Apaixonados, ativistas bem-intencionados mas nem sempre bem informados, irresponsáveis de plantão, baderneiros profissionais. São esses os atores comumente envolvidos na defesa dos animais e que lutam pela suspensão absoluta, total e incondicional do seu uso na pesquisa biológica, aí incluídas: as cirurgias de alta complexidade; a anestesia; o diagnóstico por imagem, de alta definição; o desenvolvimento de fármacos de última geração; os testes de inocuidade; os robôs que operam; os exoesqueletos que permitem que os tetraplégicos voltem a caminhar e os implantes eletrônicos que devolvem a visão aos cegos, para citar alguns exemplos. Nenhum desses avanços seria possível sem o uso dos animais. Mas uso não é sinônimo de abuso, nem da aceitação de sacrifícios inúteis, desproporcionais e descabidos. E o desenvolvimento dessas tecnologias usando como cobaia o próprio homem seria reviver os métodos bárbaros utilizados pelo Doutor Josef Mengele no tempo do nazismo. Ele usava cobaias humanas às quais impingia os mais absurdos sacrifícios que levavam, na maioria das vezes, à morte.
A palavra de quem entende
Para esgotar esse assunto que, de tempos em tempos,merece destaque no noticiário, ouçamos o que tem a dizer o presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, Professor Milton Thiago de Mello. Antes porém, vale anotar algumas das credenciais que o autorizam a opinar sobre o assunto.
Thiago de Mello, o decano da Medicina Veterinária brasileira, tem, entre muitos outros, os seguintes títulos:
1. Membro Honorário da Associação Mundial de Veterinária. 2. Membro do World Veterinary Association Committee for Animal Welfare and Ethology. 3. Fundador e Vice-Presidente da Sociedade Latino-Americana de Bem-Estar Animal. 4. Membro do ICLAS-International Council of Laboratory Animal Science.
Segundo o Professor, “a explosão de violência num laboratório de S.Paulo, no final de 2013, quando e onde vândalos travestidos de defensores dos animais libertaram cães que lá eram mantidos para pesquisas médicas, merece comentários sensatos”. Prossegue Thiago de Mello: “A experimentação com animais em pesquisas era, é e será indispensável em benefício da humanidade. É claro que depois de alguns séculos, na medida em que novas tecnologias foram surgindo, a maioria das experiências com animais foi sendo desnecessária. Entretanto, até que surjam outras novas tecnologias, algumas ainda são imprescindíveis.”
“O desenvolvimento das tecnologias modernas usando como cobaia o próprio homem seria reviver os tempos bárbaros do nazismo”
“A maior parte das pesquisas tem como objetivo final a obtenção de algum benefício para a saúde humana e também de algumas espécies animais domésticos ou silvestres”.
“Numa lógica que não se justifica, os oponentes da experimentação com animais têm uma linha de pensamento absurda: Se o destino final é um benefício para o homem ou para alguns de seus animais, não se justifica o uso de animais de outra espécie. Esse raciocínio leva à conclusão de que tais experiências somente teriam valor se feitas no homem ou nos animais domésticos ou silvestres com objetivo final”.
“Alguns ativistas mais extremados recomendam que essas experiências sejam feitas em prisioneiros. Exatamente isso foi feito pelos cientistas e médicos nazistas com prisioneiros judeus. O símbolo desse tipo de atitude foi o médico nazista Mengele”.
“Sem a utilização dos macacos não teria sido possível alcançar os resultados das pesquisas permitindo a movimentação dos paraplégicos”.
“Sem os requintes sádicos dos nazistas, a indústria farmacêutica de alguns países tem usado cobaias humanas, principalmente pessoas de baixa condição financeira, geralmente da Turquia e de países da Europa Central. Com esse raciocínio chega-se à conclusão absurda de que é preferível fazer experiências no homem, com ou sem consequências perigosas de que num cachorro, coelho ou camundongo”.
Bem-estar animal
De longa data, pesquisadores do mundo todo, preocupam-se com o bem-estar animal.
Segundo o Professor Thiago de Mello: “Durante alguns anos, tive participação intensa no início do interesse pelo assunto, no Brasil, porque fazia parte do Comitê de Bem-Estar Animal da Associação Mundial de Veterinária, sob a liderança de Eli Mayer, já falecido. Em duas reuniões internacionais externei pontos de vista: entre os dos defensores do bem-estar animal a qualquer custo e os dos pesquisadores usuários de animais”.
“No XXIV Congresso Mundial de Veterinária, realizado no Rio de Janeiro em 1991, como presidente da Comissão Científica, inclui na programação, pela primeira vez num congresso mundial, o bem-estar animal, inaugurando numa plenária com destacados veterinários especialistas no assunto. Muitas resoluções importantes foram aprovadas. Nos 20 anos após o Congresso, muitos grupos de veterinários formaram-se no País, completamente dedicados ao bem-estar animal e seus desdobramentos: bioética, direitos dos animais, interação homem/animal, pesquisas com animais, etc.”
Antivivissecção
“O interesse pelo bem-estar animal começou há mais de um século e meio na Inglaterra com o nome de antivivissecção” – recorda o Professor Thiago de Mello – “Quase dois séculos de interesse e discussão sobre proteção contra crueldade, evoluiu para o que hoje é chamado de bem-estar animal. A preocupação organizada pelo bem-estar animal teve suas raízes no movimento contra vivissecção, em meados do século XIX, antes da descoberta e do uso generalizado dos anestésicos”.
Vivissecção, sabemos todos nós, é qualquer operação feita em animais com objetivo de estudo ou experimentação. Há muitos anos só é feita com anestesia geral.
Experimentação
A experimentação animal é um tema que tem profunda ligação com o bem-estar animal e com a bioética. “Os membros mais radicais das sociedades protetoras de animais são totalmente contrários a essa prática” – afirma Thiago de Mello – “entretanto, os avanços da medicina preventiva e curativa só foram possíveis graças ao uso de animais de experimentação, também chamados de animais de laboratório. Exemplo da sua importância é o fato da maioria dos Prêmios Nobel da Medicina e Fisiologia ter sido concedida a cientistas que usaram animais em suas pesquisas”.
“Sem a utilização dos macacos não teria sido possível a Nicolelis alcançar os resultados das suas pesquisas inovadoras – de repercussão mundial visando a obter a interação cérebro-máquina, possibilitando a movimentação de paraplégicos, à distância, sem fios, apenas pelo pensamento.”
Em defesa da pesquisa
Em defesa das pesquisas utilizando animais, o presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária relata que mais de 50 cientistas importantes da Alemanha e da Suíça reuniram-se em Basel, em novembro de 2010, para divulgar o propósito de suas pesquisas e declarar que “o assunto animal para pesquisa nunca desaparecerá. Esse ponto de vista é compartilhado por cientistas de importantes centros de pesquisa.
Comissão de ética
Cada país tem legislação apropriada, associando a criação e a experimentação aos princípios éticos. “Uma das medidas principais relativas à experimentação animal” – lembra o Professor – “é a existência de uma Comissão de Ética na instituição”.