Mais que em qualquer outra espécie zootécnica de produção, a correlação entre aparência geral e função nos equinos é maior, tendo em vista que o “produto primário” explorado pelo homem baseia-se em sua capacidade de locomoção. Contudo, muito se questiona nos julgamentos de raças marchadoras quanto à ordem das classificações, em cada quesito. Para melhor entendimento da mecânica do julgamento morfofuncional, é preciso esclarecer que as avaliações de morfologia e andamento são independentes e baseados em conceitos próprios.

O jurado de morfologia busca, dentre os animais apresentados, aquele mais equilibrado e com melhores angulações, uma vez que o “balanceamento” gerado pela proporcionalidade das partes e posicionamento angular de algumas regiões corpóreas, pode interferir na forma de locomoção. Além de uma boa proporcionalidade e correção do centro de equilíbrio, existe a necessidade de boas angulações e linhas corretas de aprumos nos membros, uma vez que tais fatores podem indicar tanto uma movimentação mais ampla e elástica (dependendo da capacidade muscular e tendínea) como a longevidade do animal como atleta.

Origem da marcha

Em relação à marcha, existem várias hipóteses sobre a sua origem. Embora alguns acreditem que essa seja uma  características relacionada à conformação, estudos indicam que este tipo de andamento está relacionado ao controle neuromotor, comandos neurológicos que coordenam a distribuição dos apoios no solo. É mais provável que certas proposições e angulações apenas favoreçam, em menor ou maior intensidade, o andamento marcha.

Além de uma boa proporcionalidade e correção do centro de equilíbrio, existe necessidade de boas angulações e linhas corretas de aprumo nos membros.

Tal fator independente pode provocar a discrepância supracitada entre os julgamentos de andamento e morfologia. Para melhor ilustrar a diferença entre os dois quesitos de avaliação, pode ser citada a penalização, por parte do jurado de morfologia, à desproporção corpórea, angular ou mesmo uma má conduta na linha de aprumos de um determinado animal que, minutos antes, havia sido campeão de marcha. Para um melhor entendimento da dicotomia encontrada nos dois julgamentos, é preciso entender alguns conceitos que serão abordados a seguir:

Equilíbrio corporal

Quando em estática, os equinos encontram-se em posição de  equilíbrio, ou seja, estão mantendo o centro de massa corporal  entro da base de sustentação. No caso específico dos quadrúpedes, esta base de apoio deve distribuir o peso corporal nas quatro patas, sem maior sobrecarga em um ou outro membro (Figura 1). Na presença de deformidades dos membros ou em casos de desproporção das regiões corporais, o corpo adota determinadas posturas para atingir um objetivo. Busca por uma postura mais confortável, visando minimizar o desequilíbrio.

Figura 1. Distribuição simétrica do peso, de acordo com as linhas de aprumos.

Em situação de equilíbrio, o corpo do cavalo apresenta uma região onde as massas se anulam, chamada Centro de Gravidade (C.G). De acordo com Buchner (2000), o posicionamento desse centro, embora possa variar de acordo com o tipo, raça ou indivíduo, na maioria das vezes encontra-se no ponto gradial costal, imediatamente caudal à linha que separa os terços cranial e médio do corpo (Figura 2).

Figura 2. Posicionamento Centro de Gravidade (C.G).

De acordo com Chieffi & Mello, citado por Lage (2001), a posição do centro de gravidade tem grande importância na estabilidade dos andamentos, pois quanto mais este centro estiver afastado do solo, mais difícil será a manutenção do equilíbrio durante o deslocamento, tendendo a quedas.

Quando o cavalo se locomove, o centro de gravidade sofre deslocamentos para frente, para os lados e também para cima. Para frente, graças à progressão do tronco; para os lados, quando há mudança de apoio entre os bípedes laterais; e para cima, por causa da flexão e extensão propulsiva, acentuando-se quando há momento de suspensão (Bretas, 2006).

Sendo assim, a locomoção de cavalos mais equilibrados (aqueles que possuem simetria entre as regiões anatômicas, capacidade de se deslocar com rapidez e precisão de forma multidirecional com coordenação e segurança), torna-se mais fácil e com menor comprometimento à integridade física pela ausência de compensações.

Angulações

Segundo Barrey (2001), o aparelho locomotor é um complexo sistema que contempla músculos, segmentos ósseos e articulações que são controlados pelo sistema nervoso central, produzindo a movimentação coordenada. Para que haja uma boa coordenação e otimização na qualidade do movimento, faz-se necessário que os membros apresentem ossos, músculos, tendões, ligamentos e cápsulas articulares íntegros e funcionais.

Fatores como elasticidade, amplitude das passadas e absorção de impactos estão relacionados com as angulações dos membros (Figura 3), porém, considerando que a distribuição de apoios apresenta caráter neurológico e que cada indivíduo pode se adaptar as suas limitações físicas – muitas vezes compensando a sua forma de locomoção -, o julgamento morfofuncional para angulações torna-se um indicativo de boa movimentação e não uma certeza de um andamento marchado de boa qualidade.

Figura 3. Pontos de identificação das principais angulações (Bretas 2006).

tronco, amplamente modificada pelos equitadores ou apresentadores dos animais jovens ao cabresto, pode alterar o centro de equilíbrio, fazendo angulações sofrerem mudanças, muitas vezes mascarando uma movimentação do animal. Fatores como treinamento e condicionamento muscular, por exemplo, podem interferir na forma de observação do jurado da morfologia, aumentando ainda mais a possibilidade de não concordância entre dois julgamentos.

Conclusão

O julgamento fenotípico tem caráter subjetivo. Para que o mesmo apresente contribuição no melhoramento genético de qualquer raça, é preciso que seja efetuado com maestria por técnicos especializados. A prática de avaliação de componentes do padrão racial de forma separada, como morfologia e andamento, sinaliza aos criadores os indivíduos que mais se aproximam do padrão desejável.

Como os padrões de andamento e morfologia são subdivididos em múltiplos itens de avaliação, cada um com pesos distintos e possibilidades de compensações, algumas vezes é difícil haver concordância na classificação, entre os dois quesitos. Para que haja uma contribuição significativa ao melhoramento genético, independentemente da raça, e maior aproximação entre os julgamentos da morfologia e andamento, além de capacidade técnica, é necessário que os animais sejam apresentados da maneira mais natural possível.