Nas últimas décadas, a facilidade de acesso à informação vem alertando a população sobre os perigos que uma má alimentação pode provocar na saúde. Dentre os tópicos mais comentados estão o alto consumo de gordura e a ingestão de aditivos sintéticos, ambos estão presentes em produtos cárneos processados. Como exemplos temos os antioxidantes e a gordura vegetal hidrogenada. Em consequência, os consumidores vêm buscando alimentos com teor reduzido de gordura e diminuindo o consumo daqueles que apresentam algum tipo de aditivo. Para acompanhar as mudanças nos hábitos dos consumidores, estudos estão sendo realizados, buscando a substituição desses ingredientes por outros considerados naturais, e que dê ao alimento a característica de funcional. Alimentos funcionais (AF) são aqueles adicionados de ingredientes que trazem benefícios específicos para a saúde, devendo ser salientado que esse efeito se restringe à promoção da saúde e não à cura de doenças.

Os projetos realizados na Universidade Federal Fluminense (UFF) com parceria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – tiveram a nalidade de buscar alternativas para substituir ingredientes considerados vilões da saúde, tendo em vista o objetivo de oferecer ao consumidor produtos caracterizados pela qualidade e segurança.

Gordura

As gorduras envolvem uma série de substâncias que possuem a característica de não serem solúveis em água. Podem ser de origem animal ou vegetal, formadas predominantemente pela condensação entre glicerol e ácidos graxos, formando triacilgliceróis. Os alimentos, sejam naturais ou processados, podem oferecer vários tipos de gorduras. Alguns tipos apresentam efeito benéfico à saúde, enquanto outros podem ser prejudiciais. As principais fontes de gordura boa para saúde são os peixes e os alimentos de origem vegetal, pois a gordura desses alimentos é formada por ácidos graxos insaturados. Por outro lado, as gorduras saturadas, formadas por ácidos graxos saturados, e que estão presentes nas carnes e produtos cárneos parecem prejudicar a saúde, pois estão relacionadas com o aumento do risco de problemas cardiovasculares. Um tipo de gordura saturada muito utilizada na indústria de alimentos é a gordura vegetal hidrogenada, obtida pelo processo de hidrogenação de óleos vegetais. A gordura vegetal hidrogenada é também a fonte para a presença de gorduras trans nos alimentos processados. Em um produto cárneo, como o hambúrguer por exemplo, é feita a adição de gordura animal ou vegetal hidrogenada ou ambas. Isso porque a gordura desempenha importante papel tecnológico na formulação desse produto. A gordura junto a outros componentes como água e proteínas formam o que chamamos de emulsão cárnea. A ausência ou a quantidade insu ciente de gordura desestabiliza essa emulsão, conferindo perdas na qualidade sensorial e no rendimento. A gordura confere sabor e maior suculência, resultando no melhoramento da textura do produto. Devido ao importante papel da gordura nos ali- mentos, o grande desa o é encontrar ingredientes que possam desempenhá-lo com e ciência.

Processos oxidativos

Dentre os principais mecanismos de deterioração da qualidade da carne e de produtos cárneos, os processos oxidativos propiciam a alteração de lipídios e proteínas (incluindo pigmentos), causando perda de sabor, cor e valor nutritivo, limitando a validade comercial das carnes e seus derivados.

A oxidação lipídica ocorre devido à presença de fosfolipídios, ácidos graxos poli-insaturados, íons metálicos, pressão de oxigênio e pigmentos heme. Acelerada por processos mecânicos e adição de sal durante o processamento, a reação é iniciada quando um ácido graxo poli-insaturado reage com o oxigênio molecular via mecanismo de cadeia de radicais livres formando peróxidos.

Outra forma de oxidação está relacionada com a formação de carbonilas a partir da oxidação de proteínas. Compostos carbonilas são formados através da oxidação direta de cadeias laterais de aminoácidos, fragmentação do esqueleto peptídico, reação com açúcares redutores ou ligação de compostos carbonilas não proteicos.

Uma das principais estratégias para prevenção da oxidação é o uso de antioxidantes, que têm a propriedade de inibir ou controlar a formação e propagação de radicais livres. Antioxidantes sintéticos como o butil-hidroxitolueno (BHT) e butil-hidroxianisol (BHA) podem reduzir os processos de oxidação, no entanto, estes ingredientes têm sua utilização limitada, entanto, devido a propriedades tóxicas ao organismo humano, além de baixa solubilidade em água e baixa capacidade para penetrar nos músculos intactos.

Fibra Alimentar

No Brasil, segundo a ANVISA, na Resolução RDC no 360, de 23/12/2003 (Brasil 2003), a fibra alimentar é definida como qualquer material comestível, consumido normalmente como componente de um alimento, que não seja hidrolisado pelas enzimas endógenas do trato digestivo humano, a qual recomenda-se o consumo de 25g de fibra alimentar, sendo este o seu valor diário de referência (VDR) e de declaração obrigatória na rotulagem dos alimentos. Anteriormente, a fibra dietética foi dividida em bra solúvel e insolúvel, numa tentativa de atribuir os efeitos siológicos a tipos químicos de fibras. As fibras solúveis foram relacionadas com a diminuição do colesterol e as fibras insolúveis com a motilidade intestinal.

