As expressões doenças transmitidas por alimentos (DTA) e enfermidades transmitidas por alimentos (ETA) de domínio universal, são utilizadas para designar alterações de saúde do ser humano causadas pela ingestão de alimentos, entretanto o termo melhor adaptado seria doenças transmitidas por patógenos em alimentos, uma vez que, o alimento seja qual for, não veicula doença, mas sim os microrganismos, toxinas, parasitas, compostos químicos, metais pesados ou outras substâncias neles contidos, que podem ser fontes de agravos a saúde humana.

No caso dos alimentos de origem animal, muitos dos patógenos presentes oriundos do animal vivo, portanto de características zoonóticas, necessariamente não causam doenças nos animais de origem mas podem, frente a algumas situações, desencadear enfermidade no consumidor.

Nos seres humanos os agravos sanitários causados por alimentos vem aumentando de modo significativo em nível mundial, tendo vários fatores contribuintes desde as práticas agropecuárias inadequadas, passando pela higiene deficiente nos estágios da cadeia de produção, a falta de controle preventivo durante as operações de processamento, o uso incorreto de produtos químicos, matérias-primas, ingredientes e o armazenamento inadequado, fomentado pelo crescente aumento das populações, pela existência de grupos populacionais vulneráveis ou mais expostos, processos de urbanização desordenados e a necessidade de produção de alimentos em grande escala.
Igualmente concorrem para o incremento destas enfermidades a nível mundial, a maior exposição das pessoas a alimentos destinados ao pronto consumo coletivo, fast foods, o consumo em vias públicas, as mudanças de hábitos alimentares e as facilidades atuais de deslocamento das populações, inclusive em nível internacional.

Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária –ANVISA- doenças transmitidas por alimentos (DTA) são aquelas causadas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados existindo mais de 250 tipos no mundo, a maioria deles na forma de infecções causadas por bactérias e suas toxinas, vírus e outros parasitas.

É importante assinalar que é considerado surto, quando duas ou mais pessoas apresentam doença ou sintomas semelhantes após ingerirem alimentos e/ou água da mesma origem, normalmente em um mesmo local, sendo que, para doenças de alta gravidade, como botulismo e cólera, apenas um caso já é considerado surto.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera as doenças transmitidas por alimentos grande preocupação de saúde pública global e estima que a cada ano mais de um terço da população mundial, incluindo a dos países desenvolvidos é acometida, com 420 mil mortes, embora a maioria dos casos não seja notificada.

O Documento intitulado “Surtos de Doenças Transmitidas por Alimentos no Brasil, Informe 2018” do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, registra que no ano de 2017 ocorreram no Brasil 598 surtos de doenças transmitidas por alimentos com 47.409 pessoas expostas, sendo que destas, 9.426 apresentaram sinais da doença com 1439 hospitalizações e 12 óbitos.

Dentre os alimentos incriminados em surtos no Brasil, no período de 2009 a 2018, os mistos aparecem em 25,5% dos casos e para os de origem animal, os leites e derivados com 7,8%, ovos e derivados 5,6%, carne bovina in natura, miúdos e derivados com 5,3%, carne de aves e derivados com 3,5%, pescado, frutos do mar e derivados com 2,1% e carne suína e derivados com 2,0%.

Como agentes etiológicos implicados estão, Escherichia coli com 23,4% seguido de Salmonella sp com 11,3%, Staphilococcus áureo com 9,4%, outros coliformes com 6,5%, Norovirus com 3,9% e rotavírus com 3,1%, sendo importante assinalar o registro de 1,2% de casos de hepatite A provavelmente transmitida pela água que também é considerada como alimento.

O perfil epidemiológico parcial para o ano de 2018 aponta 503 surtos notificados, com 6.803 doentes, 731 hospitalizações e 9 óbitos, tendo nos casos dos ocasionado por um único agente etiológico, 80 surtos, a Escherichia coli (27,5%, 22 surtos) como o mais comum, seguida por Norovírus (25,0%, 20 surtos). Dos alimentos suspeitos identificados (167 surtos), a água foi a mais incriminada (29,9%, 50 surtos), seguida pelos alimentos mistos caracterizados por possuírem mais de um grupo alimentar em sua composição (23,4%, 39 surtos).

Neste ano de 2018, da mesma forma que nos anteriores, as residências foram os locais de ocorrências mais associadas aos surtos, com um total de 179, correspondendo a 35,8% de todas as notificações, justificado pela falta de educação sanitária de grande parte dos consumidores que desconhecem as condições básicas adequadas para manipulação de alimentos.

