A pandemia pelo Covid-19 abalou diversos setores de produção mundial, sendo perceptível na situação nacional os impactos causados nas atividades agrícolas. O cenário de isolamento e fechamento rápido de comércio necessários por medidas sanitárias, para muitos agricultores, foi de difícil adequação de forma rápida e apropriada. A problemática gira em torno dessas limitações terem agravado o cenário de insegurança alimentar e pobreza, que se mostram mais expressivos no campo do que na cidade (IBGE, 2010; IBGE, 2014). A agricultura familiar se assenta em uma oferta presencial de produtos e foi diretamente afetada. Essa diminuição na demanda impactou na viabilidade econômica das atividades e na segurança alimentar dos agricultores (Reis & Quinto, 2020).

O termo agricultura familiar começou a ganhar espaço no Brasil na metade da década de 1990, sendo um sistema que visava preservar a natureza familiar das atividades agrícolas, com uma lei que apresentava requisitos para se classificar um agricultor familiar. Este, deveria possuir área de 4 (quatro) módulos fiscais, utilizar predominantemente mão-de-obra familiar nas atividades econômicas de sua propriedade e ser dirigida por sua família. Esse sistema é o principal responsável pela diversidade de produtos alimentícios que chegam às casas da população brasileira.

No estudo disponibilizado pelo censo agropecuário de 2017, aponta-se no país, que cerca de 3,8 milhões de estabelecimentos são classificados como agricultura familiar, empregando mais de 10 milhões de pessoas, representando 67% do total de pessoas ocupadas no campo. Em relação às cadeias produtivas de caprinos e ovinos que se enquadram nesse grupo, temos aproximadamente 69% da produção de leite de cabra, 70% dos rebanhos de caprinos e 57% dos rebanhos de ovinos. Esses valores se tornam ainda maiores quando se trata de estabelecimentos rurais, com a produção de leite subindo para 80%, o rebanho de caprino aumentando para 78% e o rebanho de ovinos para 73%.

O observado então é que as cadeias curtas de comercialização, ou seja, circuitos curtos de comercialização que sobrepõem a venda direta ao consumidor, característica de produções de caprinocultura e ovinocultura, passam a ter retração no mercado, pois é direcionado ao contato entre pessoas, baseado em feiras popularmente conhecidas como “feiras dos animais”, que por certo tempo se mantiveram inativas. Também é visível a dificuldade com a manutenção da capacidade plena de operação de frigoríficos, já que a alteração do turismo impactou principalmente regiões onde esse tipo de carne é tradição da culinária popular.

Diante do cenário de pandemia, os impactos decorrentes do surto de Coronavírus na caprino e ovinocultura ainda não são conhecidos por completo. O que se sabe é devido aos levantamentos feitos pela Embrapa Caprinos e Ovinos (2020) com colaboração de produtores locais de diversas regiões do país. Com as medidas de distanciamento social, estabelecimentos como churrascarias, restaurantes e hotéis, principalmente os localizados em regiões litorâneas ou regiões onde a carne caprina e ovina é tradicional, os impactos foram observados, já que o consumo da carne desses animais tem diminuído. Vemos a maior bacia leiteira de caprinos do país, compreendida pelas regiões do Cariri Paraibano, Sertão e Agreste Pernambucano, sendo afetada tanto com a decaída do preço do leite de cabra para R$ 1,00/litro, quanto pela manutenção das operações de entrega do leite de cabra para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que foi complicado com a suspensão de aulas nas escolas. Outro polo importante de caprinocultura do país, localizado no Rio de Janeiro, mais especificamente na região Serrana, também tem enfrentado adversidades na comercialização de leite de cabra e derivados. Com um comércio quase parado e o preço do leite baixo, os produtores com maiores rebanhos optaram por interromper a lactação, tendo como alternativa secar todas as cabras e renovar a lactação delas. Além disso, os pequenos produtores de leite de cabra acabam por enfrentar problemas ainda maiores. Os compradores de laticínios dos pequenos agricultores são menores, como os restaurantes, por exemplo, que suspenderam as compras.

