A transformação do modelo de criação de porcos na China pode ter consequências explosivas para os preços globais do milho nos próximos anos. A perspectiva, alvissareira para os produtores brasileiros de grãos, pode tornar ainda mais difícil a rotina das agroindústrias processadoras de aves e suínos no País.

Em relatório, o Itaú BBA traçou cenários para a recomposição do rebanho suíno chinês e indicou que o processo, já em curso, exigirá dezenas de milhões de toneladas de milho a mais, o que mudará a cara do comércio mundial do cereal. Em pouco tempo, o País, grande produtor, poderá sair de uma posição quase irrelevante como importador para se tornar um dos maiores compradores do grão no exterior.

E essa guinada está mais próxima do que nunca. A mambembe e insalubre criação de porcos no fundo de quintais, alimentados com restos de comida, está ficando para trás, e em seu lugar, com forte apoio do governo, começam a despontar granjas de grande porte, com controle sanitário reforçado. Nesse cenário, a lavagem tende a dar lugar à ração, que em geral é de farelo de soja e milho.

Para fazer jus à crescente demanda da China, a produção global de milho terá de aumentar, e para isso os preços deverão subir. “Vamos precisar de preços que estimulem expansão de áreas”, sustenta Guilherme Bellotti, gerente da consultoria de agronegócios do Itaú BBA.

O analista pondera que o preço de equilíbrio do grão no longo prazo poderá ser mais baixo que o atual, que está em nível recorde, a R$ 81,32 por saca. Mas assegura que acabou a era do milho barato para os frigoríficos.

Pelas estimativas do banco, as importações chinesas de milho passarão de cerca de 7 milhões de toneladas nesta safra 2020/21 para 88 milhões toneladas em cinco anos. Em todo o globo, a demanda adicional poderá ser de 209 milhões de toneladas até o ciclo 2025/26. A demanda global atual é de cerca de 1.1 bilhão de toneladas, segundo o USDA.

No quadro desenhado pelo Itaú BBA, o Brasil é o país com o maior potencial de expansão do plantio. “A disponibilidade de área já antropizada com aptidão para agricultura nos possibilita fazer frente à grande parte do aumento da oferta necessária”, aponta o relatório do banco, citando dados da consultoria brasileira Agroconsult sobre o potencial da expansão no Centro-Oeste.

Na região há 22 milhões de hectares com boa ou média aptidão para agricultura e 16 milhões para uma agricultura de alta performance. Na safra 2019/20, os produtores brasileiros plantaram milho em uma área total de 18.5 milhões de hectares e colheram 102 milhões de toneladas, um recorde.

Para César Castro Alves, um dos autores do estudo do Itaú BBA, os números chineses estão sempre rodeados de mistérios, mas mostram que o rebanho de suínos do país asiático está mesmo em recomposição sob um novo padrão sanitário. Segundo ele, a China pode até não atingir objetivo de modernizar a produção de suínos na velocidade que imagina, mas o caminho é inevitável e o País já provou sua capacidade para a execução de estratégias.

Segundo o consultor, a produção de carne de porco em granjas modernas e de maior escala é essencial para controlar melhor os possíveis repiques da peste suína, para a qual não há vacina. Voltar ao modelo anterior, de fundo de quintal, não é mais possível.

Nesse quadro, o Itaú BBA prevê que haverá grande concentração da criação de suínos na China, o que é relevante em termos globais, tendo em vista que o país é responsável por 50% do consumo e da produção mundial da proteína.

Em 2017, apenas 15% dos suínos abatidos na China vieram de granjas com mais de 10.000 cabeças. O governo chinês deseja que, até 2025, esse percentual cresça para 70%. Em dez anos, a participação deve beirar os 80%. No cenário base considerado pelo Itaú BBA, o objetivo não seria cumprido integralmente, mas 50% da produção de suínos do país asiático virá de granjas de grande porte em 2025.

Com isso, a demanda por grãos usados na ração para suínos deverá aumentar de forma significativa, passando de 76.5 milhões de toneladas em 2019 para 165.7 milhões de toneladas em 2025. Considerando apenas o milho usado na ração de suínos, a demanda deve aumentar 134%, para 116 milhões de toneladas, segundo o Itaú BBA.

Para o farelo de soja, a demanda da produção chinesa de carne suína passará das 15.3 milhões de toneladas do último ano para mais de 30 milhões de toneladas em 2025.

No caso da soja, mercado no qual o Brasil é o principal exportador, Bellotti destaca que a eleição de Joe Biden tende a consolidar o cenário de normalização dos embarques americanos do grão à China. A disputa entre Washington e Pequim teve impacto positivo para o Brasil nas safras 2018/19 e 2019/20, mas neste ano as vendas americanas aos chineses estão indo de vento em popa, na esteira do acordo comercial de primeira fase entre as potências.

Mas isso não é necessariamente negativo para o Brasil. Ainda que a participação dos Estados Unidos na importação de soja da China cresça, os brasileiros continuarão ocupando um espaço privilegiado, principalmente porque a demanda chinesa não deve parar de crescer.

 

Valor Econômico