Por: Carlos Alberto Magioli
O Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal define leite, sem outra especificação, como o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas.
Leite é a secreção da glândula mamária das fêmeas de mamíferos composta da porção líquida, basicamente água e da matéria seca, extrato seco, composto por sólidos e com a porção proteica constituída pelas proteínas do soro, alfa lactobumina e betalactoglobulina, 20% da proteína total, e das proteínas do leite, caseínas (alfa s1, alfa s2, kappa e beta-caseína), 80% da proteína total.
O leite dos animais, depois do materno é considerado o alimento mais completo estando, juntamente com seus derivados, entre os mais consumidos mundialmente, por serem uma excelente fonte de nutrientes essenciais na vida humana.
Muito se comenta sobre ser a espécie humana a única que continua ingerindo leite na fase adulta, entretanto isso não é uma verdade absoluta pois, as demais espécies de animais, só não o ingerem porque não lhes é oferecido na fase adulta, o que se certamente o fosse ingeririam normalmente. Um exemplo é o soro oriundo da fabricação de queijo que não tinha qualquer utilização antes da criação das hoje denominadas bebidas lácteas, e era utilizado para a alimentação de suínos.
As proteínas representam aproximadamente 4% dos sólidos do leite podendo variar em função de fatores como a raça, tipo de alimentação e estado de saúde do animal que lhe deu origem, sendo a caseína a que representa maior percentual com 80% e os demais 20% representados pelas albuminas (16%) e globulinas (4%).
Intolerância e Alergia
Os autores Vinícius Rodrigues da Silva e Adônis Coelho, no trabalho intitulado Causas, Sintomas e Diagnóstico da Intolerância a Lactose e Alergia ao Leite de Vaca, publicado na Revista Saúde UniToledo, volume 03, n. 01, citam que a intolerância à lactose é a intolerância a dois carboidratos, a glicose e a galactose, que atinge todas as faixas etárias e a alergia ao leite é desencadeada pela ingestão das proteínas do leite, caseína, lactoglobulina, lactoalbumina, soroalbumina e imunoglobulinas, quando reconhecidas como estranhas pelo organismo.
Portanto essas duas consequências envolvidas com a ingestão de leite e seus derivados, tem causas totalmente diferentes, levando o cidadão leigo a confundi-las e com isso muitas das vezes, adotando o regime alimentar que julga ser o mais indicado para as reações de saúde que apresenta, sendo que terá considerando apenas essas duas alterações de saúde, intolerância e alergia, 50% de possibilidade de atenuar os seus sintomas.
Não é pretensão abordar no presente texto os aspectos clínicos e terapêuticos humanos, competência dos profissionais médicos, mas apenas fazer considerações a luz dos estudos da tecnologia de produtos de origem animal e da ciência médico veterinária, sob o que tem sido desenvolvido para que o cidadão propenso a estar acometido de uma dessas alterações de saúde, possa consumir leite ou produtos de laticínio sem o inconveniente dos sintomas a eles atribuídos.
A Intolerância a Lactose
A lactose, representando 4,7% dos sólidos do leite consistindo em um dissacarídeo formado a partir de uma molécula de glicose e outra de galactose
atuando como estabilizante de proteína e conferindo um sabor adocicado ao leite.
A intolerância a lactose acontece quando o corpo humano é incapaz de produzir a enzima lactase, necessária para hidrolisar a lactose, levando a que esse carboidrato sofra um processo de fermentação no intestino produzindo condições de mal estar para o indivíduo intolerante.
A produção de leite sem lactose, comercialmente designado como zero lactose, consiste industrialmente em adição de enzimas geralmente a lactase, visando promover uma hidrólise enzimática, transformado o dissacarídeo lactose em monossacarídeos, glicose e galactose, eliminando assim a ação de intolerância desse carboidrato no organismo humano.
É importante assinalar que esse carboidrato, lactose, não é eliminado do leite, tendo apenas quebrada a sua molécula em glicose e galactose facilitando a sua metabolização pelo organismo humano. Por outro lado, o leite zero lactose mantém as mesmas características em proteínas, vitaminas e demais elementos nutritivos originais do leite comum que lhe deu origem
A Alergia a Proteína do Leite
- Todo animal assim como os seres humanos possuem na sua estrutura primária duas cópias de um gene responsável por armazenar e reproduzir os dados genéticos de um indivíduo para outro, ou seja, que permite a transmissão das informações genéticas entre os seres vivos. Essas cópias são denominadas alelos e quando os alelos para uma determinada característica são iguais são denominados homozigotos e quando as características são diferentes são os heterozigotos.
A caseína representa cerca de 80% da proteína do leite com diferentes tipos, sendo que as beta-caseínas correspondem a 30% delas, existido os tipos A1A2 e A2A2, dependendo da forma como se apresentam os alelos na sua estrutura genética.
Historicamente, as vacas produziam leite que continha apenas a forma A2A2 da beta-caseína, mas com a evolução por milhares de anos, ocorreu a mutação genética no aminoácido da 67ª posição da cadeia longa de 209 aminoácidos de composição dessa proteína, passando a produzir o aminoácido histidina em substituição ao aminoácido original prolina.