Os governos federais, estaduais e municipais tiveram grandes demandas durante a Pandemia do covid-19, tendo que definir medidas emergenciais para enfrentar os problemas. De acordo com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), 63% da população mais pobre do mundo são os trabalhadores agrícolas. A Renda Básica Emergencial (RBE), adotada pelo governo federal, acabou por não ser suficiente para minimizar os impactos na fração brasileira mais vulnerável, proporcionando insegurança alimentar (disponibilidade, obtenção, estabilidade e ingestão de nutrientes). Dessa maneira, ações estaduais são extremamente importantes para apaziguar os efeitos negativos decorrentes das medidas restritivas.

Ainda que cooperativas e associações sofram com as dificuldades decorrentes da Pandemia, produtores isolados acabam por ter maiores dificuldades com a comercialização de produtos, além da diminuição do seu valor. Ainda, a diminuição das vendas resulta num maior estoque de animais para o abate, gerando ampliação de oferta e, por consequência, diminuição do valor pago pelos compradores. Nessa conjuntura de Pandemia decorrente do coronavírus, ações e estratégias podem ser adotadas afim de mitigar os impactos sociais e econômicos dentro da agricultura familiar, tendo como principais atores dessas mudanças, a sociedade civil e os formuladores de políticas.

Dessa maneira, os produtores acabam por procurar alternativas de comercialização, além de conferir maior atenção aos meios digitais como canal de comunicação, sendo, também, uma grande oportunidade para os jovens crescerem nos negócios. Além do mais, observou-se na população o aumento da preocupação com a saúde e segurança alimentar, tendendo a manter esse comportamento após a pandemia. Assim, buscar explorar o apelo pela economia local, pode ser vantajoso. Ainda, deve-se ficar atento aos custos da produção, principalmente nos produtos que alimentam os rebanhos, analisando quais estão com preços mais elevados, a fim de substituí-los por um de menor valor de aquisição. Deve-se, neste momento, evitar qualquer custo desnecessário e fazer um fundo de caixa, além de fazer usos de tecnologias que auxiliarão na racionalização de custos dentro da produção. Não se deve esquecer de mobilizar redes de apoio como Embrapa, Senar, Sebrae, FAEs, FETAGs, CNA, OCB, bancos públicos, instituições de ensino e pesquisa, poderes públicos etc. para a colaboração em diferentes frentes de ações.

Em suma, observamos que, durante esse momento de crise decorrente do SARS-CoV-2, o escoamento das produções foi reduzido e, consequentemente, houve o comprometimento da renda dos trabalhadores familiares. Proporcionar um maior aperfeiçoamento das cadeias curtas de abastecimento alimentar pode ser uma estratégia que irá acarretar num maior acesso aos alimentos dos produtores familiares. Desse modo, vemos uma oportunidade de transformações nessas cadeias, idealizando um sistema democrático, sustentável e resiliente (Raquel Breitenbach, 2021). Uma maior ênfase nas cadeias curtas de abastecimento pode acarretar numa maior produção e incentivo ao consumo de produtos locais, o que gera mais empregos aos agricultores familiares. Desenvolver estratégias num cenário de crise, reflete a oportunidade de mudança, e são nesses cenários que grandes transformações acontecem.

Não se pode deixar de apontar que nenhuma informação é conclusiva, já que até o presente momento da escrita deste texto, a pandemia e seus problemas ainda estão ocorrendo. Conforme os embaraços da pandemia vão se distanciando, estratégias poderão ser avaliadas enquanto sua efetividade.

Referências bibliográficas:

BREITENBACH, R. Estratégias de enfrentamento dos efeitos da Pandemia na agricultura familiar. Desafio Online, Campo Grande, v. 9, n. 1, p. 188-211, jan./abr. 2021. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/deson/article/view/10941/8877. Acesso em: 5 de outubro de 2021.

LUCENA, C. C. de. et al. Atuais e potenciais impactos do coronavírus (Covid-19) na caprinocultura e ovinocultura. Embrapa Caprinos e Ovinos – Boletim do Centro de Inteligência e Mercado de Caprinos e Ovinos, Sobral,  n. 10, p. 1-6, abr. 2020. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/212245/1/BoletimCIM-n10.pdf. Acesso em: 6 de outubro de 2021.

Alice Andrade Nóbrega Ferreira1
Thaíne Lopes Bueno1
Ana Paula Lopes Marques 2
Clayton Bernardinelli Gitti 2
1 Discentes e 2 Orientadores, Grupo de Estudos Liga de Bovinos - LiBovis
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