O consumidor quando da aquisição de um alimento, no geral, leva em consideração fora a sua preferência pessoal, as condições do próprio alimento como aparência geral, condições de conservação, higiene do ambiente onde está sendo comercializado, prazo de validade e algumas informações contidas no rótulo. Entretanto no caso dos alimentos de origem animal como carnes, laticínios, pescados, mel, ovos e seus derivados, muitas vezes não dá importância a uma chancela também presente na embalagem que caracteriza que ele tenha passado pela prévia inspeção industrial e sanitária, conforme determina a legislação sanitária brasileira.

Esta legislação, a lei 1283 de 1950, estabelece a obrigatoriedade da prévia fiscalização, sob o ponto de vista industrial e sanitário, de todos os produtos de origem animal, comestíveis e não comestíveis, sejam ou não adicionados de produtos vegetais, preparados, transformados, manipulados, recebidos, acondicionados, depositados e em trânsito, estando assim sujeitos a esta fiscalização prévia os animais destinados ao abate, seus produtos e subprodutos e matérias primas, bem como o pescado, o leite, o ovo, o mel e cera de abelhas e todos os produtos deles derivados.

Esta fiscalização exercida pelo poder público através dos serviços de inspeção estaduais, municipais ou federal nos estabelecimentos industriais especializados e nos que manipulam, armazenam, conservam ou acondicionam produtos de origem animal, bem como nas propriedades rurais, nas denominadas casas atacadistas e nos estabelecimentos varejistas.

Qual a justificativa para esta fiscalização?

Obviamente que se existe uma legislação federal que obrigue tal fiscalização existirá também uma justificativa para que isto aconteça e esta explicação está voltada principalmente para os aspectos de saúde pública, mais precisamente para as denominadas zoonoses que são doenças transmitidas entre animais e humanos por diferentes formas, seja por contato direto com o animal vivo ou seus despojos ou indireto através do ambiente, água e alimentos de origem animal. Acrescido a isto está o fato de que os alimentos de origem animal por serem ricos em nutrientes (carboidratos, proteínas, gorduras) e possuírem alto teor de água, possibilitam o desenvolvimento de microrganismos com mais facilidade.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem mais de 200 tipos de zoonoses e cerca de 60% das doenças infecciosas humanas têm sua origem em animais. Por todo o mundo, as zoonoses respondem por 62% da Lista de Doenças de Notificação Compulsória, 60% dos patógenos reconhecidos (vírus, bactérias, protozoários, parasitas e fungos) e 75% das doenças emergentes.

Então, pelo que se deduz, esta fiscalização obrigatória tem a finalidade de impedir que os produtos de origem animal possam albergar patógenos porventura presentes nos animais que lhes deu origem potencialmente capazes de levar agravo a sua saúde do consumidor, de forma leve ou grave dependendo de vários fatores correlacionados e contribuintes.

Quem fiscaliza?

Como se trata de controle sanitário de animais que darão origem a alguma forma de alimentos para humanos, esta fiscalização é de atribuição exclusiva do profissional Médico Veterinário conforme também determina a lei 5.517 de 1968, e inicia pelos controles das boas condições de saúde do animal vivo através do diagnóstico e medidas de proteção contra as doenças principalmente as zoonoses e no caso das carnes e derivados, que obviamente dependem do abate do animal, de exames sanitários específicos durante todo o processo de abate, incluindo da mesma forma que para os demais produtos, as condições tecnológicas e higiênicas de todas as fases de produção.

Para se estabelecer uma ordem de grandeza, o número de estabelecimentos registrado no Serviço de Inspeção Federal órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ou seja, que são fiscalizados por este serviço compreende 1260 de laticínios, 1120 de carnes, 287 de pescado, 216 de mel de abelhas e 137 de estocagem, de acordo com o Anuário dos Programas de Controle dos Alimentos de Origem Animal do DIPOA, ano de 2020. Isto corresponde a garantia do governo federal de que os produtos elaborados nestes estabelecimentos atendem a legislação sanitária brasileira e estão aptos para serem consumidos sem causarem qualquer distúrbio de saúde em quem os vai ingerir. Da mesma forma que demonstrado para o governo federal, os Estados e Municípios também tem atribuições idênticas da fiscalização em estabelecimentos que fazem comércio local, garantindo esta mesma qualidade sanitária.

