Juliana Virginio é Médica Veterinária, Especialista em Avicultura e Mestre em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas – UFRRJ
ABB _ É fato notório que o Brasil é um sucesso, tanto na produção industrial de ovos como na de frangos de corte. Quais as Tecnologias Avançadas que justificam esse sucesso?
JV _ O sucesso da avicultura industrial brasileira, tanto na produção de ovos quanto na de frangos de corte, deve-se a uma combinação de fatores que incluem o desenvolvimento e a adoção de tecnologias avançadas, bem como a implementação de sistemas eficientes de produção.
A modernização da avicultura no Brasil está fortemente ligada à incorporação de tecnologias que otimizam os processos produtivos. Entre essas tecnologias, destacam-se:
Melhoramento Genético: A importação e o desenvolvimento de linhagens genéticas superiores permitiram a obtenção de aves com maior eficiência alimentar, crescimento rápido e resistência a doenças.
Nutrição de Precisão: Formulações de rações balanceadas, adaptadas às necessidades específicas das aves em diferentes fases de crescimento, contribuem para a maximização do desempenho produtivo.
Ambiência Controlada: O uso de sistemas automatizados de controle de temperatura, umidade e ventilação nos aviários assegura o conforto térmico das aves, reduzindo o estresse e melhorando a conversão alimentar.
Biosseguridade: A implementação de protocolos rigorosos de biossegurança minimiza a entrada e disseminação de patógenos, garantindo a sanidade dos plantéis.
Automação e Indústria 4.0: A adoção de tecnologias digitais, como sensores e sistemas de gestão integrados, possibilita o monitoramento em tempo real e a tomada de decisões mais assertivas na produção avícola.
Essas inovações foram fundamentais para transformar a avicultura brasileira em uma das mais eficientes e competitivas do mundo. Conforme destacado no relatório da Embrapa, “Os 35 Anos que Mudaram a Avicultura Brasileira”, a introdução dessas tecnologias resultou em avanços significativos na produção avícola nacional.
ABB _ É verdade que a nossa independência é relativa porque dependemos da importação das matrizes e dos micro-elementos necessários para a fabricação das rações de qualidade?
JV _ Embora o Brasil seja autossuficiente em muitos aspectos da produção avícola, ainda existe uma dependência significativa de importações em áreas críticas:
Matrizes Genéticas: Grande parte das aves matrizes utilizadas na produção nacional é importada, especialmente de países como os Estados Unidos e a Europa. Essa dependência expõe o setor a riscos relacionados a restrições comerciais e sanitárias.
Microingredientes para Rações: Elementos como vitaminas, aminoácidos sintéticos e alguns minerais essenciais não são produzidos em quantidade suficiente no país, necessitando de importação. Isso pode impactar os custos de produção e a formulação de rações de alta qualidade.
ABB _ Solicitamos que compare os antigos (décadas de 40 e 50) índices de produtividade com os atuais.
JV _ A evolução da produtividade na avicultura brasileira ao longo das últimas décadas é notável e reflete avanços significativos em genética, nutrição, manejo e sanidade. Nas décadas de 1940 e 1950, a criação de frangos de corte era predominantemente extensiva, com baixos índices de produtividade. As aves levavam mais de 60 dias para atingir o peso de abate, que girava em torno de 1,5 kg.
Atualmente, graças aos avanços tecnológicos e melhorias nas práticas de manejo, esses números mudaram drasticamente. Os frangos de corte alcançam pesos médios de abate de aproximadamente 2,4 kg em menos de 40 dias.
Além disso, a conversão alimentar, que mede a eficiência com que as aves transformam a ração consumida em peso corporal, melhorou significativamente. Entre 1960 e 2010, a conversão alimentar melhorou em 43,8%, indicando uma utilização mais eficiente dos alimentos.
Esses avanços são resultado de investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento, que permitiram a obtenção de linhagens genéticas superiores, formulações de rações mais eficientes, melhores práticas de manejo e rigorosos protocolos de biosseguridade. Tais melhorias não apenas aumentaram a eficiência produtiva, mas também contribuíram para a competitividade do Brasil no mercado internacional de carne de frango.
