossa antiquada legislação que regula o funcionamento dos Conselhos, inclusive do Federal, presidido pelo colega, lhe confere autoridade para fechar as faculdades sem um mínimo de condições para ministrar um curso razoável, uma vez que se transformaram em verdadeiro comércio inescrupuloso?

R. Não temos essa atribuição legal, que cabe à Seres. É o MEC que faz o credenciamento e recredenciamento das instituições, dos cursos de graduação e que fiscaliza o cumprimento da legislação educacional. Os conselhos profissionais só atuam após a formatura, fiscalizando, orientando e normatizando o exercício profissional.

Mas, como disse na resposta acima, estamos buscando com o MEC e por meio de projetos de lei, mudar essa situação para sermos mais influentes na formação dos futuros médicos-veterinários.

P. Não podemos copiar o sistema da OAB?

R. Em relação ao disposto no artigo 41 do Decreto nº 9.235/2017, a manifestação do Conselho Federal da OAB é meramente opinativa, conforme consta no inciso 3º. Ou seja, não há poder de veto sobre a abertura de novos cursos de graduação.

De todo modo, para o CFMV ter um papel mais ativo na aprovação e fiscalização das escolas de Medicina Veterinária, é preciso haver uma mudança legislativa. Por exemplo, o referido decreto conferir caráter vinculante aos pronunciamentos dos conselhos e a Medicina Veterinária compor esse rol de cursos.

Por Por Luiz Octavio Pires Leal-editor