Por Paula Amorim Schiavo
Introdução
As zoonoses representam um dos maiores desafios para a saúde pública global, especialmente em um mundo cada vez mais interconectado. A abordagem One Health — que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental — é essencial para a prevenção, controle e mitigação dessas doenças. O papel do médico-veterinário é central nesse contexto, atuando na vigilância, diagnóstico, educação e políticas públicas.

Figura 1. Diagrama de Venn ilustrando a interconexão entre saúde humana, animal e ambiental no contexto de Saúde Única. Criado com BioRender.com.
Por quê “Saúde Única”?
A história do termo “One Health” está ligada a uma evolução de um conceito do século XIX: Rudolf Virchow e William Osler defendiam a conexão entre saúde humana e animal – Virchow desenvolveu o conceito de ‘zoonose’ estudando Trichinella spiralis em suínos e humanos e Osler sugeriu o termo “One Medicine”. Depois, o termo moderno “One Health” começou a ganhar força no início dos anos 2000, especialmente após eventos como o advento do vírus do Nilo Ocidental (West Nile Virus) em Nova York, em 1999.
Nesta ocorrência, aves começaram a morrer em grande número no Central Park, e simultaneamente, humanos apresentaram casos graves de encefalite. A médica veterinária Tracey McNamara, do Zoológico do Bronx, foi uma das primeiras a sugerir que havia uma ligação entre as mortes de aves e os casos humanos, o que levou a uma investigação conjunta entre médicos, veterinários e autoridades de saúde pública. Esse episódio é frequentemente citado como o marco da abordagem One Health, embora o termo em si estivesse ocorrendo em círculos acadêmicos e profissionais.
O caso do West Nile em Nova York foi um catalisador importante para a consolidação e popularização do conceito One Health como o conhecemos hoje: por estarem integrados, uma consequência ao ambiente teria efeitos nos humanos e nos animais.
Os desafios do mundo atual
Mudanças Climáticas; alteração nos ecossistemas; densidade e impacto das atividades humanas; mobilidade acelerada; uso exagerado ou descarte inadequado de antimicrobianos e outros químicos; e falhas na vigilância de doenças e decisões equivocadas em Saúde Pública contribuem para as oportunidades de spillover e agravamento nas ocorrências de zoonoses
Mudanças Climáticas favorecem a sobrevivência de patógenos em ambientes eventualmente inóspitos e alteram a distribuição geográfica de vetores (como mosquitos e carrapatos); aumentam a frequência de eventos extremos (enchentes, secas), que favorecem o contato entre humanos e animais silvestres.
O desmatamento e a fragmentação de ecossistemas reduzem o habitat natural de animais silvestres, forçando-os a se aproximar de áreas urbanas e rurais e aumentando o contato com animais domésticos. O contato aumentado entre humanos, animais domésticos e fauna silvestre é o cenário ideal para o spillover.
A ocupação e o crescimento desordenado de urbanizações criam ambientes propícios para vetores e roedores. Aglomerações humanas em áreas com infraestrutura precária favorecem surtos de doenças como leptospirose, hantavirose e criptococose. Na urbanização descontrolada e nas áreas em silêncio epidemiológico, falhas em Vigilância e Saúde Pública, subnotificação e ausência de políticas públicas eficazes agravam o cenário. A falta de integração entre saúde humana, animal e ambiental dificulta a detecção precoce de surtos.
O descarte inadequado de resíduos altera a composição de solos, contamina lençóis freáticos e interfere nas populações de animais e micro-organismos de solos e rios. O uso de hormônios pelos humanos – inclusive pílulas anticoncepcionais – pode não ser inteiramente degradado e tem impacto nas populações de animais aquáticos. O uso indiscriminado de antibióticos em humanos e animais ou seu descarte inadequado contribui para o surgimento de bactérias multirresistentes.
Ambientes com alta densidade animal favorecem mutações e recombinação de patógenos próprios da espécie e sistemas de produção intensiva que esgotam o meio ambiente aumentam o risco de transmissão cruzada entre espécies.
Por fim, a globalização e a mobilidade humana acelerada facilitam a disseminação rápida de patógenos entre continentes. O comércio internacional de animais e produtos de origem animal pode introduzir doenças em novas regiões, como as cepas de vírus da febre aftosa antes circulando em pooles mais restritos avançando sobre áreas antes restritas às ocorrências de outros pooles – em 2022 e 2023, o SAT2 e o SAT1, antes restritos ao sul da África, foram introduzidos no Oriente Médio.
A abordagem One Health — que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental — é essencial para a prevenção, controle e mitigação dessas doenças. O papel do médico-veterinário é central nesse contexto, atuando na vigilância, diagnóstico, educação e políticas públicas.
Principais Zoonoses: Classificação por Agente Etiológico
- Zoonoses Bacterianas
- Zoonoses Virais
- Zoonoses por Protozoários
Prevenção e Controle: Uma Abordagem Integrada
A prevenção das zoonoses exige ações coordenadas entre profissionais da saúde humana, animal e ambiental. A estratégia de maior retorno, mas em maior prazo, é a conscientização e a educação sanitária. O planejamento e a coordenação de ações entre os setores da sociedade são decisivos para a mobilização dos recursos necessários – e não estamos falando de recursos financeiros – para escalar os resultados das comunidades locais até o global.
Estratégias que esclareçam os riscos inerentes a cada uma de nossas ações, para entender ciclos de vetores para seu controle efetivo e evitar contato com reservatórios demandam atuação essencial do médico veterinário. Promover programas de vacinação em ciclos controlados, para garantir a imunização efetiva e os reforços necessários, geralmente demandam conhecimento de imunologia populacional que o veterinário é capaz de proporcionar.
Ainda é preciso bastante promoção de segurança alimentar, principalmente quando a população demanda mais proteína e a produção limpa encarece mais os alimentos; os profissionais de agricultura e veterinária são essenciais para diminuir perdas e produzir com maior precisão, para não esgotar os recursos ambientais.
Conclusão
A atuação do médico-veterinário no contexto de One Health é estratégica para a detecção precoce, prevenção e controle das zoonoses. A integração entre os setores de saúde, agricultura e meio ambiente é essencial para enfrentar os desafios sanitários contemporâneos e proteger a saúde global.
Referências usadas
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