Essa modificação desencadeou com que a maioria das espécies bovinas passasse a produzir a forma heterozigota de A1A2 com a formação do aminoácido histidina, levando a que no momento da metabolização dessa proteína no organismo humano, ocorresse a liberação de uma cadeia de aminoácidos conhecida com beta-casomorfina-7 (BCM-7).
A beta-casomorfina-7 por ser um peptídeo bioativo com forte atividade semelhante à morfina, gera desconforto intestinal quando presente no trato gastrointestinal de humanos, vindo a causar reações adversas predisponente ao desenvolvimento de alergia. Atualmente a maior parte do leite disponível nos supermercados contém principalmente a proteínas sob a forma A1A2, sendo que aquele que possui somente beta-caseínas A2A2, o chamado leite A2, é produzido a partir de vacas cujo genótipo para o gene da beta-caseína é o A2A2
Entretanto é importante assinalar que ambos os leites A1A2 e A2A2, contém as mesmas qualidades nutricionais em relação a proteínas, gorduras, vitaminas, carboidratos e minerais, apresentando diferença apenas na posição do aminoácido. É importante assinalar que o leite A2A2 contém os mesmos teores de lactose do leite A1A2 não sendo por isso direcionado para pessoas com intolerância à lactose, apenas para as portadoras de alergia ao leite.
Raças com predisposição para a Produção do Leite A2A2
Diferente do que foi registrado anteriormente sobre as técnicas utilizadas na industria para promoverem a modificação da lactose em glicose e galactose como forma de eliminar os aspectos inerentes a intolerância, no caso da alergia não há forma de industrialmente modificar a matéria prima para atenuar os seus efeitos alérgicos, ficando essa possibilidade unicamente em função das características genéticas do animal que lhe deu origem.
Assim apenas algumas vacas de algumas raças bovinas zebuínas, Bos indicus, selecionadas através de análises laboratoriais para caracterização dos genes, tem possibilidade de produzirem o leite A2A2, sendo que, alguns animais de uma determinada raça podem produzir leite A2A2 e outros da mesma raça não.
No trabalho intitulado Raças e Tipos de Cruzamentos para Produção de Leite, dos pesquisadores da Embrapa Gado de Leite João Eustáquio Cabral de Miranda e Ary Ferreira de Freitas, cerca de 70% de toda a produção de leite no Brasil provém de vacas mestiças Holandês-Zebu.
Considera-se gado mestiço aqueles animais derivados do cruzamento de uma raça pura de origem europeia e que seja especializada na produção de leite (Holandês, Jersey, Suíça-Parda), com uma raça pura de origem indiana que formam o grupo dentre outros do Zebu (Gir Leiteiro, Guzerá, Sindi e Indubrasil).
A raça Holandesa predomina nos cruzamentos sendo o mais comum o cruzamento de Holandês com o Gir Leiteiro, mais conhecido como “Girolando”, havendo também o “Guzolando”, resultado do cruzamento de Holandês com Guzerá, e já há alguns produtores fazendo o “Nerolando”, que é o cruzamento do Holandês com o Nelore, muito embora que nesse caso a produção de leite seja mais baixa, devido a raça nelore ter especialidade para corte.
O artigo “Embrapa investe em busca do melhor leite para alérgico” da Embrapa Gado de Leite, assinala que as chances de produzir leite A2 nas raças de origem europeias, subespécie tauros, estão em 50% nas raças Holandesa e Pardo-suíça e 75%,na raça Jersey, sendo que apenas os animais da raça Guernsey, pouco comum no Brasil, são 100% capazes de produzir leite A2.
Nas raças zebuínas (subespécie Indicus), de grande predominância na pecuária nacional que inclui o gir leiteiro, 98% dos indivíduos têm genética positiva para a produção de leite A2A2
A Produção de alimentos e a necessidade do consumidor
A partir dessas características das matérias primas e as intercorrências com a saúde humana, as indústrias têm se esmerado em produzir alimentos que possam atender as necessidades dos consumidores intolerantes ou alérgicos, bem como com outras sensibilidades a alimentos de origem animal.
As grandes lojas varejistas já dispõem de áreas com produtos diferenciados para atenderem as necessidades ou gostos específicos de consumidores, dispostos a os adquirir mesmo por valores financeiros maiores do que seria para os produtos padrão.
Entretanto é conveniente assinalar que os consumidores nem sempre tem o conhecimento sobre o que está comprando e muitas vezes por modismo ou influenciado pela forte mídia, o adquire sem saber direito se terá ou não algum benefício para a sua saúde.
A escolha de alimentos sejam quais forem e para que finalidade, requer dos consumidores o conhecimento suficiente para que possam, inclusive, interpretarem as informações impressas nos rótulos e a eles destinadas, compreender a sua importância e finalidade e assim fazerem escolhas conscientes e apropriadas.