É importante assinalar que os números reais de surtos provavelmente são muito maiores do que os divulgados, em função das subnotificações em casos de distúrbios gastroentéricos de ocorrências domésticas, geralmente com características leves, das automedicações e da desatenção dos serviços de saúde no geral, que muitas vezes negligenciam sobre a importância das notificações destas enfermidades.

Para se ter uma ideia das possíveis discrepâncias entre os dados oficiais e a real incidência de problemas ligados a ingestão de alimentos, nos Estados Unidos é estimado que para cada 1 ocorrência de acometimento de doença transmitida por alimentos notificada, outras 136 deixam de ser registradas.

Para a Organização Panamericana de Saúde, OPAS, alimentos não seguros dificultam o desenvolvimento em muitas economias de baixa e média renda, que perdem cerca de US$ 95 bilhões em produtividade associada a doenças, como incapacidade e até mortes prematuras sofridas pelos trabalhadores. Nas Américas, estima-se que 77 milhões de pessoas sofram um episódio de doença transmitida por alimentos a cada ano, metade delas crianças com menos de 5 anos de idade.

O Serviço de Pesquisas Econômicas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estima que os custos de infecções agudas e complicações crônicas devido a doenças de origem alimentar ficam entre 6,6 e 37,1 bilhões de dólares por ano. Para doenças causadas apenas por sete patógenos mais importantes estima-se custo em 9,3 a 12,9 bilhões de dólares anualmente e destes, 2,9 a 6,7 bilhões de dólares são atribuídos às bactérias de origem alimentar, como as sorovares de Salmonella, Campylobacter jejuni, Escherichia coli O157:H7, Lysteria monocytogenes, Staphylococcus aureus e Clostridium. Perfringens.

Os autores Ana Maria Rey e Alejandro A. Silvestre, orçaram em pesos argentinos os custos econômicos de um surto de salmonelose originado pelo consumo de sanduíches de “miga”, ocorrido na cidade de Buenos Aires, Argentina em 2009, com 36 pessoas acometidas, das quais 35 receberam atendimento médico ambulatorial, e uma permaneceu internada durante cinco dias em um centro assistencial. Classificaram os referidos custos em explícitos, aqueles que puderam ser quantificados especificamente, como os atribuídos ao fechamento do estabelecimento comercial e aos custos médicos do tratamento dos acometidos, e implícitos, representados pelo trabalho direto do serviço de fiscalização e indireto pela causa determinada, com valor arbitrado com base em critérios definidos pelos autores em função da importância da consequência.

Os Resultados mostraram que os custos totais do surto de salmonelose analisado para os três setores envolvidos, produtor, pessoas acometidas e trabalho da fiscalização, considerando os explícitos, quantificados pelos valores reais e os implícitos, quantificados por estimativas, foram de 98.785 pesos ou 98.785 dólares, uma vez que estes valores foram calculados em plena vigência na Argentina da lei de conversibilidade, quando cada peso conversível era equivalente a 1 dólar.

A Organização para a Agricultura e Alimentação, FAO e a Organização Mundial de Saúde, OMS, recomendam que para a garantia da segurança dos alimentos, cinco etapas devem ser incluídas: a garantia dos governos no fornecimento de alimentos seguros e nutritivos para todos; a adoção de boas práticas agrícolas pelos produtores; a garantia das empresas de que os alimentos sejam transportados, armazenados e preparados com segurança; o acesso dos consumidores a informações oportunas, claras e confiáveis sobre os riscos nutricionais e de doenças associados às suas escolhas alimentares e finalmente, que os governos, órgãos econômicos regionais, organizações da ONU, agências de desenvolvimento, organizações comerciais, grupos de consumidores e produtores, instituições acadêmicas, de pesquisa e entidades do setor privado trabalhem juntos em questões de segurança dos alimentos.

Como a maioria dos surtos ocorrem nas residências a Organização Panamericana de Saúde, OPAS, recomenda como essencial para prevenir doenças transmitidas por alimentos, a aplicação também de cinco medidas: manter a higiene; separar os alimentos crus dos cozidos; cozinhar completamente o alimento; conservar os alimentos a temperaturas seguras e usar água e matérias primas seguras
É esperado que, cada US$ 1 investido em educação para a segurança dos alimentos, tenha o potencial de reduzir as doenças transmitidas por alimentos e gerar economias de até US$ 10 com gastos em ações de saúde pública (FAO 2019).

Segurança dos alimentos é responsabilidade de todos.