Há um ano, os principais executivos da indústria frigorífica já apontavam para o potencial disruptivo da epidemia de peste suína africana que atingia a China, mas traçavam projeções conservadoras para as exportações.

Àquela altura, renomadas casas de análises acreditavam que a produção de carne suína do país asiático cairia 10% – uma enormidade dada a representatividade chinesa nesse mercado. O baque, porém, é bem maior e pode superar 50%. Nesse cenário, não é surpresa que, graças à China, o Brasil caminhe para o recorde nas vendas de frango e suíno em 2020.

Em processo de transição para assumir, a partir de abril, a presidência da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, que atualmente é diretor executivo da entidade, estimou ontem que as exportações de carne de frango do país crescerão de 3% a 6%, em volume, alcançando até 4.5 milhões de toneladas em 2020. Nessa toada, a participação da China ficará ainda maior. Hoje, as vendas para o país representam 14%.

O cenário é ainda mais promissor para a indústria de carne de porco, a proteína predileta dos chineses, que compraram 33% da carne suína exportada pelos frigoríficos brasileiros neste ano. Pelas projeções da ABPA, os embarques crescerão de 15% a 20%, ficando entre 850.000 e 950.000 toneladas.

Para Santin, o aumento pode ser ainda maior, dada a imprevisibilidade da situação sanitária no país asiático. “Há uma disfunção do comércio global e ela é o grande imponderável de todas as previsões”, disse.

Ao comentar as estimativas setoriais para 2020, durante entrevista coletiva promovida pela ABPA para tratar do resultado das exportações deste ano, o diretor executivo da associação se mostrou otimista com a possibilidade de ampliação da lista de abatedouros autorizados a exportar aos chineses. Atualmente, 46 unidades de aves e 16 de suínos estão habilitadas pela Administração-Geral de Aduanas da China (GACC, na sigla em inglês).

“Espera-se que a China continue o ritmo de habilitação, por meio das inspeções de unidades por WeChat (videoconferência), afirmou Santin, ressaltando que a decisão de habilitar ou não cabe aos chineses. Neste ano, Pequim autorizou nove abatedouros de frango e seis de suínos, além de 25 frigoríficos de bovinos e um de jumento.

“Tem muita planta para ser habilitada”, disse o diretor da ABPA. Além das autorizações de novas unidades, a expectativa de Santin é que a China também aumente as compras por meio da diversificação do leque de cortes de frango importados do Brasil. Normalmente, os chineses compram pés de frango, mas no segundo semestre compraram lotes de peito de frango para abastecer a demanda.

Nem mesmo a concorrência dos EUA, que estavam proibidos de exportar à China desde 2015 e foram liberados em novembro, preocupa o futuro presidente da ABPA. “Há espaço para ambos na China”, declarou Santin. Nesse sentido, ele lembrou que no mês passado, logo após os chineses anunciarem a reabertura de seu mercado, os preços da carne de frango no mercado chinês caíram, mas já estão se recuperando.

Os Estados Unidos são o segundo maior exportador de carne de frango, só atrás do Brasil. Segundo as estimativas do USDA, os brasileiros detêm cerca de 32,60% do comércio internacional de frango, e os EUA, 28,70%.

Para sustentar o crescimento das exportações previsto para 2020, a produção brasileira de carne de frango vai aumentar.

Segundo as estimativas da ABPA, a agroindústria brasileira produzirá entre 13.6 milhões e 13.7 milhões de toneladas no ano que vem, um aumento entre 4% e 5% na comparação com o volume de 13.1 milhões de toneladas de 2019. Segundo Santin, os alojamentos de matrizes (as aves-mães do frango que é abatido) cresceram para sustentar o incremento produtivo.

Devido ao ciclo mais longo de produção, a indústria de carne suína não conseguirá ampliar seu desempenho na mesma velocidade da evolução prevista para as exportações.

A ABPA estimou que a produção aumentará entre 3% e 4%, para até 4.2 milhões de toneladas. Diante disso, a disponibilidade de carne suína no mercado interno deve diminuir, elevando os preços e reduzindo o consumo, um movimento que já ocorreu neste ano. Cada brasileiro consumiu, em média, 15,7 quilos, contra 15,9 quilos em 2018.

A passagem de bastão de Francisco Turra, atual Presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) para Ricardo Santin será como a volta ao passado para os dois gaúchos. Em 1977, Turra assumiu o cargo de vice-prefeito do município de Marau. Na cabeça de chapa, estava José João Santin, pai de Ricardo.

Em 1982, foi a vez de Turra, hoje com 77 anos, ser eleito prefeito. Foi nessa época que a Perdigão comprou um abatedouro na cidade, dinamizando a economia de Marau, que fica a 264 quilômetros da capital Porto Alegre. De lá, Turra alçou voos maiores na política gaúcha, sendo eleito deputado. No governo Fernando Henrique Cardoso, foi ministro da Agricultura.

Ricardo Santin, que hoje tem 52 anos, foi braço-direito de Turra no governo federal e seguiu com o chefe nos outros desafios. Na ABPA, Santin liderou a área de acesso a mercados. Em abril, ele assume a presidência da associação – um gesto carregado de simbolismo para os marauenses.

 

Valor Econômico