O Institute of Medicine, Food and Nutrition Board publicou um novo conjunto de definições para fibra alimentar, para abranger atuais e futuros carboidratos não digeríveis fornecidos pelos alimentos. Essas definições são consideradas subdivisões significativas de substâncias potenciais que poderiam ser incluídas como fibra. Dessa forma, a fibra dietética ou alimentar consiste de carboidratos não digeríveis e lignina que estão intrínsecos e intactos nas plantas; fibra funcional consiste de carboidratos não digeríveis isolados ou extraídos, que têm efeitos fisiológicos benéficos em humanos, e fibra total que é a soma da fibra dietética mais a fibra funcional.

De forma geral, a fibra dietética solúvel apresenta alta capacidade de hidratação e incha para formar soluções viscosas. Fibras insolúveis podem reter água dentro da sua matriz fibrosa e também outros componentes, tais como a fibra dietética solúvel, mas sem formar soluções viscosas. Tecnologicamente, isso resulta no uso de componentes de fibra solúvel (pectinas, gomas, alginatos e carragenas) como agentes de gelificação, espessantes, espumantes e estabilizadores de emulsão. Em contraste, as fibras insolúveis estabilizam sistemas alimentares, melhoram a densidade do produto e minimizam o encolhimento, e podem também ser utilizadas como agentes que melhoram a textura dos alimentos. Devido às suas propriedades de hidratação, as fibras são utilizadas para retardar o endurecimento, controlar a umidade e a formação de cristais de gelo, reduzir a sinérese e aumentar a estabilidade dos alimentos.

Na indústria da carne, a fibra alimentar tem uma importância grande devido às suas propriedades tecnológicas, como melhorar as propriedades de textura, reduzir a perda no cozimento e custo da formulação, desempenhando papel semelhante ao da gordura.

Atualmente, pesquisas vêm sendo desenvolvidas para sugerir novas tecnologias para o processamento do bagaço do caju, com objetivo de contribuir para o seu aproveitamento como fonte de fibras na alimentação humana, através da obtenção da farinha e adição em alimentos como hambúrgueres, barras de cereais e biscoitos. Com base na importância da presença de fibras na dieta, e em trabalhos que mostram que as fibras de frutas podem ser usadas como ingrediente funcional e principalmente com o objetivo de reduzir o desperdício desses resíduos, é importante a realização desses estudos.

Extratos Antioxidantes

A utilização de resíduos da indústria de processamento de produtos vegetais oriundos da fabricação de sucos, polpas, doces, geleias e vinhos, possuem potencial industrial uma vez que são excelentes fontes de compostos antioxidantes naturais.

A capacidade antioxidante desses produtos naturais se dá principalmente pela presença de compostos fenólicos que no caso das frutas, estão presentes principalmente na casca e nas sementes. O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de frutas, oferecendo uma grande variedade de opções para a investigação de fontes de antioxidantes a serem empregados em produtos alimentícios.

O Camu-camu (Myrciaria dubia) é uma pequena baga, nativa da Amazônia. Atualmente é considerada a mais alta fonte natural de vitamina C. Estudos conduzidos para avaliar os componentes antioxidantes e a capacidade antioxidante de frutas tropicais concluíram que o camu-camu é uma excelente fonte de compostos bioativos com potencial antioxidante. Este potencial antioxidante do camu-camu não está relacionado apenas ao alto teor de vitamina C, mas também ao seu conteúdo de compostos fenólicos.

Projetos em desenvolvimento

Em um dos projetos de pesquisa foram utilizados dois extratos antioxidantes, um da casca e outro da semente de camu-camu (Myrciaria dubia). No outro projeto, a bra foi obtida a partir do bagaço do pedúnculo do caju.

  • Obtenção da bra do caju;
  • Obtenção dos extratos antioxidantes;
  • Quanti cação de compostos fenólicos nos extratos;
  • Aplicação da fibra de caju em hambúrguer de frango como substituto de gordura;
  • Aplicação dos extratos antioxidantes em matriz cárnea ovina.

Oportunidades de negócios

Enquanto a castanha é um produto de alto valor agregado, o pedúnculo do caju muitas vezes é considerado um subproduto, sendo parte da sua produção desperdiçada. Uma das razões para a exploração tão baixa está associada à rápida deterioração do pedúnculo, causando grandes perdas no campo e na indústria. A utilização da bra de caju como substituto de gordura em alimentos contribuirá para o aproveitamento de um resíduo e para a valorização do pedúnculo, aumentando o interesse dos produtores em processá-lo, em busca de uma nova fonte de renda.

Durante o processamento de frutas para obtenção de sucos e polpas há a produção substancial de resíduos como cascas e sementes. Esses resíduos industriais são geralmente descartados ou apenas usados como subprodutos de baixo valor, porém apresentam alto teor de antioxidantes que podem ser extraídos a partir dessas fontes residuais.