Aproveitavam a lua-de-mel, viajando pela França! Usaram o RER, trem regional, prático e de tarifa acessível, para sair de Paris. Foram visitar Saint-Germain-en-Laye, onde está o primeiro Château Real construído por Louis VI – Le Gros (o Gordo), em 1124. Atualmente acolhe o Museu de Arqueologia Nacional, com riquíssimo acervo.
Resolveram passar a noite na simpática cidade! O hotel informava ser possível ir até Versailles. Tudo pertinho, usando linha de ônibus de baixo custo. No dia seguinte, após o café da manhã, em trinta minutos, desceram bem na frente do Palácio de Versalhes.
Selvas em Paris?
Após a visitação ao Palácio, lá estavam os dois nos bosques e jardins de Versailles. Aproveitaram e foram também caminhar pela cidade. Temiam ficar perdidos, então não foram longe. Numa rua lateral, por mera casualidade, entraram na loja: “Au Facteur Cheval”. Especialidade? “Antiquités”! Numa estante encontraram raro livro de arte, intitulado “Le Douanier Rousseau, Jungles à Paris”. Como? “Selvas para Paris”? Anteriormente, passeando na Cidade Luz, eles conheceram quadros daquele grande mestre da pintura naïf, no Musée D’Orsay.
As telas de “Le Douanier” (O Alfandegário) – assim o pintor também era conhecido – despertaram a curiosidade do casal. No ar ficou a pergunta: como ele conseguira pintar selvas africanas, se residia e trabalhava na cosmopolitana Paris, por volta de 1889? Na mesma época da construção e inauguração da Torre Eiffel; ocasião da realização de uma das mais importantes Exposições Internacionais?
Na esperança de encontrar a resposta, instintivamente, os dois pegaram o raro livro. Quem sabe(?) encontrariam a explicação para o enigma da pintura de selvas africanas pelo artista e funcionário público francês? Afinal, o título era curioso: “Le Douanier Rousseau, Jungles à Paris”!
Pintando aquilo que lhe contavam?
Bem certo! O artista não tinha preferência pela temática das selvas! Ele foi considerado um gênio no estilo naïf (ingênuo), justamente por ter liberdade e espontaneidade total, ao expressar temas variados de Paris ou de lugares mais distantes. Nas pinturas de selvas, Rousseau procurava mostrar alguma intimidade, especialmente quando retratava animais no habitat. Essa intimidade ele demonstrou também nos subtítulos de suas pinturas, de forma quase didática, narrando em detalhes a cena retratada.
Na obra “O Leão Faminto”, por exemplo, ele fez questão de dar um subtítulo mais do que explicativo; assim descrevendo a cena: “O leão faminto salta sobre o antílope e o fere. A pantera espera o momento em que também pode ter sua parte. Aves de rapina rasgaram um pedaço das costas do pobre animal, uma lágrima caindo de seu olho. Pôr do sol.”
Como ele podia saber aqueles detalhes?
Desde tempos imemoriais, o homo sapiens utiliza o método oral para transmitir as histórias. Usavam também diversas técnicas escultóricas e pictóricas, destinadas a narrar momentos gloriosos dos povos. Foi graças ao genial invento de Gutemberg, que os primeiros livros se multiplicaram; surgia logo depois a historiografia, gênero literário de grande importância, respeitado como fonte verdadeira dos fatos passados. Muitos escritos se apresentavam como compêndios de história universal! Tinham crédito, mesmo que os leitores soubessem ser impossível, aos autores, viajar mundo afora, coligindo pessoalmente tudo aquilo que escreviam. E como aqueles historiadores conseguiam tantas informações? Simples: valiam-se dos viajantes.
Quem não lembra por exemplo de Pero Vaz de Caminha, e as cartas ao Rei de Portugal? Gente que viajava, levava ou trazia notícias! Eram diplomatas, artistas, padres, marinheiros, contrabandistas, espiões, militares, mascates, etc..! Além desses, tantos outros andavam por “mares nunca dantes navegados”! Marco Polo? Outro bom exemplo: mercador, embaixador e explorador veneziano, descrevia, para os europeus, as maravilhas da China e de outras cidades por onde passou. Sabendo-se dessa hipotética tática usada, fica fácil compreender os detalhes exóticos retratados, por Henry Rousseau, nas telas selváticas, tão distantes da realidade parisiense. Portanto, sem ferir qualquer aspecto ético, Rousseau simplesmente aproveitava da sua confortável condição, como agente aduaneiro, para colher preciosas notícias dos viajantes, sobre a Taprobana ou a selva africana. E pintava, pintava e pintava!