ABB _ O que vigora na Avicultura Industrial é a chamada produção integrada na qual os avicultores não passam de empregados disfarçados – e que assumem os maiores riscos – das grandes empresas integradoras. Nos conte como isso funciona.
JV _ O modelo de produção integrada, predominante na avicultura industrial brasileira, estabelece uma parceria entre empresas integradoras e produtores integrados. Nesse sistema as empresas integradoras fornecem pintinhos, rações, medicamentos e assistência técnica.; enquanto os produtores integrados são responsáveis pela infraestrutura (aviários), manejo das aves e mão de obra.
Embora esse modelo tenha impulsionado a modernização e a expansão da avicultura, existem críticas relacionadas à distribuição de riscos e lucros. Produtores frequentemente arcam com investimentos significativos e riscos operacionais, enquanto as integradoras detêm maior controle sobre os preços e mercados.
ABB _ Que conselhos você dá para os novos colegas interessados em Avicultura Industrial?
JV _ Para os médicos-veterinários que desejam ingressar na avicultura industrial, é essencial compreender que essa área exige mais do que apenas domínio técnico: requer determinação, resiliência, fé e, acima de tudo, postura ética e profissional. A avicultura é um setor altamente tecnificado, competitivo e que não admite amadorismo. O número de profissionais atuantes ainda é relativamente pequeno, o que reforça a importância de manter um bom relacionamento com colegas de profissão, técnicos da cadeia produtiva e, especialmente, com os produtores das regiões onde se pretende atuar. O respeito às hierarquias, à experiência dos mais antigos e a postura colaborativa são fundamentais para construir credibilidade e conquistar espaço no mercado.
Além da competência técnica, o jovem profissional deve desenvolver habilidades emocionais, como empatia, comunicação assertiva e inteligência interpessoal, pois o sucesso na avicultura depende também da capacidade de criar vínculos de confiança com os produtores e colaboradores envolvidos nas granjas. Nesse sentido, o bom veterinário é aquele que alia conhecimento técnico à habilidade de mediar conflitos, orientar com firmeza e clareza, e acompanhar os desafios do campo com comprometimento e empatia.
A constante atualização é outro pilar indispensável. O setor avícola brasileiro é um dos mais avançados do mundo, e as inovações em genética, nutrição, ambiência, manejo e sanidade ocorrem de forma contínua. Participar de congressos, cursos e eventos técnicos, é imprescindível para manter-se competitivo e preparado para os desafios da produção.
Compreender o funcionamento do sistema de produção integrada também é crucial. Nesse modelo, predominante no Brasil, as responsabilidades são compartilhadas entre o produtor e a empresa integradora. O veterinário deve entender as obrigações contratuais, os indicadores de desempenho exigidos e o papel que desempenha como elo técnico entre o campo e a empresa.
Outro ponto central é o foco na biosseguridade. O profissional deve ser rigoroso na implementação e no monitoramento dos protocolos sanitários, pois a prevenção de doenças impacta diretamente a produtividade e a sustentabilidade do sistema. Cabe ao veterinário garantir que todas as medidas – como vazio sanitário, controle de acesso, limpeza e desinfecção, e vacinação – estejam sendo cumpridas com excelência.
Por fim, a ética e o bem-estar animal devem nortear todas as práticas. A avicultura moderna exige que as aves sejam criadas em condições que respeitem suas necessidades fisiológicas e comportamentais. O médico veterinário deve atuar como fiscal e defensor dessas condições, promovendo ações que assegurem o conforto, reduzam o estresse e garantam a sanidade do plantel, conforme preconizado pelas legislações brasileiras e internacionais.
A avicultura industrial é desafiadora, mas também altamente promissora. Com preparo técnico, inteligência emocional e senso de missão, os novos colegas encontrarão não só oportunidades profissionais, mas também a satisfação de contribuir com uma cadeia produtiva que alimenta milhões de pessoas com responsabilidade e amor.
Juliana Virginio