E a legislação?

O Regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal considera impróprios para o consumo humano os produtos de origem animal que se apresentem alterados, fraudados, adulterados, danificados por umidade ou fermentação, rançosos, com características físicas ou sensoriais anormais, contendo quaisquer sujidades ou que demonstrem pouco cuidado na manipulação, na elaboração, na conservação ou no acondicionamento. Que contenham substâncias ou contaminantes que possam prejudicar a saúde do consumidor, substâncias tóxicas ou compostos radioativos microrganismos patogênicos, contaminantes, resíduos de agrotóxicos, de produtos de uso veterinário, considerando os limites máximos permitidos para alguns deles.

Estão também aí incluídos os alimentos de origem animal que não possuam procedência conhecida ou que não estejam claramente identificados como oriundos de estabelecimentos sob inspeção sanitária, os denominados produtos clandestinos.

A importância destes controles sanitários

Por estes dados é fácil imaginar a importância dos controles sanitários para produtos de origem animal chancelados pelos órgãos oficiais de inspeção conforme já abordados, entretanto nada deste trabalho terá validade se o consumidor não estiver atento para identificar o selo ou o carimbo aposto na embalagem, que identifica que o produto que está adquirindo foi submetido a esta prévia fiscalização na fonte de produção.

O que não faltam são notícias sobre tentativas de comercialização de produtos de origem animal sem a devida inspeção, os chamados clandestinos, que além de representarem um perigo para os desavisados que os vão consumir, acarretam ainda concorrência desleal com os estabelecimentos regularmente organizados e levam prejuízos ao erário público por deixarem de contribuir com os impostos referentes as suas atividades empresariais.

Dados Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde registram que no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2019 foram notificadas no Brasil 2504 surtos de doenças transmitidas por alimentos (média de 626 ao ano) acometendo 37.247 pessoas (média de 9.312 casos ao ano), com 38 óbitos (média de 9,5 mortes ao ano). Em 894 surtos em que houve informações sobre o tipo de alimento envolvido, a água em 28,4% das vezes e alimentos mistos, 19,4%, foram os principais responsáveis.

Dentre os alimentos identificados nos surtos investigados estão múltiplos alimentos (12,2%); leite e derivados (9%); frutas, produtos de frutas e similares (5%); carne bovina in natura, processados e miúdos (4,1%); ovos e produtos à base de ovos (3,7%); e pescados, frutos do mar e processados (2,5%), certamente que muitos dos de origem animal aqui descritos não foram submetidos a fiscalização regular prévia.

Com respeito aos locais de contaminação, a própria residência dos indivíduos foi a de maior frequência (37,3%), seguido por restaurantes, padarias ou locais similares (16%), outros lugares (11,7%), creche/escola (10%), alojamento/trabalho (8,4%), hospital/unidade de saúde (5,8%) e eventos (5,3%).

O Programa de Proteção e Defesa dos Consumidores de Produtos de Origem Animal do Ministério Público do Estado do Ceará aborda como Ideal que todos os produtores tivessem conhecimento e consciência sobre os cuidados necessários para proteger a saúde da população e respeitar os direitos do consumidor, todavia, a realidade tem demonstrado a necessidade de maior participação da população para fiscalizar a comercialização dos produtos, ajudando a elevar a segurança e a qualidade dos alimentos postos à venda.

A este respeito o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990 atribui como direitos básicos do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, obviamente que estando incluída, para os produtos de origem animal, a chancela obrigatória do Serviço de Inspeção oficial.

Está claro que o selo de inspeção oficial obrigatoriamente estampado na embalagem de qualquer produto de origem animal é indispensável e representa a garantia de que está dentro dos padrões técnicos e sanitários estabelecidos pela legislação. Produtos sem inspeção provavelmente comercializados com contaminações físicas, químicas e biológicas, podem causar distúrbios na população, como intoxicações, parasitoses e até mesmo doenças como tuberculose, brucelose, neurocisticercose e a toxoplasmose.

Portanto é de primordial importância que, além das informações atrativas nos rótulos de alimentos de origem animal, o consumidor fique atento para a indicação do serviço oficial responsável por aquela inspeção como garantia de que estará adquirindo um produto de qualidade principalmente sanitária.