Na ponta da língua de acionistas que desejam justificar os investimentos em frigoríficos, o surto de peste suína africana que sacudiu a China começa a chegar às estatísticas das exportações brasileiras e a ser incorporado às estimativas de inflação nos país. Diante da esperada demanda do país asiático, os preços das carnes podem subir também no varejo brasileiro. A alta pode superar 10% este ano.

Em recente relatório, o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco estimou que a peste suína pode elevar os preços da carne suína ao consumidor em ao menos 12% no ano. No atacado, a alta seria de 43%. As projeções foram feitas tomando como exemplo o impacto de choques de oferta de suínos que ocorreram no passado.

Ao longo do primeiro trimestre, executivos da indústria e analistas vinham enfatizando o potencial disruptivo da doença sobre o comércio global de proteínas, mas a liquidação antecipada do plantel de suínos da China, medida tomada por produtores do país para evitar a contaminação e impedir a venda dos animais, aumentava a oferta de carne do país momentaneamente. Agora, esse impacto diminuiu, e a necessidade de importações se torna cada vez mais clara.

“Essa superoferta do início do ano acabou”, disse o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela ABPA indicam expressivo crescimento da exportação de carne suína do país em abril.

Os frigoríficos exportaram 15.900 toneladas de carne suína à China no mês passado, com incremento de 61% contra as 9.900 toneladas enviadas para o país asiático em abril de 2018. Em receita, os embarques para os chineses geraram US$ 35.8 milhões, com alta de 42%.

Além disso, as vendas para Hong Kong, que em geral acabam redirecionadas à China continental, também registraram aumento significativo. No mês passado, foram exportadas 13.800 toneladas para Hong Kong, volume 39,4% superior ao total de 9.900 toneladas de um ano antes, segundo a ABPA.

Ainda de acordo com a associação, parte do expressivo aumento pode estar relacionado à mudança na metodologia da Secex, feita em abril do ano passado. De qualquer forma, argumenta a ABPA, os embarques à China já estão crescendo e há uma incontestável aceleração no ritmo das vendas.

Até o primeiro trimestre, as exportações de carne suína aos chineses acumulavam queda de 17,8% na comparação anual, para 33.600 toneladas, segundo dados da Secex compilados pelo Ministério da Agricultura. Em abril, a China respondeu por 27,7% das exportações de carne suína do Brasil.

Segundo Adolfo Fontes, analista do banco holandês Rabobank , a queda das vendas nos primeiros três meses é resultado da elevação nos abates na China logo após o surto de peste suína africana”. A tendência, num primeiro momento, foi de aumento nos abates internos, mas com a diminuição da oferta de carne no país, as importações devem aumentar”, indicou o analista.

Do lado do Brasil, existe o claro interesse de ampliar os embarques, o que vai depender dos preços ofertados pela China nos próximos meses, segundo Fontes. “Até março, a China não tinha preço que justificasse vender para eles em detrimento de outros mercados. A Rússia, por exemplo, estava pagando mais”, disse o analista. Vale lembrar, no entanto, que poucos frigoríficos têm autorização para vender aos russos. BRF e JBS, os maiores do setor, não podem.

A expectativa de Fontes é que haja uma mudança mais expressiva de cenário no segundo semestre, mesmo porque os preços estão subindo rapidamente, o que se reflete nas estatísticas gerais das exportações brasileiras. Em abril, o preço médio da carne suína in natura exportada pelo Brasil para todos os destinos foi de US$ 2.200,00 por tonelada, com aumento de 5,7% na comparação com o mês de março, de acordo com dados da Secex.

Principal referência quando o assunto é o impacto econômico da peste suína africana na China, o Rabobank estima que as exportações brasileiras de carne suína ao país asiático aumentem mais de 65% neste ano, passando das 156.200 toneladas enviadas aos chineses em 2018, para até 260.000 toneladas em 2019.

Esse volume só considera os frigoríficos já habilitados a vender para a China. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, terá uma reunião em Pequim esta semana para tentar aumentar o número de plantas autorizadas a exportar.

Pelos números do Rabobank, o crescimento das exportações do Brasil para a China é pequeno, em volume, tendo em vista a necessidade chinesa. A projeção do banco holandês é que o país asiático importe cinco milhões de toneladas neste ano, mais que o dobro das dois milhões de toneladas trazidas do exterior no ano passado.

A China é o maior produtor e consumidor global de carne suína, perfazendo cerca de 50% da demanda global. Por causa da peste suína, no pior dos cenários, o país pode perder 180 milhões de animais do seu rebanho, ou seja, 40% do total de cabeças, e ter a produção reduzida em 35%, para 35,1 milhões de toneladas de carne suína, segundo  estudo do Rabobank.

 

Valor Econômico