O Brasil como significativo produtor mundial de ovos atrás de países como China, Índia, União Europeia e Estados Unidos, tem nessa atividade importante concentração de produção familiar, com tendência a maior aceitabilidade do produto por parte do consumidor pela identificação local associada a memória afetiva das criações domésticas, qualidade sensorial, nutricional e sanitariamente, dada pelo capricho no manejo pela mulher produtora.
A produção é considerada familiar quando o produtor possui um imóvel rural com até quatro módulos fiscais, utiliza predominantemente mão de obra da própria família, tem a maior parte da renda proveniente de atividades do próprio estabelecimento e dirige a produção, com o envolvimento familiar na gestão.
Entretanto para os produtos de origem animal como é o caso do ovo, a lei federal 1.283 de 1950 restringe a comercialização para os estabelecimentos, sejam industriais ou familiares, cuja produção ou beneficiamento tem de ser submetida as fiscalizações dos órgãos de inspeção federal, estaduais ou municipais, que estabelece regras definidas por tipo de estabelecimento sem considerar, na maioria das vezes, o volume de produção, seja para grande empresa industrial seja para a pequena empresa familiar, os critérios de legislação são no geral os mesmos.
Há de se notar que as pequenas produções familiares com raríssimas exceções, não conseguem em função da estrutura física e os poucos recursos para investimentos, cumprir as determinações legais o que as impede de alcançar mercados de maior monta e valor agregado dos ovos caipira, ficando apenas nos comércios em feiras livres, no chamado” porta a porta” e no “carro do ovo”.
Para a inclusão legal no mercado e propiciar ao produtor de até 3600 ovos/dia ter uma estrutura simples de beneficiamento que atenda a legislação federal foi criada a Instrução Normativa 5 de 2017, que permite sair da margem da lei e vir para a formalidade.
Deste modo a possibilitar o seu registro nos órgãos de fiscalização e o consequente oferecimento dos ovos em diversos mercados, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, por intermédio da Embrapa Agroindústria de Alimentos elaborou o Manual de Programas de Autocontrole (PAC), Beneficiamento a Seco do Ovos.
O Manual, produto da construção coletiva de 33 profissionais de várias áreas e de instituições brasileiras de ensino, pesquisa, extensão fiscalização e de consultoria do setor produtivo, está em consonância com as atuais normas do Ministério da Agricultura e Pecuária para estabelecimentos agroindustriais de pequeno porte e alinhado com os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas.
Trabalho único no Brasil desenvolvido com base no denominado Projeto OvOLimpo, Embrapa, coordenado pelos pesquisadores Eduardo Henrique Miranda Walter e Fénelon do Nascimento Neto, vem a estimular os pequenos produtores na melhoria dos sistemas de produção, demonstrando que a qualidade do ovo começa no galinheiro, a verdadeira “fábrica” dos ovos, que requer medidas coleta dos ovos, criação de aves saudáveis e bem nutridas em ambiente adequado, de forma a produzir um alimento seguro, próprio para o consumidor com a consequente geração de renda para o produtor.
Ao serem desenvolvidas pelo produtor as boas práticas agropecuárias orientadas para o ambiente de postura, a matéria prima ovo chega a unidade de beneficiamento em condições higiênicas que permite simplificar o processo tecnológico de beneficiamento, eliminando a necessidade de fase de lavagem dos ovos, preconizada no Projeto OvOLimpo.
O processo de Beneficiamento a Seco dos Ovos (BenSeco) que integra o Projeto OvOLimpo diminui consideravelmente os custos do produtor em instalações, equipamentos, consumo de água e mão de obra, agilizando o processamento e a oferta do produto fresco ao mercado, com ganho de qualidade para o consumidor.
A associação entre o Projeto OvoLimpo, o Projeto Beneficiamento a Seco dos Ovos (BemSeco) e os Programas de Autocontrole instituídos pela lei 14.515/2022 forjou o “Manual Programas de Autocontrole – Beneficiamento a seco de ovos” que ora se apresenta como uma ferramenta importante para que o pequeno produtor de ovos, com poucos recursos e de forma simplificada possa ter o seu estabelecimento agroindustrial em conformidade com os requisitos necessários a sua regularização.
O Manual é organizado em capítulos abordando desde croqui sugestivo para a edificação da área física para beneficiamento com emprego de no máximo 2 funcionários, que podem ser inclusive os próprios produtores, até a descrição detalhada dos 11 roteiros dos elementos de controle, PACs, previstos para implantação no tipo de processamento sugerido, baseados na Norma Interna 1 de 2017 do Ministério da Agricultura e Pecuária, nos “Princípios Gerais de Higiene Alimentar” do Codex Alimentarius e no “Sistemas de gestão de segurança de alimentos” da norma ABNT NBR ISO 22000.
Certamente o Manual representa uma fundamental ferramenta para aqueles que se dedicam a matéria e que pretendem utiliza-la, mesmo que seja para outras atividades que não a de beneficiamento de ovos, pois os temas nela abordados, quando adaptados, podem servir de guia para atividades diversas em estabelecimentos de produtos de origem animal.
Este primoroso trabalho em contribuição as políticas públicas de inclusão dos pequenos produtores, certamente veio ensejar com que o consumidor tenha a sua disposição um produto saudável com as características nutricionais próprias e com a segurança sanitária que dele se espera a contribuir para a qualidade de vida do cidadão e maiores rendimentos financeiros para o produtor.
Boa leitura.
Carlos Alberto Magioli, Médico Veterinário, membro titular da Academia de Medicina Veterinária no RJ
Foto de capa: Freepik.com